Entrevista

"Mercado é máquina de instabilidade", afirma economista

Paulo Nogueira Batista Jr. afirma que não há uma resposta concreta para a dúvida, apenas apostas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Semana foi marcada por queda nas bolsas de valores ao redor do mundo - Adek Berry/AFP

Os dias de pânico para a economia mundial, com o registro de quatro "circuit breaker" (mecanismo disparado pela bolsa de valores que suspende as negociações em momentos atípicos) durante a semana, é resultado de uma "máquina de instabilidade" inflada pelos mercados.

É o que afirma o economista Paulo Nogueira Batista Jr., ex-vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento estabelecido pelo Brics, o grupo econômico de países de mercado emergente. Para ele, os mercados estimulam o lucro por meio de incertezas.

É o que ocorre no momento, diz o economista: o cenário de completa obscuridade, causado pela pandemia do coronavírus e pela guerra de preços do petróleo, caracteriza o que economistas chamam de "momento Minsky", quando a euforia do mercado financeiro é, abruptamente, transformada em pânico após uma reversão inesperada. "Quando a maré baixa é que você vê quem estava nadando nu", ilustra. 

Nesta quarta-feira (11), o Ministério da Economia brasileiro informou que a estimativa oficial de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano foi revisada de 2,4% para 2,1%. Ao mesmo tempo, o risco-país, medido por meio dos contratos CDS (Credit Default Swap), subiu 34% - a maior alta desde 2002.

Ainda nesta quarta, após a revisão da estimativa, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que, no pior cenário, em decorrência da pandemia de coronovírus, o PIB em 2020 seria de 1%, menor que o crescimento registrado em 2019, que ficou em 1,1%. Confirmado esse quadro, o Brasil registraria o quarto ano de baixo crescimento da economia.

Diante da crise, Batista Jr. prevê um ano de retração à economia global. Ele calcula que, na esteira do mercado internacional, o Brasil, que antes previa um "voo de galinha" na economia, em 2020, deve ficar estagnado. A expressão é utilizada popularmente para caracterizar um crescimento pequeno, quase nulo.

O economista ressalta, no entanto, que a causa para o baixo crescimento da economia brasileira este ano não é decorrência apenas da pandemia de coronavírus, mas também das ações do governo brasileiro.

"Não é só o coronavírus que causa prejuízo nacional. Temos as restrições internas do governo. O coronavírus começou a gerar preocupação em fevereiro. Antes disso, as expectativas de crescimento já vinham sendo rebaixadas um pouco no Brasil", ressalta. 

Resta saber, agora, se a crise vem para ficar ou é passageira. De acordo com Batista Jr., não há uma resposta concreta para a dúvida, apenas apostas - quem prever o futuro com mais clareza ganhará mais dinheiro.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Paulo Nogueira falou dos possíveis cenários futuros, das consequências da crise ao trabalhador comum e da tentativa do governo de contornar a recessão com reformas. "O Paulo Guedes não tem uma saída muito elegante para a situação", ressalta.

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato: Estamos vivendo o chamado “momento Minsky” na economia, a abrupta reversão dos mercados financeiros. O que é isso, exatamente?

Paulo Nogueira: Os mercados são, inerentemente, muito instáveis. Os mercados financeiros em geral, especialmente os internacionais, são muito propensos a uma instabilidade, que é endógena [de dentro pra fora]. 

O Minsky foi um economista que, na segunda metade do século XX, se destacou por escrever a dinâmica dos sistemas financeiros privados. O chamado momento “Minsky”, um chavão da literatura, designa o momento em que um ou mais gatilhos transformam o auge do mercado, a euforia do mercado, em uma súbita reversão. 

Tudo indica que nós chegamos no momento Minsky, porque essa queda do mercado, agora recente, é uma queda que não me parece que, ao olhar para trás, a gente vai ver isso como um momento de turbulência em uma fase de ascensão que continua. 

É mais provável que seja uma reversão mesmo. O “bull market” [mercado em tendência alta] se transforma em “bear market” [o oposto, com ações em queda].

Tem uma previsão de duração? É rápido ou demora?

Não, não tem. No momento, você tem dois cenários que parecem plausíveis. Um cenário otimista, quando tem uma queda brusca do mercado, mas uma recuperação em V, que é quando a economia retoma rapidamente. O outro cenário, mais pessimista, é de uma queda mais pronunciada, mais duradoura, quando demora muito a produzir recuperação. 

Então não tem como prever o que vem por aí?

Cada um faz a sua aposta. Por exemplo, se você aposta no cenário muito otimista, o momento é de comprar. Se você acha que vai ter uma recuperação em V, você pode esperar, não vende ainda. Mas, se você acha que é uma crise profunda, é melhor começar a a vender, mesmo realizando alguns prejuízos. 
É tudo feeling, baseado nas experiências históricas. Na realidade, quem ganha dinheiro é quem aposta corretamente em um cenário de incertezas. 

A literatura da Economia diz que as crises são gestadas em períodos de bonança. Neste caso, existe o diagnóstico de onde começou? Onde foi?

O que acontece nos momentos de bonança é que os mercados são máquinas de produzir instabilidade. Com o passar do tempo, com vários anos de preços dos ativos em alta, o mercado vai se acostumando, vão ficando complacentes, vão correndo mais riscos, vão fazendo apostas mais problemáticas, vão se endividando, vão se alavancando.

Chega um momento - tem uma imagem que é muito usada no mercado americano - que a maré baixa de repente. Quando a maré baixa é que você vê quem estava nadando nu. 
Como a euforia era grande, tinha muita gente nadando nua. Com a maré baixa, muita gente ficou vulnerável com essas quebras.

E tinha muita gente "nadando nua" neste momento?

Acredito que sim, porque são vários anos de bonança. Você vai ver empresas quebrando, bancos tendo dificuldade para trazer clientes que não conseguem pagar.

Em termos de economia global, quais são as consequências práticas?

É aquilo que já está se vendo. Uma retração da oferta, uma retração da demanda. Essas duas coisas acontecem diretamente por causa do coronavírus e por outras razões também. 

Por exemplo, pelo lado da oferta, você tem interrupção nas cadeias internacionais de produção. Pelo lado da demanda, tem gente cancelando viagem, gente cancelando turismo.

A força disso vai depender, primeiro, se a crise se propaga ou não para o sistema financeiro mais fortemente. E, segundo, da reação das autoridades governamentais dos principais países.

Tivemos uma tímida reação dos mercados, das bolsas, no dia posterior à queda histórica da segunda-feira. Isso aponta para um cenário otimista ou ainda é muito cedo?

É muito cedo, porque já teve uma semana muito ruim, na semana passada. E a segunda-feira muito influenciada por dois desdobramentos graves: Rússia versus Arábia Saudita e o coronavírus na Itália.
Os indicadores que medem volatilidade, instabilidade, estão muito fortes. É um cenário de muita incerteza. 
Tem uma notícia boa, que não se explica, que é a queda pronunciada dos novos casos [de coronavírus] na China. O mercado vai ficar ao sabor dessas notícias.

No Brasil, nós tínhamos a expectativa do "voo da galinha" na economia este ano. Pelo que vemos, a galinha não vai mais levantar voo em 2020?

Acho que ela não levanta mais voo, não. O mais provável é que você tenha, no ano de 2020, mais um ano de economia estagnada, em termos per capita. Não é só o coronavírus que causa prejuízo nacional. Temos as restrições internas do governo.

O coronavírus começou a gerar preocupação em fevereiro. Antes disso, as expectativas de crescimento já vinham sendo rebaixadas um pouco no Brasil. 

Vemos o ministro Paulo Guedes a todo momento dizendo que a grande solução é a aprovação das reformas, como a administrativa e tributária. Você acredita que as reformas vão salvar a pátria?

Não, não acredito. É aquela história: o sujeito começa a fracassar, a primeira tendência dele é dobrar a aposta. "Ah, as reformas que eu propus até agora não foram aceitas, então tome mais reformas". A erosão da credibilidade do governo, inclusive da área econômica do governo, é muito nítida. 

Então é mais uma conversa para aliviar o problema do que uma solução, de fato?

O Paulo Guedes não tem uma saída muito elegante para a situação. Para ele, o melhor seria que houvesse alguns sinais no Congresso de apoio ao tipo de coisa que pudesse ser apresentado como reforma estrutural. Seria um cenário que aliviaria o ceticismo.

O que não está ocorrendo, né?

É um cenário com o qual trabalha o Maia [Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados]  também. O Maia está tentando ajudar a área econômica do governo, pelo menos em parte.

Mas, agora, com conflitos ideológicos além da economia, a relação está difícil.

No meu entender, o compromisso de pessoas como o Maia com reformas conservadoras transcende o Bolsonaro. Tem gente importante no Congresso disposta a fazer o seguinte papel: se o Bolsonaro não consegue fazer as reformas, nós vamos tomar a dianteira. Fizeram isso na Reforma da Previdência.

Você acha que a recuperação econômica passa pelas mãos do Maia?

Não, porque o Congresso não tem instrumentos para isso. O que eu digo é que a agenda de reformas conservadoras depende, em grande parte, do Congresso. E os presidentes da Câmara e do Senado são políticos que, embora não sejam bolsonaristas, são reformistas.

Para o consumidor, para o cidadão comum, que muitas vezes não tem investimentos em bolsa, não tem grandes rendas, como a crise atual impacta?

O povo comum, o povo trabalhador, é afetado a curto prazo de duas maneiras: com a depreciação do real, vários produtos importados que compõem a cesta básica ficam mais caros. A outra coisa é que havia a expectativa que, aos poucos, a economia crescesse um pouco mais, gerasse mais empregos, mais empregos formais.

Isso vai se frustar, porque a situação de emprego não só não melhora, mas pode até piorar. Não só o nível, mas a qualidade média do emprego.

Existe alguma forma de o povo se precaver?

O povo não tem muita opção, né? É refém de uma situação que não criou.  Não criou em termos, porque o Bolsonaro não se elegeria se uma grande parte do povo não votasse nele. 

Não é que o povo seja uma vítima total, mas digamos que, em termos econômicos e financeiros, quem vive do seu salário, do seu emprego, não tem muita opção. 

As pessoas não são burras. Elas vão economizar um pouco mais com medo da situação. É isso justamente que agrava o problema, porque todo mundo começa a economizar e a demanda agregada cai, gerando desemprego, menos renda.

É um movimento recessivo, que só pode ser neutralizado com a ação das autoridades monetárias fiscais.

Edição: Leandro Melito