Desde o final de março, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) colocou em debate a necessidade de um Plano Safra Emergencial voltado à produção e abastecimento de alimentos. A proposta, que prevê um investimento de R$ 54 bilhões ao longo de 14 meses, aponta a necessidade de formação de estoques de alimentos, ações de reforço no abastecimento de água e o incentivo à geração de empregos no campo e na cidade.
O documento, que circula em diferentes me meios junto à movimentos sociais e organizações populares, vem recebendo contribuições e agregando novas propostas ao longo das últimas três semanas e tem uma nova versão veiculada nesta segunda-feira (20).
Foi construído com a perspectiva de que os trabalhadores e trabalhadoras urbanos e a população em geral tenham acesso ao alimento saudável produzido pelas diversas comunidades camponesas, quilombolas, ribeirinhas, marisqueiras, povos originários e de fundos e fecho de pasto que, por um lado, precisam da nossa redobrada atenção em tempos de crise dada suas reais condições de vida e de produção e, por outro, podem oferecer alimento de qualidade para o povo dinamizando, consequentemente, a economia local, municipal e, partir dela, toda a economia
O movimento busca com prudência e responsabilidade contribuir com a superação coletiva da pandemia causada pela covid-19, explica Leomárcio Silva, integrante da coordenação nacional do MPA. Segundo ele, os elementos reunidos no documento surgem da síntese de uma infinidade de experiências históricas da base social camponesa presente em todo o território nacional.
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Luiz Dalla Costa, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), defende a criação do Plano Safra Emergencial para produção e distribuição de alimentos de forma a garantir o abastecimento nos centros urbanos durante a crise.
“Para criar agora um Plano Safra Emergencial, nesse momento de pandemia mundial, em que se pode gerar uma crise de abastecimento de alimentos à população urbana, principalmente nos grandes centros, é fundamental uma ação articulada e organizada a partir daqueles que de fato trabalham e produzem alimentos nesse país, por isso entendemos que é justo reivindicar junto às autoridades os recursos necessários para a produção desses alimentos e a viabilização dos canais de distribuição para que cheguem até todas as famílias do meio urbano”, defende
Atualmente, os pequenos agricultores são responsáveis por 70% do alimento consumido pelos brasileiros, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês). "Hoje, no Brasil, apesar da má distribuição da terra, são milhões de pequenos agricultores e pequenas agricultoras que são responsáveis pela maior parte da produção de alimentos”, ressalta Costa.
Razões e justificativas
O Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) aponta no documento que "já está expressa uma crise de abastecimento popular provocada pela covid-19", aponta que o Plano Safra é um instrumento de política pública que pode ser implementado de acordo com as prioridades e emergências e ressalta que se trata de uma sistemática já conhecida da administração do Estado e de seus agentes, tendo base legal, administrativa e operacional.
Plano Safra é o guarda-chuva para o conjunto de ações integradas para esmular a produção de alimentos e abastecimento popular, onde, ações isoladas, não terão o resultado esperado.
Para o movimento, o conjunto das medidas vai gerar postos de trabalho no campo e na cidade, à medida em que demandará equipamentos e insumos para a indústria. O MPA também destaca a necessidade de solução estrutural para o endividamento de famílias, associações e cooperativas, que são fruto da crise econômica que se abate sobre o país desde 2015.
O movimento pede moratória por 3 anos de todas as dívidas dos agricultores e das cooperativas da agricultura camponesa familiar, assim como a securitização do Plano Safra pelo Tesouro Nacional com acesso independente de restrições bancárias. Os pequenos agricultores também pedem a revogação do decreto que extingue o subsídio para a energia rural e isenção por 1 ano da tarifa de luz para as famílias incluídas no CadÚnico.
Abastecimento
O documento aponta a necessidade de estimular produção diversificada de alimentos com ênfase na transição agroecológica e da produção orgânica para garantir alimentação de melhor qualidade na mesa do povo brasileiro com reflexos positivos na saúde, na qualidade de vida e na proteção do meio ambiente.
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Para isso, os pequenos agricultores pedem a simplificação das regras sanitárias para garantir o abastecimento, assim como a simplificação da burocracia e facilitação do acesso através de organizações dos movimentos sociais e sindicais e a garantia de valor percentual para assistência técnica e para custos da liberação de crédito para as cooperativas, associações e organizações da sociedade civil.
Soberania alimentar
Os pequenos agricultores pedem a retomada imediata do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), desmontado durante o governo Jair Bolsonaro (sem partido), e a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), extinto no primeiro dia do atual governo.
O Consea, espaço de articulação entre a sociedade civil e representantes do governo na elaboração de políticas públicas de segurança alimentar, foi o nascedouro de programas como o PAA e o Programa Cisternas, que ajudaram a consolidar o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), criado em 2006 pela Lei nº 11.346.
O Relatório de Insegurança Alimentar no Mundo de 2014, elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), aponta que a articulação destas e outras políticas foi capaz de retirar o país do Mapa da Fome. Isso significa que menos de 5% da população ingere uma quantidade diária de calorias inferior às recomendadas pelo órgão.
Em 2014, quando o Brasil deixou o Mapa da Fome das Nações Unidas, 4,5% da população vivia abaixo da linha de extrema pobreza, segundo o IBGE. Em 2018 já eram 6,5%, chegando a 13,5 milhões de pessoas.
O Sisan era composto pelo Consea e pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan). Realizava a discussão participativa das políticas por meio de conferências nacionais. E era responsável pela implementação e pela gestão participativa da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em âmbito federal, estadual e municipal.
A vigência da segunda edição do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan) terminou ano passado e até agora não houve qualquer indicativo do Planalto de uma nova versão para o período entre 2020 e 2023.
O documento também pede a criação de um ministério específico que trate da produção de alimentos dos povos do campo, as águas e das florestas e das necessárias condições para isso.
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A execução e a implementação da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional eram uma atribuição do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
A pasta foi transformada em uma secretaria dentro do Ministério da Cidadania – resultado da fusão de Desenvolvimento Social, Cultura e Esportes.
Com a reforma ministerial no início do governo Bolsonaro, o Ministério da Cidadania ficou com a competência de implementar essa política por meio da Secretaria Especial do Desenvolvimento Social e apoiar a estruturação e a implementação do Sisan, de forma coordenada com a Caisan.
Composta por representantes de 20 órgãos do governo responsáveis pela implementação dessa política, a Caisan sequer teve os membros nomeados no atual governo. Um ano após a extinção do Consea, a Caisan só existe no papel. Com isso, é praticamente impossível ter um monitoramento das políticas públicas executadas na área.
A Câmara produzia a cada dois anos um relatório detalhado sobre a execução de cada um dos programas previstos no Plano, apontando dificuldades e perspectivas. Sem ela, as políticas de segurança alimentar e nutricional deixaram de ser monitoradas.
Confira a proposta de orçamento da Plano Safra emergencial com R$ 54 bilhões para a aplicação em 14 meses (de maio de 2020 a julho de 2021):
Fomento direto à produção (R$ 5 bilhões)
Retorno de 15% em produto, voltado ao campesinato empobrecido, assentados de reforma agrária, agricultores familiares, camponeses, quilombolas, ribeirinhos, povos da floresta, pescadores artesanais, povos indígenas, extravistas, quebradeiras de coco, estimulando a produção para o próprio consumo e a geração de excedentes para o consumo nos circuitos curtos.
Designação de ao menos 30% dos recursos para transição agroecológica, agroecologia e produção orgânica. Destinada a quem possui ou usa menos de 2 módulos rurais. Valor de R$ 1.500,00 a R$ 4.000,00 por família. Para aplicar diretamente na produção de alimentos básicos e na manutenção familiar.
Prazos e condições: 85% sem retorno. Pagamento de 15%, em 2 anos, em alimentos para hospitais do SUS da região, mediado por Cooperavas, Associações e Organizações da Sociedade Civil. 2% de Assistência Técnica para Cooperavas, Associações ou Organizações da Sociedade Civil com atuação no campo.
Crédito para Custeio e Invesmento pelo Pronaf (R$ 28 bilhões)
Recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para produção diversificada de alimentos, acesso à água para consumo e produção, agroindústrias, tecnologias sociais, inovações tecnológicas na direção da produção de alimentos saudáveis, florestamento e reflorestamento, agroflorestas, convivência com o semiárido, entre outros. Destinação de ao menos 30% dos recursos para agroecologia e produção orgânica.
Prazos: Custeio – 3 anos. Invesmentos – 10 a 20 anos, de acordo com a finalidade, com carência de 3 anos, taxas e rebates de acordo com a natureza das avidades e as faixas de renda dos agricultores/as.
Financiamento e crédito especial para as Cooperavas e Associações da agricultura camponesa familiar (7 bilhões)
Recursos do Pronaf e do Fundo Social do BNDES, para capital de giro, formação de estoques, logística, armazenagem, agroindústrias, custeio, investimento, aquisição de insumos e matérias primas, tecnologias sociais e inovações tecnológicas na direção da produção de alimentos saudáveis, ajudas de custo e salários. Destinação de ao menos 30% dos recursos para agroecologia e produção orgânica
Prazos: Custeio, capital de giro, salários – 3 anos. Investimentos – 10 a 20 anos, de acordo com a finalidade, com carência de 3 anos, taxas e rebates de acordo com a natureza das avidades e as faixas de renda dos agricultores/as associados.
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) - 3 bilhões
Recurso para 14 meses de formação de estoques, doação simultânea, doação de sementes, logística, equipamentos locais.
Destinação dos recursos: 1 bilhão para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab); 1 bilhão para estados e 1 bilhão para municípios.
PAA Sementes: Retomar o programa e garantir a compra e distribuição das sementes crioulas nos territórios. Priorizar alguns setores mais sensíveis e com mais problemas de estoques: trigo, arroz, milho, leite.
Programa Nacional da Alimentação Escolar (Pnae) - 5 bilhões
Passar de 30% para 50% de compras da Agricultura Camponesa Familiar.
O documento propõem ainda a destinação de R$ 1 bilhão para Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) e Assessoria Técnica, Social e Ambiental à Reforma Agrária (Ates); R$ 2 bilhões para o Programa Cisternas e R$ 3 bilhões para o Minha Casa, Minha Vida Rural.
Programa Cisternas. Valor: 2 bilhões. 8 – Minha Casa – Minha Vida Rural. Valor: 3 bilhões.
Valor: 5 bilhões. 6 – ATER/ATES, capacitação e formação. Valor: 1 Bilhão. 7 – Programa Cisternas. Valor: 2 bilhões. 8 – Minha Casa – Minha Vida Rural. Valor: 3 bilhões.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Leandro Melito e Marcelo Ferreira