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Artigo | O Bolsonarismo e seu novo ato na cena política

Os discursos inacreditáveis de Bolsonaro contribuem para retirar as luzes da tragédia social e econômica que vive o país

Brasil de Fato | São Paulo* |
Contrariando recomendações do Ministério da Saúde, Bolsonaro incentiva e participa de manifestações do 15 de março - Sergio Lima / AFP

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) participara da convocação e, a despeito da recomendação da OMS para evitar aglomerações, fez-se presente a um dos protestos de rua que ocorreram nesse domingo, 15 de março.

Coloquemos de lado, por ora, a conduta temerária do Presidente — para não dizer outra coisa — e direcionemos a nossa atenção para o sentido dos protestos: pressionar o Congresso e seu presidente Rodrigo Maia (DEM). Qual é o significado político disso?

Trata-se de um conflito real, porém restrito aos atores da chamada “cena política” do Estado capitalista; embora troquem farpas e ostentem diferentes figurinos, maneiras e discursos, esses atores, em comum, buscam representar o novo bloco de classes dominantes que ascendeu ao poder com o golpe do impeachment de 2016 e cuja política social, econômica e internacional conhecemos, desde os anos 1990, por neoliberalismo.

Assim, num certo sentido, é tanto um conflito real quanto figurativo: real porque opõe atores diferentes e figurativo porque esses atores não discordam a respeito das ditas “reformas de que o Brasil precisa”, que é o fundamental para essa nova hegemonia.

Tanto Paulo Guedes, que une Bolsonaro à Bolsa e a Banca, quanto Rodrigo Maia, que as une ao Parlamento, defendem as reformas legislativas e institucionais que abrem ao capital internacional livre curso para novos negócios onde antes havia empresas brasileiras, como, por exemplo, o setor de obras públicas e de petróleo e suas cadeias produtivas.

Ambos defendem as privatizações e privilegiam o capital especulativo ao produtivo. E, no que há consenso entre todas as frações burguesas e que lhes vem garantido uma unidade política, Bolsonaro e Maia defendem o enxugamento dos serviços públicos e a redução de direitos dos trabalhadores e das pessoas, como as reformas trabalhista e da Previdência.

Mas, embora esse conflito não envolva as questões políticas mais importantes para as classes e frações de classe dominantes, não se torna, por isso, irrelevante.

Pois travam, bolsonaristas e as velhas instituições, uma luta em torno da maneira pela qual se dará a representação política dessa unidade conflituosa de frações de classe: se à maneira tradicional do chamado “sistema político” ou se à moda do bolsonarismo.

Rodrigo Maia liderou a derrubada do veto presidencial à ampliação legislativa do critério de renda para acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BCP) da Assistência Social, de 1/4 para meio salário mínimo, o que permitirá a uma camada maior de idosos e deficientes pobres acessarem esse auxílio.

Com essas e outras medidas, sobretudo no terreno do chamado “orçamento impositivo”, Maia propõe-se a representar a unidade burguesa da seguinte maneira: garante a agenda de reformas neoliberais, aparando-lhes as arestas de impopularidade extravagante; devolve à cena política a velha liturgia das instituições; e, enfim, garante os fluxos de recursos administrados pelo Congresso por meio das emendas parlamentares aos Estados e municípios.

Essa alternativa, muito embora se apresente como razoável e goze de amplo apoio dos meios de comunicação de massa, esbarra na impopularidade do “sistema político”.

É contra ela que o bolsonarismo dirige, neste momento, as suas baterias. Até aqui, a burguesia em bloco recorreu ao bolsonarismo, o que Armando Boito Jr. conceituou, em texto publicado neste Brasil de Fato, como um “movimento neofascista”, que sintetizamos como uma mobilização de massas de classe média, com o objetivo de aniquilar o movimento operário e popular, valendo-se, para tanto, de uma identidade nacional pretensamente homogênea, assentada em crenças, valores e costumes “tradicionais”, que estariam sob a ameaça dos inimigos a serem combatidos: os pobres que se beneficiaram de programas sociais e deram seu voto aos governos Lula/Dilma (PT); as “minorias” sociais, por encarnarem a heterogeneidade e se valerem também de políticas específicas, como as cotas; os cientistas, artistas e intelectuais, que, cada um a seu modo, contribuem para complexificar as coisas, às expensas de fundos públicos. Todos, em alguma medida, corruptos ou corrompidos, aos olhos do neofascismo.

O apoio da burguesia em bloco ao bolsonarismo se deu em parte por ideologia, em parte por necessidade: o bolsonarismo conseguiu apoio popular mais que suficiente para derrotar, como veio a fazer nas urnas, a esquerda.

E, enquanto houver eleições, as frações burguesas unidas em torno do neoliberalismo não poderão descartar esse ator de seu elenco. Além disso, o figurino empoeirado, as maneiras afetadas e os discursos inacreditáveis de Bolsonaro, que atraem as atenções para seu teatro do absurdo, contribuem eficientemente para retirar as luzes da tragédia social e econômica que vive o país e das reformas que tanto interessam ao bloco burguês pós-Golpe.

A crise sanitária que atravessamos pode mudar isso, fazendo a balança pender para os líderes das velhas instituições políticas, que, aliás, se reuniram excluindo o chefe do Executivo. Mas essa possibilidade é assunto para um outro artigo.

*Thiago Barison de Oliveira é advogado, doutor pela USP, professor de Direito e membro da ABJD

Edição: Leandro Melito