Enquanto governantes buscam diminuir a lotação dos presídios, para evitar a disseminação do coronavírus, dois ativistas pelos direitos civis com mais de 65 anos foram presos sem provas na última terça-feira (14) na Índia. Os intelectuais Anand Teltumbde e Gautam Navlakhae foram enquadrados na Lei de Prevenção de Atividades Ilícitas (Uapa, na sigla em inglês) por suposta incitação à violência em 31 de dezembro de 2017. Ambos integram o grupo de risco da covid-19 e negam todas as acusações.
Os pedidos de prisão contra Teltumbde e Navlakhae mencionam “discursos inflamatórios” que “desencadearam conflitos” durante manifestações populares na cidade de Pune, no estado de Maharashtra. Na ocasião, centenas de pessoas foram às ruas para comemorar os 200 anos da Batalha de Koreagon Bhima, considerada uma vitória histórica dos dálits – população excluída do sistema de castas – contra membros de castas superiores.
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Os dois também são acusados de ligação com grupos maoístas e de uma suposta conspiração para assassinar o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, de extrema direita.
Contexto
Modi é apoiado pelo grupo nacionalista Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), que defende o sistema de castas e propõe a refundação da Índia a partir das tradições do hinduísmo, religião predominante no país.
Além de relembrar a Batalha, os protestos de 31 de dezembro de 2017 denunciaram a escalada da opressão de casta no atual governo. Representantes de extrema direita reagiram ao levante dos dálits e destruíram mais de 200 ônibus e 100 carros. Uma pessoa foi morta e sete ficaram feridas, incluindo quatro policiais.
Os pedidos de prisão de Teltumbde e Navlakhae foram feitos em 2019 pela polícia de Pune. Ambos receberam proteção provisória do Tribunal Superior do estado e do Supremo Tribunal da Índia antes de seus pedidos de fiança serem negados.
Teltumbde se entregou às autoridades em Mumbai, capital do estado de Maharashtra, e Navlakhae em Nova Delhi, capital do país. Eles se juntam a outros nove ativistas presos por suposta participação nos acontecimentos de dezembro de 2017.
O número de detentos na Índia supera em 17% a capacidade do sistema carcerário.
Reações
Intelectuais indianos que se pronunciaram sobre o caso alegam que a prisão dos ativistas é a reafirmação da violência do sistema de castas.
Professor do Instituto de Administração de Goa, Anand Teltumbde é casado com Rama Teltumbde, neta de Babasaheb Ambedkar, jurista dálit conhecido como o “pai da Constituição” da Índia. A prisão de Teltumbde ocorre justamente no aniversário de nascimento de Ambedkar, data comemorativa para a população dálit.
Gautam Navlakhae é ex-membro do Tribunal Popular Internacional de Direitos Humanos e Justiça na Caxemira, editor da revista acadêmica Economic and Political Weekly e escreve para o portal Newsclick.
A União Popular pelos Direitos Democráticos da Índia se manifestou por meio de nota e classificou as prisões como “tentativa de intimidar ativistas de direitos humanos”, marcando uma “profunda e assustadora nova baixa na história política da Índia contemporânea”.
Autora do best-seller O deus das pequenas coisas, a escritora Arundhati Roy se referiu aos presos como “dois dos mais incríveis intelectuais e ativistas indianos” e defendeu sua inocência. “Em tempos de quarentena, quando o coronavírus se espalha pelo mundo, com as prisões lotadas, é isso mesmo que o governo pretende fazer?”, questionou em um vídeo publicado em suas redes socais.
Diretor do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, Vijay Prashad definiu o caso como “uma palhaçada” e ressaltou a falta de provas que respaldem a acusação: “Hoje, a bandeira indiana abaixa a cabeça de vergonha”.
"O nacionalismo foi armado pela classe política para destruir os críticos e polarizar as pessoas", escreveu Teltumbde em carta aberta antes de ser preso. Ele acrescenta que a Índia "está sendo arruinada" e que o momento político é "sombrio".
Navlakhae também escreveu um texto antes de se entregar às autoridades. O ativista diz que sua esperança repousa em um julgamento rápido não apenas para si, mas para os outros dez presos políticos. "Só isso permitirá que eu limpe meu nome e possa caminhar livre novamente", finaliza.
O que é coronavírus?
É uma extensa família de vírus que podem causar doenças tanto em animais como em humanos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em humanos, os vários tipos de vírus podem causar infecções respiratórias que vão de resfriados comuns, como a síndrome respiratório do Oriente Médio (MERS) a crises mais graves, como a síndrome respiratória aguda severa (SRAS). O coronavírus descoberto mais recentemente causa a doença covid-19.
Como ajudar a quem precisa?
A campanha “Vamos precisar de todo mundo” é uma ação de solidariedade articulada pela Frente Brasil Popular e pela Frente Povo Sem Medo. A plataforma foi criada para ajudar pessoas impactadas pela pandemia da covid-19. De acordo com os organizadores, o objetivo é dar visibilidade e fortalecer as iniciativas populares de cooperação.
Edição: Leandro Melito