O Superior Tribunal de Justiça (STJ) acatou, nessa quarta-feira (8), o pedido de habeas corpus e de cumprimento de pena em regime aberto para Maria Marques Martins dos Santos, 39 anos, mãe do menino Lucas. Maria foi detida, em novembro do ano passado, no momento em que prestava depoimento sobre o desaparecimento do filho de 14 anos de idade.
Em 12 de novembro, Lucas saiu para comprar refrigerante, mas não voltou para casa onde morava com a mãe, na Favela Amor, periferia de Santo André, cidade do ABC Paulista. O corpo do jovem foi localizado em uma represa no Parque do Pedroso, a 14 km da sua residência, e reconhecido por meio de exame de DNA no dia 27 de novembro. Embora o laudo do Instituto Médico Legal (IML) apresente a causa da morte como afogamento, a família e os amigos denunciam, desde então, a participação de policiais militares no ocorrido, uma vez que há relatos de testemunhas que apontam que o menino desapareceu após uma abordagem policial.
Em 2012, Maria foi denunciada por tráfico de drogas, mas em seguida foi absolvida por falta de provas e pelas contradições identificadas nos depoimentos dos policiais que fizeram a ocorrência. Já em segunda instância, que ocorreu em agosto de 2017, ela foi condenada a cinco anos de prisão em regime fechado, fato que, segundo a defesa, Maria só soube no momento em que prestava depoimento sobre o desaparecimento do filho.
Para Marisa Feffermann, da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que acompanha o caso e auxilia a família desde o início, a prisão foi uma “retaliação” às denúncias da família. “Se eles quisessem, eles poderiam tê-la procurado antes”, considera. A família do menino Lucas já denunciou ao Brasil de Fato diferentes episódios de ameaça policial.
Defesa
Por ter sido julgado em 2017, o processo não permitia mais recursos em 2019, quando Maria foi detida. Para a conquista do habeas corpus e da redução de pena, a defesa apresentada pelo defensor público Marcelo Carneiro Novaes — da Regional do Grande ABC da Defensoria Pública do Estado de São Paulo — apontou ao STJ irregularidades da ação judicial.
Entre elas, o fato de que a lei prevê que réus primários e com bons antecedentes, como o da mãe de Lucas, possam cumprir a pena em regime aberto, assim como tem direito a uma condenação menor, de um ano e oito meses. Esta especificação está prevista no artigo 33 da Constituição e é chamada de tráfico de privilegiado.
“Comparar um tráfico normal com um tráfico privilegiado é como comparar o roubo de um banco a um furto de chocolate. É o caso da Dona Maria Marques: ela estava presa no crime de tráfico, que era hediondo, e não tinham reconhecido o privilegio. O que eu pedi é que reconheçam o privilégio e apliquem a pena correspondente ao crime do privilégio. Ela vai para regime aberto. De cinco, caiu para um ano e oito meses”, explica Novaes.
Para o defensor, o caso de Maria explicita o que chama de prática “draconiana” do judiciário paulista, que não reconhece o direito ao regime aberto ou semiaberto ou a própria diminuição da pena dos réus condenados por tráfico de drogas com pontos previstos em lei, como a primariedade, bons antecedentes, o não pertencimento a organizações criminosas e o costume na prática do ilícito.
17 mil Marias
O argumento de Novaes está na defesa apresentada ao STJ por meio de um levantamento inédito sobre o número de pessoas presas por tráfico de drogas no estado de São Paulo, condenados a regime fechado, e que, assim como Maria, poderiam cumprir pena em regime aberto.
Dados de fevereiro deste ano da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) apontam que há 11.284 pessoas na situação da mãe de Lucas. Além delas, há 4.908 presos que tiveram o privilégio reconhecido, mas ainda estão no regime fechado; e outras 4.431 presos que teriam direito à pena mínima de um ano e oito meses. Ou seja, um total de 17 mil pessoas.
“A minha esperança é que esse caso possa suscitar uma mudança de rumo. Seja na porta de entrada, onde nossa polícia prende muito e prende mal, alimentando o sistema; seja na porta de saída, porque nós temos 17 mil pessoas que potencialmente não deveriam estar dentro do sistema”, denuncia Novaes.
O sentimento de Marisa Feffermann, da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, é o mesmo. “É uma vitória, porque a dona Maria foi muito injustiçada e adoeceu a família dela inteira. Mas é uma vitória que eu acho que é importante fazer isso, porque essa injustiça acontece com mais de 17 mil pessoas que estão presas hoje com essa mesma irregularidade”.
Ainda não há previsão de quando Maria poderá ir para casa, uma vez que é necessária a notificação do STJ ao SAP.
A mãe e a família continuam sem resposta de quem matou Lucas. O caso ainda é investigado e segue em segredo de Justiça. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, os policiais envolvidos foram redirecionados para funções administrativas.
Edição: Vivian Fernandes