No ano de 2020, os atos de violência em relação aos povos originários podem parecer “coisa do passado’’ para algumas pessoas. Porém, considerando a colonização como uma prática iniciada em 1500, mas que permanece até os dias de hoje, tais atos de violência ainda são dados.
Acontecem agora: invasão e apropriação de território; disseminação de doenças por parte dos não indígenas; assassinatos; apropriação de conhecimento cultural; a não aceitação do originário como cidadão; a desvalorização de nossa sabedoria; a imposição de religiões que não contemplam as nossas culturas, crenças, cosmologias e ritos; a exigência de um perfil de “índio”, que provém de uma imagem cristalizada do século XVI; a mídia, que deturpa nossos valores e luta; as ofensas ditas; a escola, que ensina que o “índio” está extinto; o 19 de abril , que não é homenagem; o “índio”, que virou adereço e não nos representa.
Somos povos originários. Eu, mulher Puri. Ainda em 2020, a sociedade brasileira não indígena tem dificuldade em entender os povos originários como plurais e contemporâneos.
Em tempos de pandemia, tal colonização que sofremos enquanto indígenas, apresenta sua faceta mais cruel e genocida. Sabemos que a ousadia de garimpeiros, grileiros e madeireiros é fruto da violência simbólica e da violação de direitos de grupos em situação de vulnerabilidade.
Dados dessa neocolonização podem ser sinalizados em fatos ocorridos em apenas uma semana, em invasões constantes em diversas regiões do país. Na quinta-feira (9), a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, informou que um estudante Yanomami, de 15 anos, morreu por complicações de uma infecção no pulmão devido à covid-19. No sábado (11), no interior da Terra Indígena Vale do Javari, localizada no oeste do Amazonas, dez indivíduos foram detidos por servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai).
No domingo (12), o programa Fantástico, da TV Globo, mostrou uma megaoperação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para retirar garimpeiros de terras indígenas e evitar alastramento do coronavírus. Contudo, na terça-feira (14), o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) publicou, no Diário Oficial da União, a exoneração do diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo, o mesmo que organizou a operação exibida pelo Fantástico.
Já na segunda feita (13), por volta das 17h, o grupo de resistência Aldeia Reexiste, na Aldeia Maracanã, localizada no bairro Maracanã, no Rio de Janeiro, foi surpreendido pela presença do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL), sua assessoria e um motoqueiro intimidando e fotografando os indígenas que ali residem.
Esses são exemplos de processos colonizadores que podem agravar o genocídio de indígenas no Brasil.
É imprescindível ter em vista um trecho da Constituição de 1988 que sinaliza que sinaliza que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Em todo território nacional, há vários pedidos de apoio para a garantia de direito ao isolamento (com o afastamento do não indígena), como também para a manutenção da saúde e alimentação das aldeias.
Sendo parte desse povo originário, aqui venho solicitar a salvaguarda, pelo Estado e pela sociedade, em relação ao direito do isolamento dos povos originários com medidas eficazes de intervenção para a retirada imediata de garimpeiros, grileiros e madeireiros nas proximidades das aldeias e de indígenas. Também solicito apoio do Sistema Único de Saúde (SUS) aos indígenas em situação urbana.
Sabemos que a ousadia de garimpeiros, grileiros e madeireiros é fruto da falta de comprometimento com os grupos mais vulneráveis deste país. A concessão à invasão em nossas florestas públicas e em territórios indígenas está sendo agravada exponencialmente no atual governo pela negligência da sociedade e, principalmente, dos representantes políticos que pautam o direito e a democracia.
*Indígena do Povo Puri, historiadora e militante das causas dos povos originários.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse e Camila Maciel