Pouco mais de um mês da identificação dos primeiros casos do novo coronavírus e do decreto de emergência sanitária no Haiti, movimentos e organizações populares locais alertam sobre a incapacidade do governo de Jovenel Moïse na gestão da pandemia, agravada pela crise estrutural que atravessa o país.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a nação caribenha conta com 58 casos de covid-19 e quatro mortes. No entanto, os números oficiais podem estar distorcidos diante da falta de informações públicas sobre testes laboratoriais e locais de atendimento para a população que apresenta sintomas da doença, como denunciam os integrantes do Fórum Patriótico do Haiti em uma nota divulgada na última segunda-feira (20).
"Desde o anúncio do primeiro caso de covid-19, o Departamento de Saúde Pública divulga a contagem dos testes realizados, de casos positivos e de pessoas em quarentena. No entanto, não são oferecidas informações sobre onde se pode realizar os testes em cada estado, onde os pacientes poderiam receber atendimento médico inicial, nem para onde devem ser encaminhados os casos mais graves", expõe o documento.
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Durante a gestão de Jovenel Moïse, que assumiu a presidência do país em 2016, a maior parte do sistema de saúde do Haiti foi privatizado. O sistema público de saúde conta, atualmente, com apenas 624 leitos, 64 respiradores e 911 médicos, em um país com uma população de mais de 11 milhões de pessoas.
Trabalhadores dos hospitais públicos haitianos têm denunciado que o sistema de saúde não conta com suprimentos nem equipes suficientes para atender as vítimas do novo coronavírus.
Devido à ausência de uma estratégia de Estado para combater a pandemia, os hospitais privados do país têm rejeitado os pacientes com suspeita de covid-19.
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Para além da falta de medidas concretas para evitar a propagação do novo coronavírus, o primeiro-ministro haitiano, Joseph Jouthe, determinou a reabertura das zonas francas do país na última segunda-feira (20), retomando a atividade das empresas têxteis que fabricam os insumos de saúde utilizados no país e nos EUA. Desta forma, centenas de trabalhadores voltaram a ocupar seus postos de trabalho, uma política que contraria as recomendações da OMS para combater o vírus.
Segundo o Fórum Patriótico, que reúne mais de 60 organizações populares, entre urbanas e camponesas, a reabertura das zonas francas no Haiti é resultado da pressão que os Estados Unidos exercem sobre o país caribenho através da aliança com o governo local.
"A gravidade deste fato dá visibilidade às prioridades do governo, que coloca a economia acima das vidas humanas destes trabalhadores, que trabalham nas mesmas condições de antes da pandemia. Sem máscaras, luvas ou distanciamento social, a vida destes trabalhadores haitianos está sendo sacrificada para abastecer o mercado de saúde norte-americano", analisa Camille Chalmers, economista que integra a Plataforma Haitiana pela Defesa de um Desenvolvimento Alternativo (PAPDA).
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A influência dos Estados Unidos no Haiti também tem aumentado o risco de contágio devido às deportações de haitianos e haitianas ilegais no país norte-americano, que concentra o maior número de casos do novo coronavírus no mundo, com 847 mil casos e 47 mil mortes.
Na última terça-feira (21), o Haiti recebeu 129 cidadãos deportados pelos Estados Unidos. Um dia antes, o primeiro-ministro haitiano havia confirmado que, entre as 68 pessoas deportadas pelo país norte-americano anteriormente, três estavam infectadas com o novo coronavírus.
Neste contexto, as organizações haitianas organizaram comitês de solidariedade, realizando campanhas para informar à população sobre as medidas que devem ser tomadas para evitar o contágio. E, ao mesmo tempo, exigem que o governo "reforce a saúde pública do país, de modo que qualquer pessoa infectada possa ser atendida", como afirmam em nota.
No entanto, integrantes da Brigada de Solidariedade do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no país fazem um alerta para a histórica incapacidade do Estado haitiano de oferecer respostas rápidas e efetivas diante de epidemias como a cólera, que deixou um saldo de mais de 10 mil mortes e 800 mil infectados no país.
Edição: Luiza Mançano