CRIME DA VALE

Brumadinho: águas do Rio Paraopeba provocam morte e deformidades em peixes

Pesquisa revela que contato com metais pesados afeta embriões do zebrafish. Espécie tem 70% de semelhança com ser humano

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |

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População se divide em Cachoeira do Choro: enquanto alguns comem o peixe do Rio Paraopeba, outros acreditam que a água está imprópria e contaminada - Pedro Stropasolas

A falta de informação sobre a qualidade da água é uma realidade crônica para ribeirinhos que vivem às margens do Rio Paraopeba, em Minas Gerais. Para eles, a dimensão do crime da Vale, que matou 272 pessoas em Brumadinho, é perversa e silenciosa. 

Desde o rompimento da barragem I da Mina Córrego do Feijão, em 25 de janeiro de 2019, foram realizadas pela Vale 4,5 milhões de análises de água, solo e sedimento em 90 pontos de monitoramento. Mas os resultados, segundo denúncia dos atingidos, não são apresentados às comunidades. 

"Desde o rompimento, começaram a passar aqui o pessoal da Vale. Eles vinham de domingo a domingo. Mas agora desde o período das chuvas, pararam de vir”, revela a comerciante Elionete Feitosa, que viu o cultivo de tilápias e de peixes nativos ser abandonado pelos cerca de 80 produtores da localidade onde vive, no entorno da Usina de Retiro Baixo, já nas margens do Rio São Francisco.

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Em geral a toxicidade do rio, quando divulgada, não é feita pela Vale. Para tratar do tema, a mineradora se apoia em boletins mensais do Instituto Mineiro das Águas (IGAM). As análises do órgão estadual, porém, entram em desacordo com amostras de pesquisas autônomas, sem vínculo com a mineradora.

É o caso de um estado elaborado por 15 cientistas do Instituto Butantã e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que revela um ponto de vista mais alarmante sobre a contaminação do rio.

A pesquisa comprova que embriões de peixes “paulistinha” morrem ou têm anomalias quando colocados em contato com as águas do Paraopeba. Considerando a genética, os “zebrafish”, como são conhecidos, tem 70% de semelhança com a espécie humana.

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“Um animal sem boca e com edema cardíaco, é óbvio que ele vai morrer. As águas que a gente coletou em diferentes pontos do Rio Paraopeba chegando ali no São Francisco, são águas que tem elementos tóxicos capazes de causar mortalidade ou anomalias nesses animais, que são tão parecidos com a gente”, explica Mônica Lopes Ferreira, bióloga do Instituto Butantã e uma das coordenadoras do trabalho.

Na UFRJ, a equipe liderada pelo pesquisador Fabiano Thompson ficou responsável por verificar o conteúdo e a dosagem dos poluentes e micro-organismos presentes nas águas.

Já em São Paulo, Ferreira ficou a frente de identificar os níveis de toxicidade, utilizando como modelo experimental o zebrafish (Danio rerio), também conhecido como peixe-zebra ou paulistinha em razão de suas listras. O peixe de água doce que mede por volta de cinco centímetros quando adulto, é utilizado como modelo complementar de experimentação em laboratórios, em substituição ao uso de roedores. 

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Os resultados, segundo ela,  revelaram que a condição de vida do Rio Paraopeba vem se deteriorando, mesmo um ano após o crime. 

“Eu fui diluindo essa água, diluindo muito, e ela ainda causava toxicidade. O que o resultado me mostrou é que o rio não foi socorrido, pelo contrário, ele foi ignorado, e ele é parte fundamental daquela comunidade e daquele ecossistema”, afirma a pesquisadora.

Metais pesados chegaram ao Velho Chico, mas Vale nega

Em trechos coletados no entorno da usina de Retiro Baixo, a poucos quilômetros da Represa Três Marias, onde já estão as águas do Velho Chico, a mortalidade dos peixes chegou a 85% na amostra.

É onde está a Cachoeira do Choro, que pertence ao município de Curvelo, a 195 km de Brumadinho.  Eliana barros, pescadora que cresceu no vilarejo, hoje esvaziado por conta do fim do turismo local conta que, por conta da desinformação, a  população se divide entre comer ou não o que vem da pesca.

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“Tem muitas pessoas que não acreditam na contaminação, porque como a Vale não coloca uma placa, nem faz nada, tem pessoas que não acreditam que o rio está contaminado. Existem funcionários da vale que moram dentro de Cachoeira do Choro que pegam o barco e vão lá no meio do rio pescar para mostrar à população que aqui dentro pode consumir o peixe”, revela. 

Além do estudo que comprova a mortandade de peixes na Cachoeira do Choro, outro levantamento alerta para o risco que as 700 famílias estão correndo consumindo a água no local.

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Em janeiro, um relatório da Fundação SOS Mata Atlântica revelou que altas concentrações de metais pesados vazados da barragem, como ferro, cobre, cromo, manganês e sulfeto, foram encontradas em todos os 21 pontos de coleta, em  trechos do Paraopeba a 365 km do local do rompimento. 

Segundo a Fundação, o sulfeto está presente em concentrações 211 vezes superiores ao limite máximo estabelecido na Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) 357/2005 e é uma confirmação de que o rejeito não está restrito à Usina de Retiro Baixo, e portanto, já chegou ao Rio São Francisco - o que a Vale e o Igam negam em suas análises. 

“Eu não consigo entender que a própria Vale possa testar ou não se este rio está bom. Eu acho que o que deveria acontecer é que diferentes instituições, de maneira independente, pudessem avaliar essas águas e esses dados pudessem ser apresentados com total transparência às comunidades”, afirma a pesquisadora do instituto Butantã.


Buscas por corpos ainda não encontrados foram suspensas pela primeira vez desde o dia do crime. Brumadinho tem 46 pessoas casos suspeitos da COVID-19 / Pedro Stropasolas

Coronavírus interrompe buscas em Brumadinho

Após 421 dias de trabalho, as buscas pelos 11 corpos ainda soterrados na lama tóxica da Vale, foram suspensas por tempo indeterminado por conta do novo coronavírus.

A suspensão foi oficializada pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) como uma “medida de prevenção, enfrentamento e contingenciamento da epidemia”, a partir das recomendações do Ministério da Saúde.

A maior operação de buscas do Brasil seguia sem interrupção desde o dia do crime. Cerca de 700 pessoas trabalhavam no local, entre bombeiros, funcionários da Vale e terceirizados, de acordo com o Corpo de Bombeiros.

Em todo o território nacional, a doença já se transmite de forma comunitária - quando não é possível rastrear a origem da infecção.

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Andresa Rodrigues, da Comissão de Famílias dos não Encontrados, avalia que a interrupção das buscas foi necessária pela gravidade da situação.

“Se a orientação é de não haver aglomeração,  com dor no coração, entendemos a paralisação. Tão logo passe,  as buscas serão retomadas. Essa é nossa principal bandeira”, esclarece a vereadora do município de Mário Campos - a 20 km de Brumadinho - , que perdeu um filho na tragédia.

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Em sua página, a Vale também anunciou algumas medidas para conter a propagação do vírus: o fechamento de Postos de Atendimento (PAs), escritórios de indenização individual aos atingidos e de postos de registro de indenização emergencial (PRIs), além do transporte que liga a comunidade do Córrego do Feijão ao centro de Brumadinho.

O Brasil de Fato pediu à Vale um posicionamento sobre os assuntos expostos nesta reportagem, mas não obteve resposta.



 

Edição: Leandro Melito