Vai além das decisões sobre quarentena: tudo tem ocorrido sem a participação do ministro da Justiça
O título é uma paráfrase pretensamente brincalhona de uma fala do ministro Gilmar Mendes, em entrevista recente que circulou nas redes sociais e, ao mesmo tempo, adotando a máxima de que Sérgio Moro não gosta das garantias constitucionais. Diante da ausência de qualquer protagonismo, é de se perguntar: por onde anda a ex-estrela do governo Bolsonaro? Escondido como um quarto ou quinto elemento em entrevistas coletivas e sem apresentar propostas concretas para as ações sob seu comando.
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Em meio à crise institucional causada pela pandemia de covid-19 no Brasil, diversos problemas demandam atuação do ministro, que se mostra completamente omisso ou desidioso.
O conflito federativo tem se sobressaído como um dos grandes problemas a gerar insegurança no seio da sociedade que, a rigor, não consegue compreender se “o que vale” é o decreto do Presidente da República ou do Governador do Estado.
Ao ser provocado, por sua competência constante no art. 102, I, alínea “f”, da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu uma resposta temporária ao conflito. Por decisão liminar, o ministro Alexandre de Moraes decidiu, na quarta-feira (8), que governos estaduais e municipais têm autonomia para determinar o isolamento social.
"Não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito de seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas como a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outros mecanismos reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, como demonstram a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) e vários estudos técnicos científicos", interpretou Moraes em sua decisão.
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Nos termos da lei 13.844/2019, uma das competências do Ministério da Justiça e Segurança Pública é a promoção da integração e da cooperação entre os órgãos federais, estaduais, distritais e municipais e a articulação com os órgãos e as entidades de coordenação e supervisão das atividades de segurança pública. Além do debate sobre a atribuição para editar normas sobre a quarentena, as questões de conflitos entre os entes federativos para determinar competências e de fechamento de divisas, por exemplo, tudo tem ocorrido sem a participação ativa do ministro da Justiça.
Outra omissão de Moro em tempos de pandemia no Brasil está na gestão para evitar contaminação da população carcerária. Ou melhor, na falta de gestão.
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Sabe-se que as prisões no Brasil possuem péssimas condições, e que a proliferação de doenças é um dos graves problemas enfrentados pelos detentos. As inúmeras violações no sistema carcerário brasileiro já foram reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal, ao declarar o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 347.
Propostas para evitar que o vírus se alastre pelos presídios seriam, a rigor, oriundas do Departamento Penitenciário (Depen), órgão que pertence à estrutura do Ministério da Justiça e que, até aqui, tem se limitado a divulgar dados. Até a manhã de segunda-feira (13), segundo o Depen, havia 115 detentos com suspeitas de ter contraído o vírus e três confirmações, sem óbitos. Os números, no entanto, não batem com levantamentos locais. Na sexta-feira (10), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal anunciou 14 presos infectados, além de 19 agentes penitenciários.
Sistema penitenciário
Em papel mais proativo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou, no dia 17 de março, a Recomendação nº 62, orientando aos tribunais e magistrados a adoção de ações preventivas à propagação da infecção pela covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo, para que sejam priorizadas deliberações que diminuam a internação e o encarceramento quando for possível, a reavaliação de medidas socioeducativas de internação e semiliberdade, para fins de eventual substituição por outra em meio aberto, suspensão ou remissão, a redução da decretação de prisões preventivas ao estritamente necessário, bem assim avaliar a antecipação da progressão de regime, dentre outras atitudes capazes de minimizar o impacto de contágio.
A luta pela implementação da Recomendação 62 do CNJ foi abraçada pela sociedade civil organizada em torno do tema, que a aprovou em nota pública.
Quanto ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública, a única ação de Moro, em meio ao grande risco de contaminação nos presídios, foi divulgar que está em estudo pela pasta a aquisição de 600 tablets, para as videoconferências de presos e contato com suas famílias. Criticou publicamente, pelas redes sociais, a Recomendação 62 do CNJ, com falas genéricas sobre a soltura de “presos perigosos”, sabendo que a hipótese não se aplica, e sem apontar qualquer alternativa; usando, por outro lado, as estruturas oficiais para disseminar fake news. O Depen afirmou, no início do mês de abril, que 31,6 mil presos haviam sido beneficiados pela resolução do CNJ, sendo obrigado a corrigir o dado posteriormente.
Comunidades indígenas
Pelos dados divulgados na segunda-feira (13) pelo Ministério da Saúde, o vírus já matou três indígenas: um jovem Yanomami, em Roraima; uma mulher idosa Borari, em Alter do Chão, no Pará; e um homem da etnia Muro, em Manaus. E já contagiou outros nove no total. Outros 23 casos estão sendo investigados como suspeitos. De acordo com o Sistema Integrado de Administração Financeira (Siaf), a Fundação Nacional do Índio (Funai), diretamente vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, recebeu, no dia 2 de abril, R$ 10.840 milhões de recursos emergenciais para usar na proteção de indígenas contra o avanço do novo coronavírus, sem que nem um centavo tenha sido utilizado até a data de hoje e sem qualquer anúncio por Moro de um plano de contingenciamento para evitar a disseminação do vírus entre os povos indígenas.
Em um contexto de crise, Sérgio Moro apresenta-se uma autoridade não apenas letárgica, mas patética, incapaz de encaminhar propostas que dependem das ações do Ministério que comanda.
Diferentemente do filme que inspirou o título, não há possibilidade de humor na ausência de um piloto para comandar esse avião. O vazio de ideias e projetos pode ter consequências absolutamente desastrosas para um grande número de cidadãos brasileiros. É quando a postura narcisista e incompetente de Moro fica evidente até no mais quebrado dos espelhos. O deserto de políticas públicas comandadas por ele é notório não de agora. A crise apenas possibilita que se enxergue melhor.
*Tânia Maria Saraiva de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora; membra do Grupo Candango de Criminologia da UnB e da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Edição: Camila Maciel