Em meio à suspensão das atividades escolares provocada pela pandemia do novo coronavírus no Brasil, secretarias estaduais e municipais de ensino e até mesmo organismos internacionais ligados à área têm seguido orientações de dois documentos sobre como mitigar os efeitos da covid-19 no campo da educação.
O documento foi lançado em março pela coordenação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pela plataforma Cada Criança.
Segundo Daniel Cara, coordenador da campanha, cada guia tem um público-alvo diferente.
Direcionado a escolas, famílias e agentes locais, o primeiro documento indica como a educação deve ser realizada durante o isolamento social para que haja a manutenção do processo de desenvolvimento cognitivo.
Já o segundo guia indica especificamente aos gestores públicos como preservar o direito à educação neste momento de pandemia. Segundo Cara, a ideia é que, no fim, os dois guias se complementem.
Os documentos vêm sendo utilizados por organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), além de ter chegado a todas as secretarias estaduais e municipais de educação do País.
À comunidade escolar
Entre outros pontos abordados no primeiro guia, os especialistas explicam à comunidade escolar a importância e os motivos que levaram ao fechamento das escolas, com a contextualização da pandemia no Brasil e no mundo. O documento também mostra formas de pressionar as autoridades públicas por mais investimentos na área.
Outro tópico do primeiro guia é a educação à distância. Segundo Cara, “a educação só se realiza na relação entre professor e aluno, especialmente na educação básica. As ferramentas de educação à distância podem ser utilizadas, mas não podem ser consideradas ferramentas que descontam dias letivos, porque a educação à distância reforça desigualdades brasileiras”, afirma.
No Brasil, há uma parcela significativa da população que não tem acesso a instrumentos tecnológicos para dar conta de uma educação remota, como uma rede de internet ou computadores. A educação à distância, então, já se apresenta como um obstáculo à continuidade para o processo de aprendizagem.
De acordo com um estudo realizado em 2018 pelo Centro Regional de Estudos para Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), 58% dos domicílios brasileiros não tinham acesso a computador e 33% não dispunham de internet.
“Então essa não é uma alternativa em termos de continuidade e progresso do ano letivo. Mas é uma alternativa de uma manutenção entre o sistema de ensino das escolas e os estudantes. Essa é a principal questão que é trabalhada no guia das escolas para as escolas e comunidades escolares”.
Aos tomadores de decisão
Destinado ao poder público, o segundo guia apresenta como uma das medidas a adaptação do calendário escolar às especificadas de cada região do país, com base na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
O documento ainda ressalta a necessidade da tomada de decisões em conjunto com a comunidade escolar, assim como a importância da distribuição de kits de alimentação, visto que existem estudantes que têm a merenda escolar como a única ou mais importante refeição do dia.
Em um âmbito mais geral, também propõe a revogação da Emenda Constitucional 95, de 2016, conhecida como Teto de Gastos. “Com a EC 95, não se pode garantir saúde e educação, pois há três anos existe a redução de financiamento nessas áreas, fragilizando a capacidade do Estado em dar respostas adequadas a emergências como a do coronavírus”, afirmam no documento.
“O segundo guia vai mostrar para os gestores públicos que é preciso compreender que o Direito à Educação tem que ser garantido para todos”, afirma Daniel Cara.
Saldo para a Educação
O coordenador da campanha explica que a pandemia está revelando três elementos fundamentais como saldos. O primeiro, para ele, é que a sociedade está se dando conta da importância dos professores para a realização do direito à Educação. O segundo saldo, no entanto, é negativo: demonstra que a educação é apresentada de forma desigual aos cidadãos brasileiros.
“O segundo saldo, e esse é negativo, é que se demonstra claramente como a educação é desigual no Brasil. Praticamente todas as escolas privadas especialmente aquelas de alto padrão estão investindo fortemente em estratégias de educação à distância, mas afasta ainda mais essas escolas das escolas públicas”, afirma Cara.
O terceiro saldo é classificado por ele como “de reflexão”. “A gente precisa compreender a importância da educação para o enfrentamento e a reconstrução do mundo pós-pandemia. O mundo não vai voltar a ser o que era antes”, considera.
Edição: Vivian Fernandes