Uma Frente Ampla em aliança com setores do centro é o caminho certo para uma derrota histórica
A epidemia nos ameaça como uma peste devastadora. Mas o maior perigo que neste momento ameaça o povo trabalhador e a esquerda brasileira é a permanência de Bolsonaro no poder.
Ainda não é possível uma projeção de cenário séria do que acontecerá nos próximos dois meses. Ainda é cedo. As mobilizações nas janelas de #18M são um suspiro de esperança pelo seu alcance, porém estão ainda longe da força social de impacto necessária para sustentar uma ofensiva frontal pela derrubada de Bolsonaro.
A iniciativa parlamentar de apresentar mais um pedido de impeachment está longe, também, de alterar sequer a relação política de forças, que só uma mudança profunda da disposição de luta da classe trabalhadora pode garantir. Qualquer outra conclusão é precipitada.
A queda do governo sem gigantescas mobilizações de massas, portanto, “a frio”, só é possível se a classe dominante, em maioria, vier a romper com Bolsonaro.
Já foram apresentados onze diferentes pedidos de impeachment. Nenhum deles saiu da gaveta de Rodrigo Maia. Evidentemente, é impossível prever se, e quando isso possa vir a ocorrer.
A crise sanitária poderá provocar uma crise social explosiva e, nesse contexto, uma crise política grave, com divisões na classe dominante, deslocamentos de setores médios para a oposição, e despertar da fúria popular entre os trabalhadores e a juventude.
É possível que venha a acontecer, mas, por enquanto, trata-se somente de uma hipótese. E existem outras hipóteses. A crise sanitária pode incentivar uma disciplina social que alimente a expectativa de que a união nacional em torno dos governos de plantão, inclusive Bolsonaro, é a única saída para conter a epidemia. Não sabemos.
A burguesia brasileira mantém o apoio à governabilidade operando um jogo de pressões permanente sobre as instituições: Executivo, Congresso e Supremo Tribunal Federal, pela defesa da ordem.
Parece muito improvável que deixem de fazê-lo, no calor de uma epidemia catastrófica, em que prevalece o medo do contágio e das mortes, e a perspectiva de uma retração econômica como a de 2015/16 no horizonte. Mas Bolsonaro deu mais de um tiro nos pés nas últimas semanas. Portanto, a conjuntura pode mudar.
Na conjuntura em que estamos não depende de nenhum partido de esquerda a derrubada imediata do governo. Infelizmente, a esquerda não tem, neste momento, respaldo social para liderar uma campanha ofensiva.
O critério para definir a tática é a apreciação da relação social e da relação política de forças. Qualquer outro critério resulta no ultimatismo. Dar um ultimato a Bolsonaro só será possível quando uma maioria popular tiver girado para a oposição ao governo.
Muitos ativistas combativos acreditam, sinceramente, que o PT, PSol e PCdB poderiam fazê-lo, se organizassem uma campanha de massas pelo “Fora Bolsonaro”. Mas ainda não podem. A esquerda não influencia uma maioria entre os trabalhadores dispostos a partir para a ofensiva.
Em algum momento, poderemos e ela será correta. A questão é saber se esse momento já chegou ou não. Manter a mente aberta é um bom critério. A palavra de ordem mais revolucionária não é a mais radical, é aquela que impacta a consciência de milhões. Não é aquela que responde aos nossos impulsos, desejos, vontades. A situação exige firmeza e paciência.
Oxalá a situação evolua, rapidamente, nessa direção, e a bandeira do Fora Bolsonaro encontre apoio na classe trabalhadora. Oxalá a experiência prática de dezenas de milhões com a tragédia sanitária acelere, nas fábricas e nas ruas, a consciência de que Bolsonaro tem que ser derrubado.
Quanto antes melhor. Cabe à esquerda ajudar as massas populares a concluir que este governo tem que ser detido, agora e já.
Por tudo isso é muito grave a aposta envergonhada de uma parcela majoritária da esquerda de que o momento de medir forças com o governo pode ser adiado para as eleições de 2022. Trata-se de uma decisão, dramaticamente, errada.
Tão ou mais grave é a estratégia de uma Frente Ampla eleitoral em aliança com os partidos burgueses que apoiaram o golpe contra Dilma Rousseff, mas que agora estão em uma semi-oposição a Bolsonaro. Por muitas razões, mas uma é a principal.
O governo Bolsonaro é uma ameaça de perigo real de “fujimorização” ou endurecimento do regime, com inédita concentração de poder. O risco é imenso. A ofensiva bonapartista não vai ser detida pelo legislativo e pelo judiciário. A confiança em Maia ou Toffoli é uma fantasia infeliz.
Sem poderosa mobilização popular, Bolsonaro irá medir forças antes de 2022. E a emergência sanitária pode vir a ser o pretexto para, por exemplo, colocar as tropas nas ruas, proibir greves dos trabalhadores que querem ir para casa para proteger suas vidas. O argumento mais ingênuo é esgrimir que Bolsonaro não tem força para fazê-lo.
Porque alimenta a conclusão que não é uma questão vital responder à altura às provocações bonapartistas. Tudo seria um blefe. Sim, Bolsonaro ainda não tem força para um “golpe dentro do golpe”, neste momento, mas isso não deveria nos tranquilizar.
Porque os chamados ao autogolpe que Bolsonaro endossou, obedecem a uma estratégia que não se esgotou no 15M, como evidencia a convocação de 31 de março nos quartéis. A corrente neofascista está se movendo para aumentar suas forças.
A aposta de que, um ano depois da posse, o governo Bolsonaro estaria se desgastando, fragilizando, debilitando e um parlamentarismo branco, liderado por Maia e com apoio do STF, estaria se estabilizando é autoengano impressionista.
Existem contradições entre o governo e as instituições do regime, mas o que prevaleceu foi a colaboração pela governabilidade, garantindo que o programa de ajuste liderado por Paulo Guedes seja implementado. E continua prevalecendo, mesmo com os absurdos negacionistas de Bolsonaro diante da epidemia. Eles precisam ser detidos antes de 2022.
A crise social deve se agravar daqui até 2022, em função do impacto imensurável da pandemia do coronavírus, e da provável recessão mundial, e a incapacidade do governo.
Uma resposta à altura do desafio colocado pelos neofascistas só pode ser construída com uma nova pedagogia na relação com as massas populares, estruturada a partir da defesa da Frente Única de Esquerda. Uma Frente Ampla em aliança com setores do centro é o caminho certo para uma derrota histórica, que não será somente eleitoral. Poderá deixar consequências irreparáveis.
Edição: Leandro Melito