A suspensão das aulas em creches e escolas, públicas e particulares, tem sido adotada em todo o Brasil contra a disseminação do coronavírus. A necessária e urgente medida, no entanto, trouxe uma pergunta aos milhões de lares brasileiros: o que fazer com as crianças durante o período da quarentena, sem sair de casa?
A boa notícia é que contadoras de histórias estão se organizando para ajudar a gastar um pouco da energia inerente às crianças durante o período de isolamento orientado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde.
De forma interativa, as fábulas estão sendo contadas por transmissões ao vivo no Instagram e pelo Facebook, todos os dias, em diferentes horários.
Foi após perceber o esvaziamento dos espaços, durante uma apresentação no último fim de semana, que Camila Genaro teve a ideia de chegar às crianças por meio da internet. Ao compartilhá-la, outras contadoras começaram a participar da iniciativa.
“A resposta foi tão imediata, principalmente das minhas outras colegas contadoras de histórias, entrando nessa ciranda, nessa roda, e fazendo esse movimento bem bonito que é de amor mesmo. Nesse momento temos que pensar não só na gente, temos que pensar no coletivo, em todo mundo que vai ficar em casa. Nas crianças que precisam desse conteúdo de qualidade na internet”, afirma Genaro, que está entre a lista de contadoras de histórias que circula em massa por grupos de Whatsapp.
Mãe de dois meninos, de 10 e 14 anos, ela entende bem o que é ter filhos em casa sem o período escolar. A artista, que faz transmissões diárias às 15h, conta que tem recebido um ótimo retorno de mães, cuidadores e das próprias crianças.
“No momento [com a pandemia], não temos que entrar em desespero. Temos que nos abraçar virtualmente e arrumar soluções criativas para as crianças. Eu estou vendo muito disso. Muitos sites compartilhando dicas de brincadeiras e jogos. Está bem bacana”, comenta Camila. Além de interpretar os contos, Camila também faz oficinas para entreter as crianças.
Enquanto as aulas não voltam
Na casa de Lucy Deus, psicóloga e educadora parental, não faltam iniciativas para que a pequena Luíza, de quase três anos, faça atividades interessantes enquanto as aulinhas na creche não voltam ao normal. Claro que ouvir as histórias pela tela do celular ou do computador faz parte do plano caseiro.
“Quando eu vi a iniciativa das meninas de fazer a contação de história online, achei maravilhoso. Tem uma didática, elas são muito boas nisso. E prende a atenção da criança e do adulto também. Eu participo, interajo junto, assisto com minha filha e participo junto”, detalha Lucy.
Fazendo seus atendimentos em casa, a psicóloga tem proposto oficinas de culinária e atividades de organização para entreter sua filha, sempre conciliando com o trabalho. A psicóloga elogia a iniciativa das contadoras em resposta a um momento difícil como o qual o país passa, que, para ela, exige um olhar generoso e solidário.
“Fiquei super encantada. Todos dessa rede que está se formando para apoiar as mães nesse momento de entender que a pessoa precisa trabalhar mas tem a criança ali que precisa de atenção, para não deixá-la 24h com o celular, com conteúdos que não são apropriados. E esses que as meninas estão disponibilizando foram pensados com o maior carinho para as crianças”, complementa.
Fiquei super encantada. Todos dessa rede que está se formando para apoiar as mães nesse momento de entender que a pessoa precisa trabalhar mas tem a criança ali que precisa de atenção.
A contação de história online também tem ajudado o dia a dia de Danielle Bueno, mãe de Tereza, de 3 anos, e de João, de 6. Preocupada com seus filhos, ela se antecipou e os deixou em casa antes mesmo da escolinha suspender as aulas.
Sem sair de casa, Danielle tem se desdobrado para ocupar o tempo das crianças com qualidade. Apesar de conhecer atividades com artes, por exemplo, não pode sair de casa para comprar o material.
Quando soube das ações das artistas nas redes sociais, não pensou duas vezes em acessar os perfis para acompanhar as histórias ao vivo.
“A contação de histórias prende a atenção das crianças. Sai daquela coisa da televisão pra propor novas coisas. Programa de criança geralmente é parque, lugares que acabam tendo muitas pessoas. E em casa, vai esgotando o repertório de filme, de brincadeira, de leitura... Tem que se virar para gastar a energia de duas crianças dentro de casa. Então eu achei bem legal, foi uma iniciativa massa”, relata.
Apesar do cotidiano cansativo com as crianças em casa, na opinião de Danielle, brincadeiras do tipo proporcionam momentos de aproximação com os filhos. A leveza das histórias online tem cumprido um papel ainda mais importante com seu filho mais velho, que está no espectro autista e não se sente bem assistindo TV, mas reage positivamente às transmissões ao vivo.
Público crescente
Marina Bastos, que também é contadora de histórias e viu o número de seguidores do seu perfil do Instagram crescer exponencialmente nos últimos dias, afirma que está avaliando manter as histórias virtuais mesmo após a quarentena, tamanha a recepção do público. Ela se apresenta todos os dias, ao 12h30 e também tem um canal no youtube.
“Tenho recebido muitas mensagens de gratidão, das pessoas agradecendo, compartilhando nos grupos de mães, de professores e agradecem porque além de ser um atividade para as crianças, ajuda elas a preencherem o dia, é uma atividade lúdica, educativa, que é divertida. Elas ficam esperando chegar a hora da live para participar junto com as crianças. Assistem junto, em família”, diz Bastos.
Em meio à pandemia, a contadora de histórias há mais de 13 anos acredita que é necessário não deixar o desespero e a preocupação dos adultos afetarem as crianças. Segundo ela, a função do artista é ajudar a todos a enfrentar essa situação da melhor maneira possível, mesmo com as dificuldades do isolamento.
“Temos que cuidar da gente e de quem a gente ama. Mas não precisa ser chato esse momento. Podemos fazer coisas legais como estudar, brincar, ficar com a família, lermos, ouvirmos histórias...E especialmente mantermos uma atmosfera criativa, de imaginação”, sugere a artista.
Temos que cuidar da gente e de quem a gente ama. Mas não precisa ser chato esse momento. Podemos fazer coisas legais como estudar, brincar, ficar com a família, lermos, ouvirmos histórias
“Não sabemos quanto tempo [a quarentena] vai durar. Pode ser que dure 15 dias, pode ser que dure dois meses. Mas vamos fazer live todos os dias. É nossa missão como artista. Levar a arte e a cultura para todos os lugares”, finaliza.
Outras contadoras de histórias, como a Fafa Conta, estão criando conteúdo especial sobre o coronavírus para crianças. Outra alternativa é visitar acervos onlines de museus como o Museu de Imagem e Som (MIS) e até mesmo o Museu Arqueológico de Atenas.
Edição: Rodrigo Chagas