Experiência iniciou como uma produção individual e se transformou em um trabalho coletivo
A paisagem típica da região serrana e rural do município de Palmeira dos Índios, em Alagoas, é repleta de jabuticabeiras. Essas frutíferas ganham um roxo característico durante os meses de fevereiro e março, época da colheita das jabuticabas. A tradição local utiliza a fruta para o consumo in natura, além de preparo de chá, licor e geleia. Mas o destaque dos últimos anos é o aumento na produção artesanal do vinho.
A experiência afirma que nem todo vinho é de uva e nem todo o fruto é amassado com os pés. A tradição na Serra das Pias é de vinho de jabuticaba, feito com frutos amassados e compartilhados pelas mãos camponesas. A produção do vinho de jabuticaba que era feita nos lares, desde a década de 1970, passou para produção coletiva nos dias atuais.
A proposta, além de compartilhar a variedade de sabores e nutrientes, serve como fonte de renda para a agricultura familiar. A chave desse aumento está na organização produtiva e comercial é a Coopcam - a Cooperativa Mista de produção e Comercialização Camponesa.
Vera Lúcia de Felix Brito é uma das cooperadas. Ela conta que o sentido de grupo comunitário proporcionou, entre outras coisas, a troca de saberes entre os agricultores.
“O trabalho feito pelo Movimento de Pequenos Agricultores [MPA] para aumentar a produção na questão do vinho e de outros derivados da jabuticaba fez com que a gente começasse a fazer estudos, conhecimentos de outros agricultores, que fazia técnica parecida com a alporquia, para que a gente começasse a plantar novos pés”, destaca.
COOPCAM está localizada na Serra das Pias, em Palmeiras dos Índios (AL) / Foto: Valéria Dantas
A técnica da alporquia citada por Vera Lúcia é a criação de novas raízes em galhos de uma planta já existente. Essa técnica diminui o tempo de espera para a primeira colheita da jabuticabeira, que pode levar entre 12 e 15 anos.
O vinho de jabuticaba vem trazer para os apreciadores um sabor diferenciado. Em virtude do tanino, ele apresenta um travor que é variável, de acordo com o processamento da fruta.
Outro ponto positivo do modelo de produção coletiva destacado por Vera Lúcia é que ele respeita a diversidade produtiva e suas raízes, garantindo a variedade de técnicas e histórias em cada safra.
“Continuamos dando a devida importância aos saberes tradicionais na produção do vinho de jabuticaba. Mesmo saindo de um processo de produção individual para um produção coletiva, a gente só está levando parte da experiência. As famílias vão continuar produzindo do seu jeito, ao seu gosto, com a gente sempre fez”, salienta.
Circuito da Jabuticaba
Apesar de menos popular que o vinho de uva, a bebida de jabuticaba está cada vez mais conquistando espaço pelo país. A experiência alagoana, por exemplo, inaugurou neste ano a primeira edição do “Circuito da Jabuticaba, do campo ao vinho”. O evento foi realizado no dia 11 de março de 2020, na sede da Coopcam, na Serra das Pias.
A proposta do Circuito é incentivar ainda mais o aproveitamento da jabuticaba, com destaque para o vinho. Além disso, favorecer um olhar amplo sobre os temas que envolvem a experiência.
A professora da Universidade Estadual de Alagoas, Adriana Cavalcanti, levou duas turmas de graduandos de Geografia para conhecer a produção no local local.
A docente explica que o sabor do vinho de jabuticaba depende muitas questões, como a quantidade de chuva na época e as técnicas artesanais que são mantidas entre quem produz. Durante o Circuito, foi possível conferir as versões seco e suave, e as recomendações de consumo para acompanhamento de diferentes pratos.
“O vinho de jabuticaba vem trazer para os apreciadores um sabor diferenciado. Em virtude do tanino, ele apresenta um travor que é variável, de acordo com o processamento da fruta. Neste sentido, cada fruto tem sua característica própria, assim como as variedade de uvas que dão cores e sabores aos vinhos, a jabuticaba também apresenta essa variedade”, compara.
Jabuticabeiras na região
A jabuticabeira é uma frutífera exclusivamente brasileira, sendo mais comum em regiões de Mata Atlântica. Ainda não se sabe a origem das espécies presentes na região serrana de Palmeira dos Índios.
A agricultora Vera Lúcia conta que nem mesmo uma pesquisa realizada recentemente entre as pessoas mais velhas da região foi capaz de revelar a história das jabuticabeiras locais. Ela também destaca que a jabuticabeira resistiu ao período de estiagem desta década, que se acentuou entre os anos de 2012 e 2013. A agricultora lembra que no período sem chuvas várias espécies frutíferas não resistiram, o que reforça a importância da espécie para a agricultura camponesa.
“A jabuticaba é uma renda garantida para as famílias porque é uma fruta muito resistente, tanto que vivenciamos uma das maiores secas nesses últimos anos e morreram várias frutíferas na nossa região, mas desconhecemos caso de morte de algum pé de jabuticaba”, ressalta.
Em 2019, a produção de vinhos de jabuticaba feita em Palmeira dos Índios foi de 900 garrafas. Para este ano de 2020, a Coopcam prospecta 2000 garrafas. Ou seja, um aumento de mais de 100 por cento na produção no intervalo de um ano.
Edição: Geisa Marques