As mulheres pretas são a base da desigualdade de renda no Brasil. São elas também que estão mais suscetíveis ao desemprego e às piores condições de trabalho no país. Em São Paulo (SP), por exemplo, trabalham o dobro do tempo para obter salário de homem branco: enquanto o rendimento médio por hora de uma mulher negra é de R$ 10,82, quem está no topo da escala de remuneração recebe R$ 21,84.
Os dados foram sistematizados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a partir dos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano passado.
Para abalar essa estrutura racista, o projeto Grana Pretta surge como uma estratégia de empoderamento para a mulher negra, por meio do desenvolvimento da educação financeira e do empreendedorismo.
Idealizado pela jornalista, mãe, e educadora financeira Mônica Costa, o projeto, que já alcançou mais de mil mulheres em todo o Brasil vem se expandindo e hoje já é uma plataforma de luta do feminismo negro.
"A gente vive em uma situação do ponto de vista econômica que é bastante delicada, especialmente para a mulher negra, mas a criatividade e a inovação continuam aqui, e isso é uma coisa que nenhuma sociedade racista e machista vai conseguir tirar. Quando eu dou as aulas eu costumo dizer que você não tá aprendendo, você ta lembrando, porque a gente já faz isso desde África, desde os nossos ancestrais", conta Costa, que se comunica e fortalece a rede de mulheres através de palestras, workshops e atendimentos pessoais.
A gente vive em uma situação do ponto de vista econômica que é bastante delicada, especialmente para a mulher negra, mas a criatividade e a inovação continuam aqui, e isso é uma coisa que nenhuma sociedade racista e machista vai conseguir tirar.
Superando barreiras
Desde o seu lançamento, em julho de 2019, o portal publica periodicamente histórias de mulheres negras que superaram as barreiras do racismo estrutural e criaram projetos que contribuem para suas autoestimas e suas atuação nos territórios onde vivem.
Adriana Silva foi uma das beneficiadas pelo projeto. O contato com Mônica, na opinião dela, não só foi o despertar para abrir seu próprio negócio, um brechó virtual, mas também para se reaproximar da sua ancestralidade.
"A mônica trouxe um olhar que muitas vezes nós não temos sobre nós mesmos, que é esse viés que vem do passado, da época da escravatura, de tantas coisas que os negros passaram e que a gente já praticou ao longo da história", revela a funcionária pública.
O mesmo reconhecimento é sentido pela publicitária Édula Carmongio, que vem de Itaquera, na Zona Leste da capital paulista. Desde os encontros com Mônica, ela passou a enxergar como o empreendedorismo e os pilares da educação financeira não dialogam com as periferias.
"Esses youtubers das pessoas que estão falando de dinheiro falam como se fosse algo muito simples. Você faz isso e amanhã você tá rico. Porque falam pra outro tipo de pessoa, não para uma pessoa que ganha um salário mínimo, para uma pessoas que ganha 500 reais", aponta.
Alento
As dificuldades expostas por Carmongio se agravam no atual cenário de crise, onde o país atinge níveis alarmantes de desemprego e enfrenta um colapso das políticas sociais no governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Dados da Pnad revelam que 64,3% dos desocupados no país são pretos ou pardos – aproximadamente 12,8 milhões de pessoas.
Em meio ao desalento, quem mais sofre é a mulher negra. A taxa de desemprego entre elas é de 16,6%, o dobro da verificada entre homens brancos (8,3%), e superior também a de mulheres brancas (11%).
Para Mônica Costa, que vem de uma família matriarcal, a realidade da mulher negra em pleno século 21 não difere muito do cenário vivido por suas ancestrais escravizadas. Empoderá-las e superar as desigualdades – que as mantêm na base da pirâmide social brasileira –, na opinião dela, são temas urgentes e que surgem da coletividade.
"A gente vive em uma sociedade que é capitalista. Você não consegue estudar, você não come, você não conhece outros lugares se você não tem dinheiro. Então eu comecei a entender que a educação financeira nossa hoje é a alforria que era para as pretas de ganho nos séculos passados. E que essa forma de liberdade é o que a gente tem que buscar", finaliza.
*Colaboraram Marina Duarte de Souza e Nara Lacerda.
Edição: Rodrigo Chagas