Hong Kong e Macau são, respetivamente, desde 1997 e 1999, duas Regiões Administrativas Especiais (RAE) da República Popular da China (RPC).
Em 1997, Hong Kong tornou-se uma Região Administrativa Especial (RAEHK), deixando de estar sob a alçada britânica e passando para a jurisdição chinesa, no seguimento de um acordo estabelecido com os britânicos que estabelece as regulamentações do novo território, assim como os direitos e deveres dos seus residentes, numa Lei Básica.
Seria, igualmente, este processo que serviria de exemplo para o acordo que a República Popular da China e Portugal estabeleceriam, e que permitiria a criação, em 1999, da Região Administrativa Especial de Macau (Raem).
Quando, em 1º de julho de 1997, Hong Kong volta à jurisdição chinesa, numa cerimônia com a presença de numerosos dignitários chineses e britânicos, o chefe do Executivo do novo governo de Hong Kong, Tung Chee Hwa, formulou publicamente uma política que passaria a se basear no conceito de um país, dois sistemas, preservando, assim, o papel de Hong Kong como principal centro capitalista da Ásia.
Em 1999, esta formulação seria estendida à então nascente Raem, consolidando a convivência de dois modos de produção distintos, no interior da RPC: na China Interior, o socialismo com características chinesas; em Macau e Hong Kong, o capitalismo.
Em Hong Kong, uma vez feita a transferência de soberania, os britânicos deixariam neste território chinês organizações e mecanismos que lhes permitiriam manter e estender o apoio e suporte ideológico-financeiro a uma guerra estratégica que, hoje, se trava contra a RPC. Esta será, contudo, matéria para um segundo artigo.
De forma a procedermos uma análise da conjuntura hongkonguense atual, procurando compreender a importância que Hong Kong assume no quadro geral de um processo de desestabilização da China, levado a cabo pela antiga colônia britânica e pelos Estados Unidos, recuaremos à formação histórica de Macau e de Hong Kong como colônias para, finalmente, compreendermos a atual conjuntura na região.
Tendo em conta a extensão deste trabalho, vamos dividi-lo em duas partes: a primeira será dedicada a Macau; a segunda será dedicada a Hong Kong.
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Macau: a ocupação paulatina de um território pelo Império português
É no início do século 16 que os portugueses penetram nos mares da China, com o objetivo de estabelecer feitorias na costa chinesa, na sequência da avidez de novos mercados que beneficiassem a então classe burguesa em ascensão.
Porém, pouco tempo depois das primeiras incursões portuguesas na Ásia, a China publica um édito, em 1522, no qual interdita todo o comércio com estrangeiros. Este fato interromperia a maioria das viagens portuguesas à China, até a década de 1540, quando os portugueses, desrespeitando aquela proibição legal, gradualmente intensificariam suas atividades comerciais no país, nomeadamente a Norte de Cantão, aprofundando e participando num comércio clandestino, em concomitância, como alerta Wu Zhiliang, com atividades de pirataria. Em 1548, contudo, as autoridades de Fujian destroem as bases de comércio instaladas pelos portugueses na região, que assim se veem obrigados a recuar até à baía do Rio das Pérolas, ao sul, na província de Cantão.
Esse momento de tentativa de expansão econômica e geográfica por parte do então Império Português na Ásia fazia-se num momento da história da China bastante conturbado.
Com efeito, vários conflitos internos assolavam a China – revolta da seita Lótus Branco, em Shandong (província leste chinesa); conflitos com os mongóis, no noroeste do país; guerra contra os espanhóis, nas Filipinas; guerra contra o Japão e contra a Coreia; cerco de Beijing, pelas tropas mongóis lideradas por Altan Kahn, em 1550 –, o que fazia com que o Império Ming (1368-1644) demonstrasse dificuldades em dar resposta aos problemas comerciais que a tentativa de penetração portuguesa colocava no sudeste do país.
Segundo Wu Zhiling, os portugueses teriam, então, beneficiado da situação social chinesa instável para se instalar em Macau, um território, à época, frequentado por piratas e pescadores.
Fontes chinesas relatam que teria sido em 1553 que os portugueses teriam obtido, graças ao pagamento de um suborno, autorização das autoridades cantonesas para secar, nas praias macaenses, artigos que teriam ficado molhados no decorrer de uma tempestade. Teriam, então, construído pequenas cabanas em madeira que, gradualmente, foram dando lugar a construções definitivas. Depois do pagamento daquele suborno que lhes permitira alongar a sua estadia nas praias macaenses, os portugueses passariam a utilizar Macau como escala nas viagens para Cantão.
Em 1554, Portugal obteria de Cantão uma autorização para instalar uma feitoria permanente, em troca de impostos sobre o comércio e sobre a terra. Porém, segundo Wu Zhiliang, a instalação dos portugueses em Macau não pode ser justificada, apenas, por um suborno, decorrendo, igualmente, de outros dois elementos sociohistóricos: por um lado, o comércio de âmbar cinzento; por outro, a pirataria na região.
Com efeito, os portugueses dominavam, nesta primeira metade do século 16, o comércio entre o Leste e o Oeste (inclusivamente no Mar da China Oriental e no Oceano Índico), pelo que eram os melhores colocados para a aquisição de âmbar cinzento, uma resina fóssil que, no século 16, era muito procurada pela Corte Imperial Ming. Por outro lado, ao permitir que os portugueses se instalassem em Macau, as autoridades cantonenses esperavam que estes cortassem o vínculo com os piratas japoneses, e que, assim, adotassem uma posição neutra ou favorável à China. As autoridades cantonenses esperavam, portanto, que os portugueses servissem de barreira aos ataques dos barcos piratas, sobretudo vindos do Japão.
Em 1572 ou 1573 (as datas variam, conforme as fontes), a comunidade portuguesa em Macau passou a pagar um foro às autoridades chinesas, assim declarando a sua vassalagem perante a Corte chinesa e estabelecendo, em paralelo, uma relação contratual entre a China e Portugal.
Dez anos mais tarde, em 1583, seria instituído o Senado, um local de encontro das autoridades portuguesas e das autoridades chinesas, que tinha como objetivo a discussão e o tratamento dos assuntos administrativos da cidade. O Senado subordinava-se tanto às autoridades do distante reino português, como às autoridades chinesas, desde logo revelando-se uma forma de administração que, ainda que de raiz portuguesa, dependia das autoridades chinesas. Os assuntos relacionados com as áreas financeira, econômica, alfandegária e urbanística estavam sob a alçada do oficial da Administração Civil — o Procurador — que assumia o papel de ligação entre o Senado e o governo chinês.
Em 1623, o vice-rei da Índia nomeia um comandante militar de Macau (capitão-geral ou governador), cujo estatuto, sendo superior ao do Senado, inauguraria uma luta interna entre poderes, no seio da administração portuguesa, que envolveria, não apenas o governador e o Senado, mas também outra figura tutelar da administração macaense: o ouvidor.
A cidade de Macau, entretanto, crescia e o seu porto constituía um local privilegiado para o comércio entre a Europa e a Ásia.
O crescimento da comunidade chinesa, em Macau, fez com que, em 1736, a China colocasse uma autoridade chinesa na cidade (o Mandarim), uma situação que confirma, já no século 18, o prolongamento de uma forma de administração mista que, desde o nascimento de Macau, havia sido uma característica no exercício do poder local.
Entretanto, no final do século 18, o poder do Senado é reduzido a favor do governador, único representante do poder central português, que, assim, fazia a intermediação entre o reino luso e o território chinês.
::Último imperador da China abdica do poder::
Da vassalagem portuguesa à China ao estabelecimento de Macau como colônia
Será em 1822, sob o impulso liberal, que as Cortes de Portugal, na primeira Constituição, declaram Macau uma colônia portuguesa. Os poderes do governador são, desde então, definitivamente reforçados. Em 1844, o governo de Portugal deixa de considerar Macau parte do Estado da Índia, passando a cidade a formar, juntamente com Timor e Solor, uma única província ultramarina. O governador de Macau passou, então, a ter o título de governador de Macau e Timor.
Após a Primeira Guerra do Ópio (1839 – 1942), quando a China se vê obrigada a abrir cinco portos (Shanghai, Cantão, Ningbo, Fuzhou e Xiamen) ao comércio com o exterior, Macau perde a sua posição favorável de único porto sob administração estrangeira que pode comercializar com a China. É, então, que Ferreira do Amaral, governador de Macau desde 1846, aproveitando a fragilidade da China, devastada pela Guerra do Ópio, leva a cabo a implementação de um efetivo plano de colonização.
Ferreira do Amaral – que seria assassinado um ano depois – assume o poder de administração sobre os cidadãos chineses de Macau e, em 1849, encerra a alfândega estabelecida pela China. Entretanto, o Mandarim destacado para administrar os assuntos relacionados com os comerciantes chineses retira-se, num momento em que os portugueses, habitantes de Macau, deixam de pagar foro à China: Portugal pretendia, deste modo, afirmar Macau como colônia. Este estatuto colonial não seria, no entanto, reconhecido pelo governo chinês e o avanço das pretensões colonialistas portuguesas sofreriam um revés.
Também a economia macaense iria sofrer as consequências advindas do fim da Guerra do Ópio, uma vez que a abertura dos cinco portos chineses ao comércio exterior fez com que Macau deixasse de ter importância no plano econômico e estratégico sino-europeu. Macau perde, então, um número elevado de habitantes e muitos macaenses preferem instalar-se em Cantão ou em Hong Kong.
Portugal percebe que teria todo o interesse em reatar as boas relações com a China, pois só assim poderia reanimar a economia macaense e garantir a sua presença em território chinês. Este fato vai coincidir com as pretensões chinesas, uma vez que, após o conflito franco-chinês de 1884, circulava o boato de que a França pretendia comprar Macau aos portugueses, visando fazer deste território uma base para uma eventual invasão do sul da China.
Depois de longas e difíceis negociações, mediadas pelo diplomata britânico Robert Hart, é assinado, em 1887, o Protocolo de Lisboa, o qual assegurava o exercício da soberania portuguesa em Macau; um ano depois, é assinado o Tratado Sino-Português de Amizade e de Comércio, o qual estabelece que os portugueses podem "viver na cidade de Macau e administrá-la, por tempo ilimitado". A China reconhece, em suma, Macau como colônia portuguesa, enquanto os portugueses se comprometem a nunca alienar Macau sem o acordo prévio da China.
Desde então, e até o fim de 1999, o Poder Executivo, nas áreas militar e civil, ficou nas mãos do governador de Macau, escolhido na metrópole portuguesa e enviado, desde a velha Europa colonial, para Macau.
Em 1930, é legislado, em Portugal, o Ato Colonial, o qual consagra legislativamente as relações que a metrópole portuguesa estabelece com as colônias. Este Ato Colonial foi considerado matéria constitucional pelo artigo 133° da Constituição de 1933, a qual consolidaria constitucionalmente o fascismo português. Este Ato seria reproduzido na Carta Orgânica do Império Colonial Português, de 15 de novembro de 1933. "No seu artigo 3°, ponto 1, afirma-se que "Os domínios ultramarinos de Portugal denominam-se colônias e constituem o Império Colonial Português"; enquanto o seu artigo 5° estipula que "O Império Colonial Português é solidário nas suas partes componentes com a metrópole", num ato legislativo que procurava intensificar o controle da metrópole portuguesa sobre as suas colônias.
A Constituição de 1933 – que estabelecia os parâmetros de ação legais da opressão fascista e na qual se incluía este Ato Colonial – considerava a existência de oito colônias, repartidas por três continentes (África, Ásia e Oceania), sendo que na Ásia se situavam o "Estado da Índia, Macau e respectivas dependências" (Constituição de 11 de Abril de 1933, art. 1°).
A Carta Orgânica, por seu lado, aplicava as normas associativas e as leis normativas das associações portuguesas às colônias, referindo que as leis portuguesas extensíveis a Macau e ao Estado da Índia eram decretadas e comunicadas pelo Ministério das Colônias (mais tarde, Ministério do Ultramar).
Em 1949, a recém-implantada República Popular da China recusa integrar Macau na lista dos territórios a descolonizar, tal como estabelecido na carta da ONU, uma vez que considera a questão de Macau como um tema de âmbito interno da República Popular da China.
Por outro lado, o fim da Segunda Guerra Mundial impôs uma nova reorganização sociogeográfica no mundo, assim como uma condenação clara da ideologia nazi, pelo que o fascismo português enceta uma manobra de diversão, revogando o Ato Colonial. Numa evidente manobra propagandística, efetuam-se mudanças terminológicas – o termo colônias é substituído pelo termo províncias ultramarinas – e afirma-se a unidade nacional, a partir do reagrupamento de diferentes territórios em três continentes, considerando-se, a partir de então, Portugal como uma nação pluricontinental, da qual as colônias (já não consideradas, legalmente, como tal) seriam parte inalienável.
Em 1976, um ano depois da Revolução Portuguesa de Abril, que terminaria com 48 anos de opressão e violências fascistas, é publicado o Estatuto Orgânico de Macau. Dão-se, então, os primeiros passos para o processo de transição para a Região Administrativa Especial de Macau (Raem) da República Popular da China (RPC).
Hoje, em 2020, num momento em que as duas regiões administrativas especiais servem, para muitos dos estrangeiros que nelas vivem, para enaltecer a organização sociopolítica anterior à transferência de soberania para a China, quando estes territórios eram administrados por dois países europeus, relembremos um pouco como era a organização sociopolítica macaense, nos anos que precederam a sua passagem para a China.
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Macau: quando colonialismo e democracia são conceitos que se antagonizam
Depois da Revolução portuguesa que termina com um jugo fascista de 48 anos, é aprovado, em 17 de fevereiro de 1976, o Estatuto Orgânico de Macau (EOM) – o qual apenas viria a ser substituído pela Lei Básica de 1999, quando Macau voltaria à soberania chinesa. Macau passa, em 1976, a ser considerado como um “território chinês sob administração portuguesa”.
Estavam, assim, dados os primeiros passos para um acordo com a China para pôr término à situação colonial vivida por Macau. Uma declaração sino-portuguesa, assinada em 1987, estabelece a data de 21 de dezembro de 1999 para a passagem de soberania de Macau.
Ainda assim, as relações coloniais que se haviam estabelecido antes da Revolução de Abril não foram totalmente quebradas, pelo que, até à transferência de soberania, continuava a ser reservado um lugar de exceção a portugueses, não tendo sido implementada a democracia parlamentar burguesa que Portugal vivenciara.
Após a reforma de 1976, a Assembleia Legislativa de Macau passou a ter 17 membros, dos quais seis eram eleitos pelos cidadãos recenseados, por sufrágio direto, seis eram eleitos por organismos ou associações locais representativos de interesses de determinados setores da sociedade, por sufrágio indireto, enquanto cinco eram nomeados pelo governador. Desta forma, o governador, escolhido pelo governo português, detinha, para além do Poder Executivo, parte do Poder Legislativo. As chefias, por sua vez, vinham, em geral, da velha metrópole europeia, estabelecendo as suas regras e funcionamento neste pedaço de território do sudeste asiático.
O jogo, por seu lado, cimentaria laços de corrupção que, remontando a 1962, se acentuariam nas décadas de 1980 e de 1990.
A Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), fundada por Stanley Ho, Ip Hon, Terry Ip Tak Lei e Henry Fok, em maio de 1962, detinha, desde o fascismo português, o monopólio dos jogos de azar, em Macau, que perduraria até 2004.
Nas décadas de 1980 e de 1990, o submundo de violência e de corrupção que subjaz ao jogo acentua-se e torna-se público, com as autoridades portuguesas a demonstrarem uma atitude de incompetente complacência.
Segundo o jornal português Público, num artigo de 1999, os quatro principais chefes das tríades de Macau uniram-se, em 1995, para fazer frente aos grupos rivais de Hong Kong. As tríades de Hong Kong desejavam entrar no território, depois da passagem de soberania para a China, em 1999, já que Macau seria (tal como, até hoje, o é) o único local da China onde é legalmente permitido jogar.
Reuniram-se, então, nas instalações das forças de segurança pública de Macau, anunciando às impassíveis autoridades policiais que uma guerra se avizinhava. Nos três anos que precederam a passagem de soberania de Macau, o território foi palco de uma espiral de violência, com um saldo de cem mortos num período de três anos, revelando a impotência das autoridades portuguesas perante uma violência que só a China conseguiu controlar.
A corrupção endêmica era de tal ordem, nos anos anteriores à passagem da soberania de Macau para a China, que um dos mais poderosos chefes de uma das tríades de Macau “deu-se mesmo ao luxo de filmar cenas de pancadaria com 300 a 400 homens em Macau e a cortar o trânsito numa das pontes, o que não seria possível sem o conhecimento das autoridades” (Público, 2/11/1999).
Neste período conturbado de Macau, sob administração portuguesa, houve ataques à bomba a instalações das Forças de Segurança e a cassinos, atentados contra pessoas, entre as quais um oficial do Exército português.
A corrupção, por seu lado, estendia-se e aumentava de intensidade, fomentada, sobretudo, pelo partido de poder que teria em Mário Soares o seu presidente da República, em Portugal, a partir de 1986: o Partido Socialista (PS).
Num artigo publicado a 7 de janeiro de 2017, a revista portuguesa Sábado relembra-nos um dos episódios que permitiu o financiamento de um grupo de comunicação social, controlado pelo Partido Socialista, e financiado com as patacas do jogo.
Mário Soares, quando ainda cumpria o seu primeiro mandato presidencial, decide criar um grupo de comunicação social e financiá-lo, assim como ao seu partido, com dinheiro que nos conduz até Macau. O financiamento da empresa foi, num primeiro momento, feito pelo magnata inglês da comunicação social Robert Maxwell, quem sugeriria a criação de um canal de televisão em português, em Macau. Seria desta ideia que nasceria a TDM. Em 1987, Soares nomearia o seu amigo Carlos Melancia para governador de Macau, num mandato que poria a nu as ligações do PS e do governador com o dinheiro do jogo e com atos de corrupção.
No submundo da violência macaense que se tornara visível, no qual grassava a corrupção, a prostituição e o narcotráfico, ligados à prática do jogo, nas décadas de 1980 e 1990, Portugal demonstrara que poucas lições teria a dar à China em matéria de processos democráticos.
::O que falta a China fazer?::
O que é hoje, Macau?
Hoje, Macau, juntamente com Hong Kong, é, como afirmamos no início deste artigo, uma região administrativa especial que conforma o sistema capitalista que convive com o socialismo de características chinesas. Tem pouco mais de 600 mil habitantes e uma grande densidade populacional, já que o território se circunscreve a, aproximadamente, 30 quilômetros quadrados.
A Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau, em vigor desde a criação da Raem, em 1999, define o sistema a aplicar na única região chinesa que permite, legalmente, a prática do jogo.
Nesta Lei, espécie de Constituição desta região autônoma, refere-se que a Raem é parte inalienável da RPC que goza de um alto grau de autonomia, inclusivamente nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Região autónoma, mas subordinada à RPC, o artigo 5º da Lei Básica refere, por seu lado, que na Região Administrativa Especial de Macau “não se aplicam o sistema e as políticas socialistas, mantendo-se inalterados durante cinquenta anos o sistema capitalista e a maneira de viver anteriormente existentes”.
A moeda em Macau – a pataca – encontra-se indexada ao dólar de Hong Kong, o qual, por sua vez, se encontra indexado ao dólar dos Estados Unidos. Economia de mercado onde é livre a circulação de capitais, a economia macaense encontra-se dependente do jogo e do turismo.
O Produto Interno Bruto (PIB) per capita de Macau, ainda que que, graças ao jogo, seja o segundo maior do mundo (como publicado no Xinhua, de 20 de dezembro de 2019), não esconde uma inflação constante numa cidade que sofre com o elevado valor da habitação – o preço médio por metro quadrado, em 2019, foi de 10.059 euros –, naquela que é a 13ª cidade mais cara na região da Ásia-Pacífico (dados de 2017).
Estamos, pois, numa região com características únicas no quadro da RPC, numa economia dependente de cassinos, outrora colônia de um país que, a 25 de abril de 1974, conseguiu, graças a uma revolução, não apenas terminar com 48 anos de fascismo, como também permitir a independência das colônias africanas e o início de um processo de negociação que permitiu a recuperação, pela China, deste território no sudeste asiático.
Referências
BRUXO, Jorge et al. (2017). Portugueses no Oriente: uma narrativa dos séculos XV a XIX. Macau: IPM.
CARAPINHA, José Alberto Correia (1997). A transição política e legislativa de Macau. Administração, n.º 35, vol. X, pp. 35-46.
DÂMASO, Eduardo (1999). Bem-vindo ao mundo das tríades. Jornal Público, 2/11/1999.
ESTEVES, Fernando (2017). O show de Berlusconi e a tragédia do fax de Macau, Revista Sábado, 7/1/2017.
NG, Siu Yu (1996). A Administração de Macau ao longo da sua História. Administração, n.º 34, vol. IX, pp. 1015-1028.
SALDANHA, Ana. O Luso-tropicalismo na Construção de um Imaginário Imperial: os Casos de Macau e de Goa. In: Departamento de Estudos Portugueses da Universidade de São José (org.). Goa e Macau: a Inscrição da Identidade (nas Línguas, Literaturas e Culturas). Macau: 2019, pp. 22-42.
ZHILIANG, Wu & Raphaël Jacquet (2002). Le rôle de l'ambre gris et de l'opium dans l'histoire de Macao. Perspectives chinoises, n°73, pp. 4-19.
*Ana Saldanha é professora adjunta convidada do Instituto Politécnico de Macau (RAEM / China).
Edição: Rodrigo Chagas e Vivian Fernandes