Não é fácil modificar sua rotina radicalmente de uma semana para a outra. Mas, se tal mudança é importante para proteger a saúde individual e coletiva, ela exige ainda mais cuidados por parte da população que mais tem sido vitimada pela covid-19: os idosos. Entre os entrevistados pelo Brasil de Fato, até há busca por alternativas para passar o tempo, mas a dificuldade na adaptação é grande e as queixas são unânimes.
Verônica Barreto, 69 anos, moradora do bairro do Rosarinho precisou sair de casa para evitar colocar em risco o esposo, que tem 80. Ela está passando o período na casa do filho e tem evitado até ir às compras. Saiu apenas uma vez nas últimas três semanas. "Sinto falta de ir ao supermercado, comprar o que quero. Quem está indo é o meu filho. Me sinto presa. Mas se é isso que preciso fazer para o meu bem e de outras pessoas, então tenho que ficar no isolamento", avalia.
Ela conta que costumava sair com as vizinhas, visitar amigas e todas as manhãs caminhava no Parque da Jaqueira. "Lá eu fazia ioga também. Agora treino alguma coisinha em casa, mas não é igual", lamenta Verônica. Com a mudança temporária na moradia, tem sentido falta também dos almoços com o companheiro. "Mas tudo isso foi travado pelo bem de todos", pondera.
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Quem também precisou sair de casa foi Lenilda Sobreira, 81, que mora no Vasco da Gama, zona norte do Recife. Sua residência é "ponto de encontro" dos cinco filhos, quatro que a visitam e um que reside com ela. A situação a deixava exposta e, após a primeira semana de quarentena em Pernambuco, foi levada para passar o período na casa de uma das filhas. "Alguns filhos estão vindo aqui. Pouco, mas visitam. Com cuidado", conta a idosa.
Cuidados com a saúde
Por ter feito cirurgia recente no quadril, a rotina de Lenilda em sua casa envolve pouco trabalho doméstico, muita leitura e algumas horas de televisão. Mas a falta de fisioterapia para recuperar o pleno movimento das pernas entra como principal prejuízo da quarentena. "A minha locomoção já estava prejudicada. Mas agora piorou, porque carona eu posso pegar mais. Parei de ir à fisioterapia e visitar as amigas", diz Lenilda. "Sinto falta de receber visita de amigos que me alegram, que cantam e tocam", completa.
A psicóloga Alina Eucaris, que atua há 13 anos no Programa de Atenção ao Idoso, destaca os dilemas dos cuidados com a saúde neste momento. "O idoso não está podendo frequentar os médicos, ter o controle de sua saúde como tinha, pode até ter receitas de remédios já vencidas. Além disso, muitos dependem de outras pessoas para os cuidados da saúde e que, neste momento, mais pessoas são maior o risco também". A dependência também pode ter relação com o controle de alimentação e de horários de medicamentos. "A necessidade de ficar sozinho para se preservar também o deixa vulnerável nos demais quesitos", pontua.
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A psicóloga continua: "O momento é de estresse, a ansiedade, a tristeza, além do medo da doença e da morte, por fazer parte do grupo de risco. Além de idosos, muitos são diabéticos ou hipertensos". Eucaris trabalha com idosos no Hospital Geral de Areias, com crianças e adolescentes no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e é professora na Fafire.
Em Jaboatão, Inês Salvino não precisou mudar de casa, mas viu sua rotina ser transformada. "Eu sou muito ativa, gosto de passear, visitar os filhos, ver as amigas, ir ao supermercado, à farmácia comprar meus remédios. Estou achando muito ruim só viver dentro de casa", reclama. "Também não estou podendo caminhar, o que deveria estar fazendo por questão de saúde", completa. Católica, também tem sentido falta de ir à igreja, onde tem amigos.
Adaptação à nova rotina
No município do Paulista, Humberto Crisóstomo é a pessoa que "resolve as coisas" para a família. "Ir na lotérica pagar conta, marcar médico dos meus filhos, neto, esposa, tudo sou eu. Como sou aposentado, tenho mais tempo e não pago ônibus. Quem sai para fazer compras para a minha residência também sou eu", afirma Humberto. "Costumo estar mais na rua que em casa. E eu gosto também, porque as horas passam logo. Em casa demora muito a passar", avalia.
Aos 74 anos, ele prefere ser considerado jovem. "Tudo depende da mente". Jogar futebol aos domingos é uma das coisas que quarentena lhe tirou. "O que mais sinto falta é me movimentar e fazer exercício, que é bom para a saúde. Quando era mais jovem, jogava no ataque, mas agora sou lateral esquerdo e direito", diz ele, que é ambidestro e orgulhoso de suas qualidades em campo. Agora tem que se contentar em assistir aos noticiários.
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Figura conhecida pelos vizinhos como "Papai Noel de Maranguape", Humberto Crisóstomo gosta de ficar na rua, conversar e fazer novas amizades. E a falta disso o está deixando mal. "Não sou muito de beber, mas gosto de ficar conversando na rua, na praça. Eu já sou acostumado a estar na rua, me movimentando, comunicando, mas de repente você se torna prisioneiro dentro da sua casa", reclama. "Estou num momento difícil. Não posso ficar nem na frente de casa. Imagine esse pessoal que vive em presídio. Isso não é coisa boa para ninguém e prejudica a saúde da pessoa", avalia Humberto.
Sobre a solidão do momento, a psicóloga Alina Eucaris lamenta que esta seja uma circunstância a que muitos idosos sejam submetidos na vida cotidiana, com afastamento de familiares, mas destaca que a quarentena obrigatória piora tudo. "O idoso é obrigado a se voltar para si. Caso ele não esteja bem consigo, será mais difícil atravessar essa fase. O contato social alivia a mente nesse quesito, mas se a pessoa estiver solitária, fica tudo pior", diz a profissional. No entanto, Alina reitera que é fundamental respeitar os limites exigidos pelo isolamento social, porque quebrar a rotina é também quebrar a estabilidade. "Quando o idoso sai do ambiente em que se sente bem e está seguro, obviamente fica mais vulnerável emocionalmente", avalia.
A psicóloga destaca possibilidades que podem contribuir para manter a saúde mental da população de terceira idade durante a quarentena. "É importante estabelecer uma nova rotina, com horários para acordar, se alimentar, tomar banho. E é bom manter contato telefônico com a família e amigos, ter acesso a informação de qualidade", destaca Eucaris. "Isso tudo ajuda para que ele não passe o dia na cama olhando o teto".
Leitura, filmes, música são algumas das atividades que a profissional considera importante manter. "São coisas prazerosas que precisam ser resgatadas, já que muitas vezes no dia a dia não há tempo para elas". Aos que gostam de experimentar coisas novas, a psicóloga também deixa sugestão. "Se envolvam em ações que ajude a você e outras pessoas atravessarem isso. Vi reportagens de idosas que estão costurando máscaras voluntariamente, sendo solidárias com outras pessoas", afirma.
Lenilda Sobreira nem os noticiários que gosta está podendo ver, porque na casa da filha os canais que assiste não sintonizam bem, então tem se informado por outros canais, além de ter passado a ver filmes via streaming. E claro, passou a ler mais. "Trouxe três livros. Também gosto de ler revistas e jornais. Passo a maior parte do tempo lendo. E cantando também", conta. "E conversando com o pessoal de casa. Estou muito feliz com esse convívio com minha filha", garante.
Alina Eucaris vê que algum aprendizado poderá ser colhido do momento que atravessamos. "Se eu pudesse destacar alguma coisa boa nisso tudo, é que o idoso está tendo uma visibilidade que não tinha antes", diz Alina. "Agora a sociedade está pensando no bem do idoso, no que pode mudar para que cuidemos mais dessa população, algo que melhore a qualidade de vida dessas pessoas".
No entanto, a profissional alerta sobre possíveis sequelas a serem tratadas no pós-quarentena. "Depressão, ansiedade, pânico e até estresse pós-traumático - que ocorre após guerras, desastres naturais e pandemias. Quanto maior o isolamento, maiores as chances de desenvolver esses transtornos", diz a profissional.
Preocupação com os familiares
Mãe de cinco, Inês Salvino tem dedicado muito tempo de suas orações diárias a uma das filhas, que é enfermeira da rede pública e está exposta ao contágio do coronavírus. A situação tem feito a senhora chorar com frequência. A situação também a obrigou a parar com as visitas semanais que fazia a esta filha a ao neto caçula. "Estou com muita saudade dos meus filhos. Uma mora comigo e tem cuidado de mim, limpando tudo, prestando atenção para eu não pegar em objetos que não estão limpos. Mas os outros só vejo por ligação", lamenta. Um dos filhos mora próximo e tem visto a mãe, mas mantendo distância. "Ele faz compras, vem até a porta deixar coisas para mim. Mas não entra, só pede a benção e vai embora. Fico me sentindo mal com isso", conta Inês.
Verônica Barreto também tem se sentido triste sobre tudo o que está acontecendo, mas espera disciplina de todos para o controle da pandemia. "Quero voltar à normalidade e que essa doença não acometa ninguém da minha família", afirma. Ela tem passado o tempo lendo e assistindo a filmes. "Eu já assistia no tempo livre, mas agora todas as horas estão livres", afirma, sem negar a insatisfação. "Como sou muito católica, então rezo bastante. Estamos vivendo uma coisa que só Deus poderá nos salvar", avalia.
Já Lenilda Sobreira, apesar de considerar a possibilidade de se contaminar pelo coronavírus, consegue soar otimista. Avalia que a população poderá aprender com o momento. "O aumento do convívio familiar é uma delas", comemora. Para o pós-quarentena, os planos são cuidar da saúde das pernas e se divertir. "Quero voltar à fisioterapia, porque a cirurgia é recente. E voltar a encontrar as amigas e amigos", conta Lenilda.
Inês Salvino aprendeu a fazer videochamadas pelo celular para reduzir as saudades. "Estou falando todos os dias com meus netos e meus filhos. Ligo pelo Whatsapp, vejo eles. E também ligo para minhas irmãs, por ligação normal", conta. Inês tem lamentado a situação e desejado que tudo isso seja superado em breve, mas considera que o momento pode reaproximar as pessoas da fé. "As pessoas só queriam saber de balada, festa, praia e ninguém mais estava dando valor a Deus. Agora estamos orando mais, pedindo proteção a Deus, valorizando o amor de Deus. A coisa não está boa, mas vai passar", conclui.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Larissa Gould e Marcos Barbosa