Em meio a pandemia do coronavírus, o país se prepara para o aumento do número de infectados, que, de acordo previsões de especialistas, deve acontecer nas próximas semanas. Como uma das medidas do governo de Minas Gerais, o Hospital Galba Velloso (HGV) – integrado à Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) – está fechando suas portas aos pacientes de saúde mental. No local, serão abertos leitos de terapia intensiva e de enfermaria para auxiliar no atendimento à população, tanto em caso da covid-19 quanto de outras doenças.
Desde a semana passada, os pacientes internados estão sendo transferidos para o Instituto Raul Soares (IRS), também especializado no cuidado a pacientes de saúde mental. A medida, no entanto, desagradou alguns trabalhadores do Galba Velloso.
::Leia mais: Movimentos sociais lançam plano de 60 propostas contra a covid-19 e a crise econômica::
“Nós da enfermagem nos recusamos a fazer o transporte dos pacientes em vans de turismo. Os médicos se recusaram também, mas, mesmo assim, os pacientes lotaram uma van. Estão acontecendo diversas irregularidades para acelerar o fechamento da unidade, eles estão atropelando os direitos dos pacientes, é o que mais tem causado revolta”, afirma uma enfermeira que preferiu não se identificar por segurança.
Na último dia 25 de março, os pacientes foram transferidos para o IRS em uma van de turismo. Após críticas dos profissionais, passaram a ser transportados individualmente em um veículo sanitário. Até aquela data tinham sifo transferidos cerca de 30 pacientes e, na última segunda (30), ainda estavam no hospital 17 pessoas.
A preocupação da enfermeira, que tem experiência de dez anos de trabalho com psiquiatria, é com a piora do quadro comportamental dos pacientes. “Uma coisa importante na saúde mental é o vínculo que a gente passa a ter durante a internação. Essa quebra do vínculo é uma espécie de violência com o paciente, porque tira a referência dele, o que pode desencadear novas crises”, alerta.
::Leia mais: Estudo constata covid-19 em fezes de pacientes até 11 dias após fim de sintomas::
A Fhemig, em nota, afirmou que os “profissionais do Galba Velloso acompanharão seus pacientes para o IRS, garantindo, assim, a manutenção da rotina e do tratamento em andamento”. No entanto, a enfermeira alega que, até agora, nenhum comunicado oficial foi realizado aos funcionários do HGV.
Superlotação
Outra preocupação da enfermeira entrevistada é que a transferência dos pacientes do Galba Velloso pode causar a superlotação do Instituto Raul Soares, o que, neste contexto de pandemia, vai contra os direcionamentos da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde.
Em reunião realizada por teleconferência com representantes da Fhemig, no dia 26, servidores do Galba Veloso questionaram a desativação do hospital e a falta de planejamento técnico. Os trabalhadores exigiram a criação de comissões nos hospitais para avaliar as condições dos pacientes transferidos, além de uma reforma do espaço físico e ampliação do número de leitos psiquiátricos para atender a demanda do estado.
::Leia mais: Panelaço convocado para esta terça tem como tema "O Brasil precisa parar Bolsonaro"::
Em nota, a Associação Sindical dos Trabalhadores em Hospitais de Minas Gerais (Asthemg) alerta que o “fechamento de leitos em hospital psiquiátrico em um momento de crise e pandemia vai contra qualquer estudo ou recomendação, uma vez que nesses momentos de crises existe uma alta demanda pelos hospitais psiquiátricos”.
Sobre a situação do Raul Soares, a reportagem procurou o diretor do instituto, mas ele não foi autorizado a dar entrevista. A Fhemig, no entanto, afirma que as transferências foram realizadas por identificar uma baixa ocupação dos leitos psiquiátricos. Além disso, afirma que o IRS atua na mesma linha de cuidado e que não haverá ruptura ou qualquer mudança na assistência.
Luta antimanicomial
A proposta de fechamento do Hospital Galba Velloso é anterior à crise do coronavírus. Na verdade, os rumos das políticas de saúde mental em Belo Horizonte, e também no estado, seguem o que estabelece Política Nacional de Saúde Mental (Lei 10.216, de 2001) que extingue o modelo de internação compulsória e os manicômios.
A legislação prevê a substituição dos hospitais por outros tipos de serviços, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), os Centros de Referência em Saúde Mental (Cersam), os leitos de saúde mental em enfermarias de hospitais gerais, equipes de consultórios de rua, unidades básicas de saúde, centros de convivência e residências terapêuticas.
A luta manicomial no Brasil completou 30 anos em 2019 sob ameaças de mudanças propostas pelo governo de Jair Bolsonaro que retrocedem no atendimento a pessoas com transtornos mentais como depressão, ansiedade, esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo, incluindo dependência de substâncias psicoativas.
“A política de saúde mental instituída é a substituição progressiva e responsável dos hospitais psiquiátricos por serviços territoriais inseridos na comunidade, dentro do SUS. Belo Horizonte tem uma rede de saúde mental muito potente e as urgências, muitas delas, têm sido absorvidas pelos Cersams. Muitos municípios do estado também possuem Caps. Ou seja, a tendência é a diminuição da demanda que chega para os hospitais psiquiátricos”, explica Lourdes Machado, do Conselho Estadual de Saúde e presidenta do Conselho Regional de Psicologia.
Ainda, segundo Lourdes, a substituição dos hospitais por esses outros dispositivos estaria acontecendo mesmo se não houvesse a crise provocada pelo coronavírus. A pandemia, no entanto, acelerou o processo.
“A gente vive algo sem precedentes, em que o estado vai transformar o Expominas em hospital. Em São Paulo, estão transformando estádios de futebol para atender casos de emergência. Entendo que todos os locais da área hospitalar, neste momento, têm como prioridade o tratamento ao covid-19. Esses leitos podem garantir a vida das pessoas", argumenta.
De acordo com a Fhemig, está sendo realizado, em sintonia com o Comitê Estadual de Enfrentamento ao covid-19 um remanejamento entre as unidades da rede que resultará em 200 novos leitos. Em nota, a fundação explica que o Hospital Eduardo de Menezes se transformou em unidade exclusiva para o atendimento ao covid-19, com retaguarda no Hospital Júlia Kubitschek.
Hospitais psiquiátricos
Inaugurado em 1961, o Hospital Galba Velloso (HGV) realiza o acolhimento e o tratamento de pacientes em crise até sua estabilização psíquica. Atua em conjunto com a Rede de Atenção à Saúde Mental do município, da Região Metropolitana e das demais cidades do Estado de Minas Gerais.
O Instituto Raul Soares (IRS) foi inaugurado em 1922. Ao longo dos anos, além do atendimento à população, passou a executar atividades de ensino e pesquisa na assistência aos portadores de sofrimento mental, em regime de urgência e emergência, ambulatorial e de internação de curta permanência.
Ambos fazem parte da rede da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) e têm assistência alinhada aos princípios do Sistema Único de Saúde e às diretrizes da Política Nacional de Humanização.
Quer receber notícias do Brasil de Fato MG no seu Whatsapp? Clique aqui!
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Vivian Fernandes e Elis Almeida