Congresso

Parlamentares de oposição rechaçam possível retorno de conteúdo da MP 905

Especialistas apontam que Constituição veta reedição da matéria no mesmo ano, mas tema pode retornar via projeto de lei

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Líder do governo, Major Vitor Hugo (PSL-GO), em debate com parlamentares na Câmara durante sessão virtual de votação - Michel Jesus/Câmara dos Deputados

A intenção do governo Bolsonaro em trazer novamente à tona o conteúdo da Medida Provisória (MP) 905, a "MP do Contrato Verde e Amarelo", já é alvo de críticas de parlamentares da oposição. Motivo de intensos embates no Congresso Nacional, a proposta, que ampliava a reforma trabalhista, caducou na última segunda-feira (20) sem ser votada pelo plenário do Senado.

Em uma possível tentativa de manobra e diante da ausência de uma articulação política que garantisse apoio majoritário à MP, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) revogou a medida no dia do vencimento, mas anunciou, na mesma data, que irá tratar novamente do assunto em outro texto.

Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), uma das principais opositoras da MP no Congresso, a eventual reedição do texto seria “uma afronta” ao Poder Legislativo.

“Quando o Congresso deixa caducar uma medida, ele está se posicionando sobre ela. Então, quando o governo não respeita o posicionamento do Parlamento e tenta insistir naquilo que já foi negado pelo próprio Parlamento, ele revela mais uma vez a sua verve autoritária da busca de poderes absolutos pra impor a sua lógica genocida ao conjunto do país”, critica Kokay.

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Para a parlamentar, o momento exigiria do Poder Executivo a adoção de medidas de natureza distinta da MP 905. “O governo deveria estar discutindo como utilizar ainda mais os instrumentos que o Estado tem, as suas empresas. O DataPrev, por exemplo, que estava sob ameaça de privatização, tem sido fundamental para os auxílios emergenciais, os bancos públicos, enfim. O governo teria que pensar outras coisas, utilizar os instrumentos estratégicos pra trabalhar em um plano de desenvolvimento nacional, e não tentar se aproveitar do momento de angústia para retirar mais direitos, fazendo uma dicotomia que é absolutamente falsa entre emprego e direitos”, defende.

Embate

Após um duro embate com lideranças da oposição, a MP 905 foi aprovada no plenário da Câmara dos Deputados no último dia 15, mas não teve a mesma adesão no Senado, onde pelo menos seis partidos (MDB, PSD, PT, PDT, PSB, Pros e Cidadania) impuseram entraves que frearam as tentativas de negociação da tropa de choque do governo.  

A rejeição veio após forte articulação conjunta de centrais sindicais, movimentos populares e entidades que reúnem juristas. Os três segmentos questionavam diferentes itens do texto, como a imposição de um teto salarial para os funcionários admitidos sob o regime do “Contrato verde e amarelo”, a liberação de trabalho aos domingos e feriados para algumas categorias, entre outros. “Ela era praticamente a terceira reforma trabalhista em 15 meses”, disse, na última segunda-feira (20), o senador Paulo Paim (PT-RS), ao mencionar a questão.

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Levando em conta o cenário de rejeição à medida, o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) acredita que o anunciado retorno do conteúdo da matéria ao Legislativo não deve ocorrer sem uma forte oposição de diferentes parlamentares.     

“Se a matéria não foi aprovada, é porque eles não conseguiram uma articulação que tivesse força para aprovar. Não existe possibilidade de ela retornar sem um amplo processo de resistência, então. Quando uma MP caduca, ela caduca não exclusivamente porque não houve tempo de apreciação, e sim por uma decisão política. Também não vejo nem condições legais para uma reedição da matéria, mas nós vamos estar preparados para o que for necessário”, antecipa.  

Jurídico

A controvérsia sobre uma possível reedição da MP envolve questões relativas à Constituição Federal. Mestre em Poder Legislativo, o analista do Senado Danilo Morais explica que o Artigo 62 da Carta Magna veta a prática diante de medidas que tenham sido rejeitadas ou que tenham perdido eficácia por vencimento do prazo. A norma foi incorporada à Constituição por meio de uma emenda aprovada em 2001, após a reedição frequentemente desse tipo de dispositivo por parte de diferentes governos.

A iniciativa era vista por parlamentares como algo de caráter autoritário, por isso resultou na alteração constitucional. Morais aponta que a leitura parte do entendimento de que as MPs são expedientes legislativos de caráter excepcional, por isso devem ser evitadas e se justificam somente em casos de urgência e  relevância.

“Diante disso, o presidente só pode reeditar essa MP [905] na próxima sessão legislativa, que é o equivalente ao ano legislativo. Então, ele só poderia reeditar a partir do ano que vem, e essa reedição é proibida no todo e também em partes, ou seja, não poderia o presidente pinçar alguns pontos dessa MP que perdeu eficácia e juntar com alguns outros ingredientes para dar um ar de que não é a mesma medida. O Supremo também já rejeitou esse estratagema, que foi tentado por outros presidentes”, assinala o analista.

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A estratégia de revogar a MP 905 na última segunda-feira (20), que teria sido sugerida a Bolsonaro pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também não livraria o texto do impedimento sobre a reedição. Esse entendimento é destacado, por exemplo, em um parecer produzido nesta quarta-feira (22) pela Consultoria Legislativa da Casa a pedido do gabinete do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Em 23 páginas de exposição, o consultor Paulo Fernando Mohn e Souza sublinha, entre outras coisas, que a possibilidade de reedição já foi rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) mesmo no caso de eventual revogação do texto em questão, como fez o presidente Bolsonaro.

“Tal vedação incide na sessão legislativa em que a medida provisória antecedente tenha sido revogada, rejeitada ou tenha perdido a eficácia por decurso de prazo. Não importa também se a MP nº 905, de 2019, foi editada na sessão legislativa passada, mas sim o fato de que foi revogada na presente sessão legislativa, de modo que até o final dela não poderá haver sua reedição”, frisa o parecer.

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O analista Danilo Morais explica, no entanto, que o conteúdo pode retornar à cena em outro formato. O regramento vigente no país permitira a iniciativa por meio de um projeto de lei (PL), que o chefe do Executivo teria a prerrogativa de enviar ao Congresso Nacional para tramitar em caráter de urgência.

“O regime de urgência faria com que ele fosse apreciado muito rapidamente, mas com diferença em relação à MP, porque um projeto de lei, como o próprio nome já diz, é só o projeto, então, ele não entra imediatamente vigorando dentro do sistema jurídico. O Congresso teria que, primeiro, aprovar pela Câmara e, depois, pelo Senado, para só então o texto surtir todos os efeitos”, expõe Morais.  

Edição: Vivian Fernandes