Parlamentares de oposição e sindicalistas se mostraram críticos à medida apresentada pelo Ministério da Economia para as relações de trabalho na esfera privada durante a crise econômica, agravada pelo coronavírus.
Segundo anúncio feito pelo secretário de Trabalho da pasta, Bruno Dalcolmo, na quarta (18), o governo propõe que seja permitida uma redução de até 50% da jornada dos trabalhadores, com corte salarial proporcional.
O discurso governista é de que a iniciativa irá ajudar a “preservar o emprego e a renda”. Outras medidas fazem parte do pacote, como flexibilização de regras para teletrabalho, antecipação de férias individuais, férias coletivas e banco de horas. De acordo com a gestão, a remuneração mínima permitida continuaria sendo o salário mínimo e o pacote seria de adoção temporária, enquanto vigorar o estado de emergência.
A medida ainda terá que ser enviada ao Poder Legislativo e aprovada por deputados e senadores, mas já gera movimentações nas bases. A secretária-geral do Sindicato dos Empregados no Comércio do Distrito Federal (Sindicom-DF), Geralda Godinho, por exemplo, reclama do fato de o governo ter anunciado que as mudanças permitidas ao patronato poderão ser negociadas diretamente com o trabalhador, sem a intermediação dos sindicatos.
Filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), a entidade afirma que ainda está estudando detalhes da medida junto à sua assessoria jurídica, mas destaca que a mudança fere a Constituição Federal, que resguarda a participação dos sindicatos nas negociações.
A dirigente aponta que a iniciativa do governo Bolsonaro tende a deixar os trabalhadores mais fragilizados na relação com os empregadores.
“Acho que já começou errado por aí. Como é que um empregado vai negociar com o patrão numa empresa grande, média ou mesmo pequena? É difícil. O sindicato é que representa o trabalhador. Ele não pode tirar o sindicato do meio de campo”, afirma.
Uma das maiores categorias profissionais, os trabalhadores do comércio são um contingente de cerca de 200 mil pessoas no Distrito Federal (DF), onde a crise agravada pelo coronavírus já dá sinais de maiores prejuízos.
Enquanto pelas ruas o movimento no comércio cai por conta do receio da população em sair de casa, quem tem renda flutuante começa a contabilizar as perdas.
É o caso da depiladora Sandra Campos, que recebe um salário fixo de R$ 1.300 geralmente complementado por um valor proporcional à quantidade de atendimentos feitos no mês. Ela conta que, nos últimos sete dias, o movimento caiu mais de 50% em relação ao convencional.
“Tem mês em que recebo uns R$ 2 mil, em outros, R$ 1.700 ou até mais de R$ 2 mil, quando tem o décimo terceiro circulando. Depende do movimento, mas sempre tem um valor a mais. Neste período agora, nem sei como vai ser porque os clientes diminuíram as vindas ao salão. Se a patroa resolver cortar minhas horas e o salário, eu vou ficar desesperada”, afirma a depiladora, contando que teme o futuro porque é mãe solteira e tem três filhos em idade escolar.
Diálogo
Diante do lastro já deixado pela crise do coronavírus no início da epidemia no país, a secretária-geral do Sindicom-DF se queixa de ações governamentais articuladas com o campo popular e voltadas também ao período pós-crise, quando a economia pode estar devastada pela retração do mercado, segundo alguns economistas já preveem.
“Acho que o governo tinha que chamar as centrais, conversar com o movimento sindical pra ver de que forma garantir os empregos do povo depois também. Nós já estamos muito sacrificados. Já tem um monte de trabalhador aí passando fome. Acho que ele tinha que pensar em outras estratégias”, defende a dirigente, citando o caso da Itália, onde o governo propôs a implantação de um benefício no valor de 80% do salário pago aos funcionários das empresas que tiveram que paralisar as operações por conta do coronavírus.
Na mesma sintonia, a deputada oposicionista Sâmia Bomfim (Psol-SP) defende que o governo deveria tomar outras iniciativas, somando esforços para que os trabalhadores passem pelo atual momento “da forma menos traumática possível” e ampliando a participação do Estado na gestão da crise.
“Vários países do mundo estão dando exemplo nesse sentido, mesmo países de cunho liberal, que também têm uma agenda semelhante e foram eleitos nessa perspectiva. Mas aí mostra também o aspecto mais autoritário do governo Bolsonaro, que se alinha à ideia do negacionismo. Eles começaram dizendo que [o coronavírus] era só uma fantasia. Eles tentam alimentar essa ideia, negando o problema, pra ver se conseguem avançar com a agenda de desmonte”, afirma.
Congresso Nacional
No Legislativo, o desenrolar da crise do coronavírus é acompanhado pela tentativa de interlocutores do governo Bolsonaro em fazer acelerar a agenda neoliberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, contexto em que se insere a nova medida anunciada para os empregadores.
Com uma redução no trânsito de jornalistas e representantes da sociedade civil no Congresso por conta das restrições relacionadas ao avanço da doença, os apoiadores do Planalto correm contra o tempo para aproveitar o cenário de menos holofotes para acelerar pautas do gênero.
Dentro dessa linha, foi aprovada, na última terça (17), a Medida Provisória (MP) 905, conhecida como “Carteira de Trabalho Verde e Amarela”, que amplia a reforma trabalhista.
A partir da próxima semana, os parlamentares deverão votar propostas pela internet, sistema por meio do qual também deve ser apreciada a nova medida do governo.
Diante desse novo cenário, a deputada Sâmia Bomfim entende que a mobilização popular contra a agenda de Guedes e Bolsonaro precisa se intensificar em todas as frentes, de forma que a oposição à pauta de retirada de direitos esteja no centro das preocupações do Congresso.
“A gente tem que se debruçar sobre de que forma mitigar a pandemia e fazer com que os trabalhadores não percam seus empregos e seus salários, e não se utilizar deste momento como chantagem e oportunismo pra avançar essa agenda. Acho que, quanto mais o governo insistir nisso, mais isolado ele vai ficar na sociedade, haja vista a força do panelaço no dia de ontem e o espaço que ele vem perdendo nas redes sociais”, conclui a parlamentar.
Edição: Leandro Melito