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Festa da Lavadeira guarda histórias de diversidade e resistência em Pernambuco

Celebração possui vertentes religiosa e de valorização da cultura popular

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Festa que começou como uma reunião de vizinhos alcançou o público de 100 mil pessoas em uma edição - Foto: Roberta Guimarães
Celebração possui vertentes religiosa e de valorização da cultura popular

Voltando algumas décadas, ao chegar no município de Cabo de Santo Agostinho, no litoral sul de Pernambuco a 30 km de Recife, e ir à praia do Paiva, o cenário era uma vastidão de coqueiros, mar azul e algumas residências dispersas e populares. Em uma dessas casas,  foi guardada uma escultura de uma mulher em tamanho real, retratando uma lavadeira. 

A peça é sagrada e desde que foi mostrada ao público recebe presentes e oferendas da população nativa. A obra está na residência que morava o produtor cultural Eduardo Melo, que pela espiritualidade, se juntou às manifestações que aconteciam no Paiva. Ao juntar a religiosidade do candomblé e a valorização popular, floresceu a Festa da Lavadeira, que era realizada todo primeiro de maio, desde 1987.

A festa iniciou como algo entre os vizinhos, mas ela aumentava de tamanho ano a ano. O crescimento foi tão acentuado que a partir de 1994, a celebração passou a ser pública. Bastava chegar à praia do Paiva no dia 1º de maio para fazer parte da diversidade de cores, ritmos e histórias em um mesmo local. 


Em 2000, a Festa contou com três palcos. / Foto: Beto Figueiroa

Tradicionalmente, a programação contemplava grupos de todas as regiões do Estado de Pernambuco, além de algumas atrações de outros estados nordestinos. O resultado era uma riqueza de manifestações com duração média de 12 horas, assim como cantou Aécio dos Oito Baixos na edição de 2010: 

“Dia primeiro de maio, Dia do Trabalhador 
Vamos à praia do Paiva ver coco e ser cantador
Curtir a nossa cultura com todo o seu esplendor 

Ciranda, maracatu, bumba meu boi e pastoril
A Festa da Lavadeira é folclore do Brasil 
É canto de rara beleza que você ainda não viu”  

 

Diversidade

Não é tarefa fácil listar todas as manifestações que já fizeram parte da programação nessas mais três décadas de história. De acordo com a organização, o número de mil apresentações foi superado há alguns anos. Para citar alguns exemplos, para além dos cantados por Aécio, era comum apresentações de afoxé, bacamarteiros, boi, caboclinho, cavalo marinho, frevo, samba, pretinhas do congo,  toré, rabeca, pife, xaxado e urso e como afirma idealizador da festa, Eduardo Melo.  

“Essa diversidade é quase que natural pelo próprio povo, pela sua história e pelas particularidades da região. E também pela participação da comunidade na solidariedade, no sentimento de união, que muitas vezes fazia surgir uma manifestação cultural”, conta Eduardo Melo. 

A festa é Patrimônio Imaterial e Cultural do Estado de Pernambuco. No ano 2000, a organização passou a contar com recursos da lei de incentivo a cultura do Estado de Pernambuco. 


Bandeira da Lavadeira acompanha Brasil e Pernambuco. / Foto: Marcelo Lyra

 

Resistência da Festa

Ao mesmo tempo, Eduardo Melo ressalta que a Festa da Lavadeira manteve os princípios espirituais e de valorização da cultura popular até hoje. Mas a proposta de preservação durante essas mais de três décadas precisou se esquivar de interesses políticos e financeiros de outras pessoas, de acordo com Eduardo, que também reclama a falta de apoio do setor público. 

“Durante todo esse tempo existiram várias propostas, seduções, arrodeios. Mas essas tentações de poder, mídia e sucesso nunca foram maior que o propósito da própria Festa. Isso ficou meio incompreendido, principalmente entre as pessoas que vêm o evento como um projeto de negócio e também a classe política”, pontua. 

 


Banho de lama é uma das atrações da Festa da lavadeira / Foto: Glauco Spinola

Questão territorial e política 

Com o crescimento da festa, a média de público foi aumentando até chegar a marca de 100 mil pessoas. Aquela descrição com casas dispersas e populares da década de 1980 foi substituída pela especulação imobiliária. O caráter público no local da festa foi alterado pela presença de empreendimentos de luxo e controle de fluxo no local. A farmacêutica Raquel Rocha lembra, especificamente, da oitava vez que ela participou da celebração junto com outras amigas.  

“A gente foi para Festa da Lavadeira em 2009 como um movimento de resistência. Eu lembro que tinha alguns trios elétricos, mas não foi a mesma coisa como nos outros anos, porque a festa já estava para ser transferida para outro lugar. Fomos por resistência mesmo, fizemos questão de ir porque cultura popular é militância mesmo”, lembra.  

Alguns episódios que marcaram essa época foi a criação de lei municipal proibindo a realização da Festa da Lavadeira. A comemoração chegou a ser realizada no Marco Zero do Recife, mas depois também foi proibida na capital pernambucano. Até mesmo a cidade goiana de São Jorge chegou a celebrar uma edição da Lavadeira, em 2015. Um ano depois, as bonecas gigantes das Lavadeiras acompanharam a caminhada organizada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) Pernambuco no chuvoso domingo do 1º de maio de 2016.

A organização confirma que a Festa da Lavadeira no Paiva está encerrada. 

Edição: Lucas Weber