Alvo de uma queda de braço que envolve governistas, parlamentares de oposição e centrais sindicais, a Medida Provisória (MP) 905 vence nesta segunda-feira (2) e tem futuro incerto no Congresso Nacional.
Na última sessão do plenário, na sexta (17), a proposta foi retirada da pauta por conta das dissidências em torno do tema e não consta oficialmente na agenda desta segunda. No entanto, parlamentares que defendem a medida exercem pressão para que ela seja apreciada ainda nesta data.
Os senadores Flavio Bolsonaro (Republicanos-RJ), Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Soraya Thronicke (PSL-MS) e o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra (MDB-PE), apresentaram requerimentos com esse teor.
A alegação dos apoiadores da proposta tem sido a de que a MP iria ajudar a gerar emprego especialmente durante este momento de aprofundamento da crise devido à pandemia do novo coronavírus.
O pedido contrasta com a posição da maioria dos líderes das bancadas, incluindo, por exemplo, as siglas MDB, PSD, PT, PDT, PSB, Pros e Cidadania. Conhecida como "MP da carteira verde e amarela”, a proposta amplia o alcance da reforma trabalhista, instaurando novas mudanças na relação entre patrão e empregado, e por isso sofre dura rejeição.
Diferentes entraves circundam a aprovação da MP. Entre eles, a forte rejeição de centrais sindicais e movimentos populares e a argumentação dos senadores de que as votações remotas do Senado só podem tratar de temas relacionados à crise do coronavírus. A MP 905 foi publicada em novembro de 2019, enquanto a doença passou a ser registrada somente em dezembro.
“É uma MP que fere a OIT [Organização Internacional do Trabalho] e os interesses dos trabalhadores brasileiros. São 60 páginas, 80 artigos. Não dá para votar de afogadilho. O Senado precisa ter tempo para apreciar essas medidas que chegam de última hora. Além disso, ela não tem vinculação com a crise do coronavírus”, disse, na última sexta, o líder do PSD, Otto Alencar (BA).
Na contramão da pressa do governo, parte dos senadores rejeita integralmente a MP, enquanto outros querem que ela seja alterada e mais bem discutida para só então ser votada. Para o líder do PT, Rogério Carvalho (SE), uma eventual inclusão da medida na pauta desta segunda seria uma quebra da lógica que tem sido adotada pelo Congresso Nacional neste contexto de pandemia, em que as propostas que vão à votação geralmente resultam de um amplo acordo entre as bancadas.
“Nós estamos diante de um problema mais sério ainda porque a proposta do governo é aprovar do jeito que veio da Câmara e do jeito que veio não há consenso pra votar. Creio eu que ela não vai entrar na pauta [desta segunda] por vários motivos, e o mais importante de todos eu creio que seja justamente o fato de não haver consenso , disse ao Brasil de Fato o líder da bancada do PT, Rogério Carvalho (SE).
A MP está em vigor desde quando foi publicada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas precisa de aval do Congresso Nacional para ser convertida em lei. No domingo (19), em uma postagem pelas redes sociais, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), sugeriu ao governo que fizesse uma reedição do texto. “Assim, o Congresso Nacional terá mais tempo para aperfeiçoar as regras desse importante programa”, acrescentou Alcolumbre na mensagem.
De acordo com informações divulgadas pela imprensa, a gestão Bolsonaro estaria trabalhando em uma nova versão da proposta desde então. No entanto, analistas legislativos do Senado consultados pelo Brasil de Fato apontaram que o regramento vigente não permite a sugestão feita pelo senador.
O Artigo 62 da Constituição Federal proíbe que ocorra, no mesmo ano legislativo, a reedição de MPs que tenham sido rejeitadas ou que tenham perdido eficácia por vencimento do prazo, que é o que ocorre com a MP 905 se ela não for votada nesta segunda. Mas, apesar desse impedimento legal, a pauta pode voltar à cena em outros formatos, como é o caso de um projeto de lei.
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A MP 905 cria a chamada “carteira verde e amarela”, destinada à contratação de jovens com idade entre 18 e 29 anos dentro de um limite salarial de 1,5 salário mínimo, o que corresponde a R$ 1.567,50 nos valores atuais.
No parecer apresentado, o relator da MP, deputado Christino Aureo (PP-RJ), incluiu na modalidade os trabalhadores com mais de 55 anos que estejam sem emprego há pelo menos 12 meses. Os contratos criados pela medida são destinados exclusivamente a novos postos de trabalho, devendo obedecer a um teto de 25% do número total de trabalhadores da empresa.
O programa também tem uma data-limite, estipulada para 31 de dezembro de 2022, mas, como os contratos terão duração de 24 meses, eles podem acabar somente após esse prazo oficial.
A MP também desonera, em cerca de 70%, os encargos que incidem sobre a folha de pagamento dos funcionários e traz ainda outras modificações. Uma delas é o entendimento sobre os acidentes de trabalho, que passarão a ser caracterizados dessa forma apenas se houver dolo ou culpa e se ocorrerem sob o uso de veículo da empresa.
Por conta disso, há forte oposição à MP entre especialistas do direito do trabalho e entidades sindicais, como é o caso da Central Única dos Trabalhadores (CUT). A secretária de Mobilização e Movimentos Sociais da entidade, Janeslei Albuquerque, considera que a medida se torna ainda mais prejudicial neste momento de avanço do coronavírus, marcado pela desaceleração econômica e pela consequente queda na renda de parte dos trabalhadores.
“É uma violência, uma perversidade, algo extremamente cruel com o conjunto dos trabalhadores. Mais do que nunca, a pandemia está mostrando quem é que produz a riqueza em qualquer país do mundo, e no Brasil não é diferente. É o trabalho cotidiano dos trabalhadores em todas as frentes e locais que produz as riquezas de qualquer país, de qualquer sociedade. E é justamente contra eles que essas medidas provisórias vêm sendo encaminhadas” , afirma.
Em uma enquete virtual realizada pelo Senado, a medida recebeu, até esta segunda-feira (20), mais de 74 mil votos contrários e cerca de 3.200 favoráveis.
Edição: Leandro Melito