Há quatro anos trabalhando como motorista da Uber, Everton Oliveira viu seu rendimento cair nas últimas semanas em função da quarentena na pandemia do coronavírus. Sem nenhum direito trabalhista assegurado, ele precisou entregar o veículo que alugava quando percebeu que os ganhos na semana sequer seriam suficientes para pagar metade da diária do carro.
Morador do bairro Miguel Couto, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, Everton vinha conseguindo fazer alguns “bicos” por fora, já que é técnico em telefonia e TV a cabo, mas estes trabalhos também minguaram. Com cinco filhos para criar, Everton viu-se desassistido até saber de iniciativas de coletivos e associações da Baixada Fluminense.
“Um amigo, que era meu passageiro, ficou sabendo da minha situação, me falou que tinha um grupo distribuindo cestas básicas aqui na região e me colocou em contato com eles. Vai me ajudar, porque minha esposa, que tem trabalho informal como atendente de uma loja, ficou sem salário depois que o comércio fechou”, contou o motorista, que recebeu a cesta do MLB (Movimento de Luta nos Bairros).
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O MLB, assim como muitas outras organizações, coletivos, iniciativas, pessoas e movimentos, estão trabalhando em associação com o Fórum Grita Baixada, que está mapeando as diversas ações populares de ajuda a moradores da região. Pesquisa recente do Instituto Data Favela mostra que 7 em cada 10 famílias de comunidades no Brasil já tiveram a renda reduzida depois da pandemia da Covid-19.
Solidariedade
Membro do Fórum, Fabio Leon disse que vem recebendo muitos pedidos nos últimos dias. Segundo ele, a alta demanda de moradores passando por dificuldades financeiras teve como consequência positiva a solidariedade e a criação nas duas últimas semanas de grupos em que outros moradores e colaboradores externos realizam campanhas para arrecadar alimentos e recursos e fazer a distribuição.
“Como sempre acontece, temos a ausência do Estado, que só entra na periferia com as forças de segurança. Mas muitas organizações da Baixada estão se organizando em mutirões completamente independentes. Essa situação de calamidade financeira afetou muito gente, porque a maioria é de pequenos comerciantes e microempreendedores locais que atendem na própria comunidade”, relata Leon.
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Conscientização
No Morro do Chapadão, Acari e Para Pedro, na Zona Norte do Rio, foi a cultura que ajudou os moradores a se conscientizarem sobre medidas contra o coronavírus. Preta, como Diene Carvalho é conhecida na região, já coordenava rodas culturais. Preta está à frente do projeto Maktub, voltado para pessoas que desenvolveram doenças e transtornos psicológicos provenientes de situações diárias, como ela explicou.
“Dentro dessas comunidades, o contato é direto com jovens e com as famílias deles. Por meio da produção cultural a gente fomenta a cultura local com rodas culturais. É a partir desse contato prévio que agora a gente consegue fazer as ações de conscientização para todos seguirem as recomendações das autoridades de saúde e da OMS (Organização Mundial de Saúde)”, diz ela.
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Nem tudo é muito fácil, ela admite. “Às vezes, desanima”. Assim como Leon, na Baixada, Preta recebe muitas mensagens e pedidos de ajuda no telefone. Enquanto conversava com o Brasil de Fato, ela buscava meios para atender uma família de oito pessoas cuja renda este mês não chegou a um salário-mínimo. A distância maior do Centro e da Zona Sul carioca dá menos visibilidade aos problemas e é um fator que dificulta.
“Hoje, nosso maior desafio é conseguir alimentos e kits de higiene. Temos famílias que vivem na extrema pobreza, nem água em casa elas tem. Como essas comunidades não são tão faladas, essa dificuldade se torna ainda maior. Temos projetos parceiros com o Mulheres de Peito e Cor e com o Pretas Ruas, estamos fazendo o que está ao nosso alcance”, afirma a coordenadora do Maktub, que também faz videochamadas com moradores para alertar sobre a covid-19.
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Na internet
Ferramenta bastante utilizada nas comunidades, as redes sociais se tornaram ainda mais estratégicas em tempos de isolamento social. No Facebook, a página “Favelas contra o coronavírus” reúne diversos coletivos. Além de mostrar que a Covid-19 “não é só uma gripezinha”, a página faz retrospectivas sobre medidas de governantes. “Já tinha parasita retirando investimento do SUS”, diz uma postagem sobre o desmonte das clínicas da família pelo prefeito Marcelo Crivella (PRB).
A página vem ganhando adesão, com informações apresentadas de forma didática e vídeos irreverentes que encenam situações do cotidiano. “Não é hora de roer unha, segura um tempo, é até bom que a unha cresce”, recomenda uma atriz interpretando uma moradora que conversa com a amiga. “A página ajuda na coordenação dos trabalhos e leva informação para os moradores de forma popular”, diz Jacqueline Fernandes, do Coletivo Hordas.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Vivian Virissimo