Elon Musk, diretor da Tesla, quer construir uma fábrica de carros elétricos no Brasil. Ele deveria ter se encontrado com Jair Bolsonaro (sem partido) em Miami no início de março, mas estava muito ocupado e deve vir ao Brasil em algum momento deste ano. Toda sua atenção está focada no estado de Santa Catarina, cujo secretário de relações internacionais, Derian Campos, está em contato direto com Musk.
Dois fabricantes de automóveis – BMW e General Motors – já têm fábricas em Santa Catarina. O Ministro de Ciência, Comunicação, Inovação e Tecnologia, Marcos Pontes, teve uma videoconferência com Anderson Ricardo Pacheco, um executivo de alto escalão da Tesla. Com eles, estavam Daniel Freitas, um deputado, e Claiton Pacheco Galdino, diretor comercial da cidade de Criciúma. Eles esperam que a Tesla construa uma "giga-fábrica" – nome que a empresa dá a fábricas grandes – na maior economia latino-americana.
Ajuda muito o fato de que o Brasil possui depósitos consideráveis de lítio – a maioria nos estados de Minas Gerais, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. A produção de lítio é limitada, em grande parte usada na produção de cerâmicos e vidro. O governo Bolsonaro tem interesse em aumentar a produção do minério, inclusive como um material essencial para as baterias de lítio íon que abastecem carros elétricos como os da Tesla. Porém, o lítio brasileiro não será suficiente. A Tesla vai ter que importar de outros lugares.
O triângulo do lítio
Mais de 50% dos depósitos de lítio globais se encontram no “Triângulo do Lítio” - com fontes do material concentradas na Argentina, Bolívia e Chile. Os desertos montanhosos da Bolívia – o Salar de Uyuni – têm de longe as maiores reservas conhecidas.
Num tweet bizarro, o empreendedor boliviano Samuel Doria Medina disse que já que Bolsonaro e Musk estão discutindo a abertura de uma fábrica da Tesla no Brasil, deveriam acrescentar nessa iniciativa o seguinte: “construir uma giga fábrica no Salar de Uyuni para fornecer baterias de lítio”.
Doria Medina não é apenas um empresário. Ele é candidato a vice-presidente ao lado da “presidente interina” Jeanine Áñez para as eleições presidenciais do dia 3 de maio de 2020. Áñez só chegou ao poder depois do golpe de estado contra Evo Morales em novembro de 2019. Logo, as boas vindas de Doria Medina para a Tesla devem ser vistas como tendo a autoridade do governo golpista por trás delas.
::As multinacionais, o valioso lítio da Bolívia e a urgência de um golpe::
O governo Morales teve muita cautela com essas reservas de lítio. Tinha deixado claro que esses recursos preciosos não deveriam ser entregues às multinacionais, com acordos favorecendo as empresas. Qualquer lucro vindo do lítio, Morales afirmava, deve ser compartilhado adequadamente com o povo Boliviano.
O ponto principal da fala de Morales é que qualquer acordo deve ser feito em conjunto com a Comibol – a mineradora estatal Boliviana – e Yacimentos de Lítio – produtora de lítio estatal. Os ganhos monetários vindos da mineração deveriam entrar para os cofres públicos, e depois utilizados para financiar os programas sociais tão necessários no país. Essa política socialista foi demais para três grandes multinacionais – Eramet (França), FMC (Estados Unidos) e Posco da Coréia do Sul. As três se retiraram e foram para a Argentina.
O golpe do lítio
As políticas socialistas de Morales sobre os recursos naturais Bolivianos foram a morte de seu governo. A oligarquia, que estava brava com o governo Morales e seu socialismo, utilizou qualquer mecanismo possível para subverter as eleições de 2019. Incêndios florestais no norte e leste do país, deram à mídia da oligarquia o pretexto para sugerir que Morales havia abandonado seu compromisso com o meio ambiente e a Pachamama (mãe natureza), e que ele estava trabalhando para beneficiar pecuaristas. É importante apontar que isso não é apenas ridículo, mas que assim que o governo Áñez tomou o poder, passou legislação permitindo que esses mesmos pecuaristas, estendessem suas terras para dentro de áreas florestadas.
O oponente de Morales – Carlos Mesa – e outros membros de partidos políticos da oligarquia, abertamente falavam bem antes das eleições que Evo só ganharia através de fraude. O auto-denominado Conselho de Defesa da Democracia disse que Evo Morales era um presidente sem legitimidade, pois tinha perco o referendo constitucional de 2016. A mídia, apoiada por esses interesses corporativos e neofacistas, empurravam a pauta de fraude, enquanto Carlos Mesa, na noite da eleição, disse que houve “fraude monumental”.
Essas provocações por parte de Mesa, os neofacistas, e a elite corporativa resultaram em violência nas ruas; no meio disso, a polícia, que tinha alguns setores irritados com os esforços anti corrupção policial de Evo Morales, fez um motim. Os 36 Bolivianos que morreram na violência ocorrida logo após a eleição, são vítimas do discurso inflamatório de Carlos Mesa. A Organização de Estados Americanos (OEA), incentivada pelo governo estadunidense, divulgou um “relatório preliminar” de fraude na eleição: as fortes conclusões do relatório não eram substanciadas pelas informações nele contido. O relatório foi uma peça importante em legitimar o golpe contra Morales.
É importante destacar que não houve controvérsia sobre a eleição de Morales em 2014; naquela eleição ele ganhou 61% dos votos derrotando o empresário Samuel Doria Medina, que obteve 24% (Doria Medina é a mesma pessoa concorrendo à vice-presidência e entregando o lítio boliviano à Tesla). O mandato de Evo Morales de 2014 ainda não tinha terminado em Novembro de 2019; a sua remoção viola o mandato de 2014, algo quase nunca sendo discutido dentro ou fora da Bolívia.
John Curiel e Jack Williams do Laboratória de Informação e Ciência Eleitoral do Massachusetts Institute of Technology (MIT) estudaram os dados das eleições Bolivianas e não encontraram indícios de fraude: “Não encontramos nenhuma evidência estatística de fraude,” eles escreveram conclusivamente no Washington Post. Curiel e Williams entraram em contato com a OAS e notam, “Nós e outros acadêmicos tentamos contatar a OAS; eles não responderam”. Baseados em sua análise, eles acreditam que Morales ganhou a eleição de 2019 e deveria ter começado um novo termo esse ano.
Incrível pressão do governo golpista contra o partido de Morales (Movimento para o Socialismo, ou MAS)- e ao mesmo tempo a presença de monitores da Usaid e um dirigente da comissão eleitoral apontado pelos Estados Unidos, Salvador Romero – sugerem que as eleições do dia 3 de maio não serão nem um pouco transparentes; provavelmente favorecendo o governo golpista, incluindo o empreendedor que quer vender o lítio Boliviano para a Tesla de Elon Musk, e o Brasil de Jair Bolsonaro.
Um mundo de lítio
Em 2019 um estudo da Bloomberg New Energy Finances sobre o armazenamento de energia, antecipou que até 2030, o preço de baterias de lítio íon deve cair dramaticamente, e consequentemente, energias renováveis (solar e eólica), e armazenamento de energia em baterias crescerá exponencialmente. Existe a expectativa que até 2040 energias renováveis representarão 40% do consumo de energia global, contra os 7% que atualmente produzem. Para isso ocorrer, a demanda para o armazenamento de energia vai aumentar. “Acreditamos que a demanda total de baterias para itens estáticos e transporte elétrico em 2040, vai ser de 4584 Gwh (horas gigawatt), escrevem os analistas da Bloomberg, “criando uma enorme oportunidade para fabricantes de baterias, e mineradores de materiais base como lítio, cobalto e níquel”. O uso atual é de apenas 17GWh.
A ideia central aqui é enfatizar, que isso vai criar “uma enorme oportunidade” para “mineradores de materiais base como lítio, cobalto e níquel”. Quando os analistas da Bloomberg usam palavras como “mineradores”, eles não estão se referindo aos mineradores bolivianos, ou aos mineradores congoleses, mas sim às multinacionais, como a Tesla, e seu chefe Elon Musk. Se depender da Bloomberg e da Áñez, a América do Sul não deve mais seguir o projeto de recursos nacionalista de Evo Morales; essa é a América do Sul de Elon Musk, um lugar para os Neo Conquistadores ganharem dinheiro, e deixarem pra trás a carnificina social.
*Vijay Prashad é um historiador, jornalista e editor indiano.
*Alejandro Bejarano é um músico boliviano, cineasta, e gerente de redes sociais.
Edição: Rodrigo Chagas