A solidariedade é um princípio das organizações populares. Diante da pandemia do covid-19, que escancara a desigualdade social que permeia a história brasileira, ela se torna ainda mais importante nos pilares da luta de classes.
Desde o agravamento da doença no país, ações de coleta de alimentos e de itens de higiene, além de assistência médica e psicológica vêm sendo promovidas por movimentos sociais e entidades do campo popular, principalmente nos locais mais vulneráveis do país, onde a população sente os efeitos mais severos da falta de renda e da irresponsabilidade sanitária de Jair Bolsonaro (sem partido).
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Aonde o Estado não chega
Na Paraíba, por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores por Direitos na Paraíba (MTD) deu luz à campanha Quarentena por direitos, que tem como norte possibilitar que famílias de baixa renda da Grande João Pessoa possam enfrentar de forma digna o período de isolamento social.
“O objetivo é juntar os mais diversos setores da sociedade para cooperar com quem não tem acesso, aonde o estado não chega, onde não tem posto de saúde, e nem sequer o acesso a instrumentos, como o CRAS [Centro de Referência de Assistência Social], ou minimamente uma sala de odontologia para cuidar da cárie e dos dentes do povo”, explica o militante John Jerônimo, que participou dos mutirões para distribuição de cestas básicas, medicamentos, lonas e outras necessidades da população de Cabedelo, João Pessoa, Bayeux e Santa Rita.
Com orientações de profissionais da saúde, do direito, e da psicologia, a campanha Periferia contra o corona: mutirão de solidariedade pela vida, que tem o Levante Popular da Juventude como uma das organizações responsáveis no Ceará, vem promovendo desde a distribuição de cestas básicas – doadas por voluntários e pela população em geral – , mas também uma espaço virtual de arrecadação financeira para comprar alimentos e itens a famílias em diferentes regiões do estado.
“Nesse momento de disputa de narrativa, se o isolamento social é ou não o melhor método, nós sabemos que ela é sim, e estamos apostando nisso. E claro, com uma retaguarda de alimentos para povo”, explica Miguel Braz, militante do Levante, que reforça a necessidade do governo federal de permitir a população brasileira ter acesso a renda básica emergencial, aprovada na última semana.
“Nesse momento de disputa de narrativa, se o isolamento social é ou não o melhor método, nós sabemos que ela é sim, e estamos apostando nisso. E claro, com uma retaguarda de alimentos para povo”
todomundo.org
Para permitir que iniciativas como essas se integrem, foi lançado, nesta terça-feira (7), a plataforma on-line todomundo.org, onde as ações em curso nas periferias do país possam ser cadastradas, tendo maior alcance de arrecadação de recursos e fundos.
O portal é a principal ferramenta da campanha "Vamos precisar de todo mundo: ação de solidariedade ao povo brasileiro", articulada por 100 organizações que compõem a Frente Brasil Popular (FBP) e a Frente Povo Sem Medo (FPSM).
“A plataforma vai ter um espaço para que as campanhas locais cadastrem suas entidades, os contatos de quem é responsável pela campanha no Estado, a conta bancária, se há distribuição de alimentos nas casas ou nao, como funciona a arrecadação, como funciona a distribuição. Assim as pessoas vão acessar as informações tanto para doar, como para conseguir se envolver”, explica Jessy Dayane, da coordenação nacional do Levante Popular da Juventude, que vem organizando campanhas em zonas vulneráveis do Distrito Federal, do Ceará e do Rio de Janeiro.
As ações de solidariedade, na opinião de Eliane de Moura, do Movimento dos trabalhadores e trabalhadoras por direitos (MTD), não se restringem apenas aos atendimentos emergenciais às famílias, mas também questionam o modelo capitalista, que expõe sistematicamente trabalhadores a condições indignas de vida.
“A nossa solidariedade tem que ser diferente da solidariedade da Rede Globo, da burguesia, que também vai ajudar, mas quando eles estão falando em ajuda, eles falam em uma ajuda que é ‘toma aqui seu prato de feijão e fica quieto’. A nossa solidariedade precisa ser provocativa, precisa ser no sentido da emergência, do imediato, mas também no sentido de ser organizativa, de ser politizada, de trazer um nível de consciência e uma reflexão para o conjunto dos nosso trabalhadores do porquê nós chegamos nesse estágio”.
Nossa solidariedade precisa ser provocativa, precisa ser no sentido da emergência, do imediato, mas também no sentido de ser organizativa, de ser politizada.
Em Pernambuco, a campanha Mãos Solidárias, organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), junto com o MTD e outros movimentos, promove a entrega de marmitas diariamente para a população que está em situação de vulnerabilidade social no Recife.
A iniciativa já distribuiu aproximadamente seis mil refeições no Armazém do Campo, polo de produção e distribuição das refeições. A campanha vem realizando também a confecção de máscaras contra o contágio e a entrega de cestas básicas nas comunidade de Peixinhos e Brasília Teimosa.
“A comunidade de peixinhos tem 36 mil habitantes, a maioria desses habitantes são mulheres. E a maioria desses trabalhadores são informais, sem respaldo legal algum para sua situação de trabalho. As populações das periferias estão a beira de viver um colapso socioeconômico, onde as condições mínimas de sobrevivência não estão sendo assistidas na sua amplitude”, revela Senhorinha Joana Alves, militante do MTD.
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Articulação
Para cobrar atuação do Estado na assistência às famílias, as ações da campanha nacional das entidades do campo popular estão sendo dialogadas com as prefeituras e tem como referência o cadastro único nacional das famílias do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS).
“Nós temos direitos a que o Estado brasileiro use as riquezas que são coletivas, que são produzidas por todos nós, para defender as nossas vidas. O centro de todo esse nosso trabalho é a defesa da vida da classe trabalhadora brasileira. Só podemos sobreviver aqui se nós brigarmos, nos juntarmos, se formos solidários uns com os outros”, afirma Eliane.
Os voluntários estão sendo orientados pelas entidades que compõem às Frentes sobre a melhor forma de arrecadar e distribuir as doações sem qualquer risco de contaminação, inclusive disponibilizando Equipamentos de proteção individual (EPI´s).
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Edição: Rodrigo Chagas