Mais de 10 mil: essa foi a quantidade de casos confirmados de tuberculose entre detentos em 2018 no Brasil. Um recorde histórico, em números absolutos, nos últimos dez anos. Para cada dez casos confirmados da doença, um ocorreu em penitenciárias. Com isso, a tuberculose atingiu 35 vezes mais as pessoas presas que a população que está em liberdade.
Os dados, resultado de um levantamento inédito da Agência Pública com informações do Ministério da Saúde, revelam a fragilidade da saúde da população carcerária brasileira — a terceira maior do mundo — em meio à pandemia do coronavírus. A Covid-19, doença causada pelo coronavírus, assim como a tuberculose, é uma doença infecciosa que atinge órgãos respiratórios. A transmissão de ambas ocorre por vias áreas, facilitada em locais de aglomeração e sem condições de higiene, como os presídios.
De 2009 a 2018, o Ministério da Saúde registrou 80 mil casos de tuberculose e 853 mortes causadas pela doença em pessoas que estão privadas de liberdade. Essa classificação inclui quem está nas prisões — que são a maioria desse grupo — e também quem está internado em outras instituições, como hospitais psiquiátricos.
Bruno Fonseca/Agência Pública
A maioria das pessoas presas que tiveram tuberculose são negros: o dobro dos casos entre brancos.
Epidemia de tuberculose revela fragilidade na saúde de presos
Há uma epidemia de tuberculose nos presídios, confirma Carla Machado, professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela pesquisa epidemiologia e métodos quantitativos em saúde e alerta: devido às condições nas penitenciárias, “é uma questão de tempo até que o novo coronavírus esteja instalado entre a população carcerária”.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica uma epidemia como “a ocorrência em uma comunidade ou região de casos de uma doença ou outros eventos relacionados à saúde claramente em excesso à expectativa normal”. Um estudo publicado na revista Lancet apontou o avanço da tuberculose no Brasil, especialmente em populações vulneráveis.
“As pessoas entram e saem regularmente dos presídios, ou seja, não é uma população estática, mas sim dinâmica; as pessoas que trabalham nelas saem e retornam diariamente, há os visitantes, que lá passam regularmente. Vírus de todos os tipos têm vários pontos de entrada e os que entram tendem a se espalhar rapidamente. Surtos de gripe e de muitas outras doenças ocorrem regularmente nessas instalações”, avalia.
De acordo com o médico infectologista da Faculdade de Medicina de UFMG e presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, Dirceu Greco, a precariedade dos presídios, superlotados e com baixas condições de higiene, explica porque a tuberculose, uma doença tratável, mantém-se como epidemia — e acende um alerta com a chegada do coronavírus. “A superlotação é a condição ideal para qualquer agente biológico de transmissão área. A falta de insumos é outro fator: falta água e sabão para essas pessoas. E claro, faltam cuidados de saúde, atendimento de médicos, enfermeiros e equipe de assistência social”, diz.
Especial: Coronavírus
Com superlotação, quatro em cada dez presídios brasileiros não possuem consultórios médicos
Restrição de visitas não garante presídios livres de coronavírus, segundo especialistas
Após pressão da sociedade civil, ministro do STF recomenda regime domiciliar a presos com tuberculose e outras condições de risco para o coronavírus
Mais de 10 mil: essa foi a quantidade de casos confirmados de tuberculose entre detentos em 2018 no Brasil. Um recorde histórico, em números absolutos, nos últimos dez anos. Para cada dez casos confirmados da doença, um ocorreu em penitenciárias. Com isso, a tuberculose atingiu 35 vezes mais as pessoas presas que a população que está em liberdade.
Os dados, resultado de um levantamento inédito da Agência Pública com informações do Ministério da Saúde, revelam a fragilidade da saúde da população carcerária brasileira — a terceira maior do mundo — em meio à pandemia do coronavírus. A Covid-19, doença causada pelo coronavírus, assim como a tuberculose, é uma doença infecciosa que atinge órgãos respiratórios. A transmissão de ambas ocorre por vias áreas, facilitada em locais de aglomeração e sem condições de higiene, como os presídios.
Bruno Fonseca/Agência Pública
Fonte: Ministério da Saúde
De 2009 a 2018, o Ministério da Saúde registrou 80 mil casos de tuberculose e 853 mortes causadas pela doença em pessoas que estão privadas de liberdade. Essa classificação inclui quem está nas prisões — que são a maioria desse grupo — e também quem está internado em outras instituições, como hospitais psiquiátricos.
Bruno Fonseca/Agência Pública
Fonte: Ministério da Saúde
A maioria das pessoas presas que tiveram tuberculose são negros: o dobro dos casos entre brancos.
Bruno Fonseca/Agência Pública
Fonte: Ministério da Saúde
Epidemia de tuberculose revela fragilidade na saúde de presos
Há uma epidemia de tuberculose nos presídios, confirma Carla Machado, professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela pesquisa epidemiologia e métodos quantitativos em saúde e alerta: devido às condições nas penitenciárias, “é uma questão de tempo até que o novo coronavírus esteja instalado entre a população carcerária”.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica uma epidemia como “a ocorrência em uma comunidade ou região de casos de uma doença ou outros eventos relacionados à saúde claramente em excesso à expectativa normal”. Um estudo publicado na revista Lancet apontou o avanço da tuberculose no Brasil, especialmente em populações vulneráveis.
“As pessoas entram e saem regularmente dos presídios, ou seja, não é uma população estática, mas sim dinâmica; as pessoas que trabalham nelas saem e retornam diariamente, há os visitantes, que lá passam regularmente. Vírus de todos os tipos têm vários pontos de entrada e os que entram tendem a se espalhar rapidamente. Surtos de gripe e de muitas outras doenças ocorrem regularmente nessas instalações”, avalia.
De acordo com o médico infectologista da Faculdade de Medicina de UFMG e presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, Dirceu Greco, a precariedade dos presídios, superlotados e com baixas condições de higiene, explica porque a tuberculose, uma doença tratável, mantém-se como epidemia — e acende um alerta com a chegada do coronavírus. “A superlotação é a condição ideal para qualquer agente biológico de transmissão área. A falta de insumos é outro fator: falta água e sabão para essas pessoas. E claro, faltam cuidados de saúde, atendimento de médicos, enfermeiros e equipe de assistência social”, diz.
O professor explica que, apesar da minoria dos infectados necessitar de internação ou cuidados intensivos, os presos estarão em situação bastante comprometida caso venham precisar de tratamentos mais avançados de saúde. “É uma população que seria relativamente fácil de ser cuidada, pois está trancada, suas condições são conhecidas, sabe-se o que é preciso ser feito. Mas, na prática, nada é feito. Estão alijados em um local onde o setor público tem pouco interesse e o senso comum não se importa”.
Sistema superlotado, sujo e sem condições de saúde
A população carcerária do Brasil é de cerca de 766 mil pessoas, segundo dados do sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, o Infopen, atualizados em junho de 2019. Quase metade delas, 347 mil, estão em regime fechado. Existem cerca de 1,4 mil penitenciárias e outros estabelecimentos penais no país.
Segundo a Pública apurou, quatro em cada dez presídios brasileiros não possuem consultórios médicos. Quase metade (48%) não têm farmácia ou sala de estoque para medicamentos. E 81% não contam com sala de lavagem e descontaminação.
A mortalidade no sistema prisional tem sido alvo de denúncias. Em 2018, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro denunciou 53 mortes por tuberculose, pneumonias e complicações decorrentes de infecções pulmonares, 35 delas em presos com menos de 40 anos de idade.
De acordo com dados do Infopen, a pior taxa de mortalidade ocorre no Ceará, que registrou 40 mortes para 10 mil presos, quase três vezes a média nas prisões brasileiras. Foi justamente no Ceará que a equipe do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) denunciou, no início de 2019, uma série de violações de direitos humanos, incluindo condições precárias de higiene.
Segundo o relatório, havia celas alagadas, tomadas por mofo, ou abafadas, sem ventilação. Havia falta de medicamentos para tuberculose e hepatite, surto de sarna em ao menos dois presídios e soropositivos que, além de não terem acesso ao atendimento médico, estavam impedidos de receber visita de familiares que poderiam trazer os coquetéis contra o HIV. Os relatos ainda incluíam fezes espalhadas por celas, paraplégicos sem fraldas para higiene e, em uma das alas, a fonte de água para beber e se limpar era um buraco na parede. Em junho do mesmo ano, todos os peritos do Mecanismo foram exonerados pelo presidente Jair Bolsonaro.
Restrição de visitas gera rebelião e não garante presídios livres de coronavírus
A situação se repete em São Paulo, estado com a maior população carcerária do país: 233 mil pessoas, quase um terço de todos os presos no Brasil – em seguida estão Minas Gerais, com 68 mil, e o Paraná, com 51 mil.
Em fevereiro, um detento denunciou falta de condições de higiene e atendimento médico na penitenciária de Mongaguá, no litoral de São Paulo. “Falando em saúde, também está precária. Pouca medicação, quando nossos familiares trazem remédios básicos, como dipirona, Benegrip e outros desse tipo, os funcionários não deixam entrar, só com receita. Pensem vocês, como teríamos receita se estamos presos e não passamos por médicos? Já tivemos óbitos nesta unidade e nada é feito para melhorar as condições. […] Banheiro entupido, chuveiro não temos, torneiras não existem”, escreveu em carta. Na unidade, com capacidade para 1640 presos, havia 2796.
Na última segunda-feira, 16 de março, uma rebelião na penitenciária fez oito reféns temporários. 563 presos fugiram. Houve fugas e rebeliões também em mais três cidades do estado de São Paulo: Tremembé, Porto Feliz e Mirandópolis. Ao todo, a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado estima a fuga de 1375 presos, com 611 recapturados.
Segundo Cátia Kim, advogada do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), a falta de condições sanitárias e a restrição à saída de Páscoa, determinada também no dia 16 pelo corregedor geral de Justiça Ricardo Anafe com a justificativa de impedir o avanço do coronavírus, são fatores que explicam as rebeliões.
“A população carcerária como um tudo já vem sofrendo restrições de visitas recentemente. As medidas de restrição de visitas por si só são ineficazes como medida de prevenção. É nas visitas que eles recebem produtos de higiene”, comenta.
Na visão de Cátia, o cumprimento do Habeas Corpus Coletivo 143.641, de fevereiro de 2018, que levaria presas com filhos à prisão domiciliar, poderia ser mais eficaz que a restrição às visitas para diminuir a população carcerária, diminuir a superlotação e reduzir a propagação de doenças, como a Covid-19. “Além disso, o Estado deveria garantir que essas pessoas tenham acesso à água, produtos de higiene e limpeza, mesmo o álcool. Todo esse cenário acaba sendo mais propício para que a doença se alastre de forma devastadora”, pondera.
Ele cita uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que recomendou que todos os presos condenados em regime aberto e semiaberto no estado deveriam seguir para prisão domiciliar.
No dia 16, o IDDD entrou com liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para reduzir a população presa através de liberdade condicional para idosos, regime domiciliar para detentos em grupo de risco para o coronavírus e liberdade por medidas alternativas, por exemplo, para presos provisórios. “Com a aproximação dessa situação de contágio pelo novo vírus, nós decidimos reiterar a liminar para que pessoas vulneráveis tenham a pena substituída e não fiquem expostas a uma situação de impossibilidade absoluta de contágio pelo vírus. O Irã tomou uma decisão drástica de soltar diversos presos e a Itália, em situação semelhante, resolveu adotar essa postura, de liberar presos para evitar que o nível de contaminação fosse pior”, comenta Hugo Leonardo, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). “Se não for uma ação coordenada, que transcenda uma preocupação para toda a estrutura, suprimir direitos de forma parcial não terá efetividade”.
Na noite de terça-feira, 17, Marco Aurélio Mello negou a participação do IDDD na ação (que foi enviada pelo PSOL, em 2015), mas recomendou que juízes de execução sigam as propostas de redução da população carcerária, como liberdade condicional a presos com 60 anos ou mais; regime domiciliar a presos com tuberculose, diabéticos, soropositivos e com outras doenças; e regime domiciliar às gestantes e lactantes. Todos as recomendações estão aqui.
Procurada pela Pública, a Secretaria de Administração Penitenciária informou que elaborou um plano de contingência para suspeita de contaminação pelo coronavírus em alguma unidade prisional, que inclui o isolamento do preso e o aviso à vigilância epidemiológica local. Além disso, as visitas ao preso serão suspensas e os servidores que estarão em contato com o paciente, sejam da área de segurança ou saúde, deverão usar mecanismos de proteção padrão como máscaras cirúrgicas e luvas descartáveis.
A Secretaria informou que “estão sendo afixados cartazes com informações sobre a doença e orientações sobre a prevenção, bem como orientação direta aos servidores, visitantes e funcionários para também mantê-los a par dos sintomas e das melhores formas de prevenção”. A resposta completa da Secretaria está aqui.
Nesta terça, o porta-voz da presidência anunciou, dentre uma série de medidas, uma campanha de vacinação em massa da população carcerária. O Governo Federal, contudo, não detalhou a proposta ou informou datas.