Imagine ficar sem nenhuma fonte de renda ou de garantia de alimentação em meio à crise econômica e sanitária que o país enfrenta? Essa é a situação de quase 4 mil famílias atingidas pela Vale em São Sebastião das Águas Claras, conhecido como Macacos, distrito de Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG). Desde fevereiro de 2019, quando as sirenes da barragem B3/B4, da Mina Mar Azul, tocaram, a rotina dessas famílias tem sido de incerteza e medo.
Com o risco iminente de colapso da estrutura, a economia do distrito, que era baseada no turismo, foi à ruína e milhares de famílias perderam sua fonte de renda. Com isso, em maio de 2019, as famílias atingidas conquistaram, junto ao Ministério Público de Minas Gerais, o direito de receber da mineradora um voucher alimentação no valor de R$ 20 por refeição. Por semana, cada atingido recebia, em média, R$ 280.
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Vale expõe atingidos
No dia 20 de março, em meio à pandemia, as coisas mudaram. Sob a alegação de que se deveria evitar aglomerações, a Vale modificou a forma de conceder o benefício. O voucher foi substituído pelo auxílio emergencial. Com a mudança, veio o recadastramento das famílias e mudanças nas regras para concessão do auxílio. O benefício passou a ser escalonado de acordo com a idade: um salário mínimo por adulto, meio salário para adolescentes e um quarto do valor para as crianças.
:: Crianças de Macacos, em Nova Lima (MG), estão sem aulas desde fevereiro ::
Uma moradora, que preferiu não se identificar por medo de represália da empresa, explica que o recadastramento, além de complexo, obrigava os moradores a saírem do isolamento para conseguir atender às solicitações do documento. "Era um formulário gigante, detalhado que exigia, por exemplo, CPF das crianças. Todos os pais da região tiveram que procurar os Correios para emitir o documento, lá ficou lotado. Além disso, a gente tinha que imprimir o formulário, preencher, escanear e enviar para a Vale por email", relata.
Danuza Borges Gomes, outra moradora, relata que precisou montar em casa um centro de ajuda às famílias, porque muitos vizinhos não estavam entendendo e nem conseguindo preencher o formulário. "A Vale dificulta demais a vida da gente, mente, engana. Tem famílias aqui que estão passando fome. Nós estamos doando o pouco que temos para os outros que estão em situação ainda pior. Eu sinceramente não sei como vai ser daqui a um mês", conta. Danuza está há 33 dias sem receber qualquer auxílio da empresa. Hoje ela sobrevive com o apoio da irmã e com a cesta básica fornecida pela prefeitura da cidade à filha dela, que é estudante.
Sem renda há um mês
Pelo acordo firmado com o MP, a mineradora tinha um prazo de até cinco dias, após o cadastramento, para conceder o benefício e 30 dias para realizar o pagamento de todas as famílias cadastradas. O prazo expirou na última segunda-feira (20), e apenas 2% das famílias conseguiram acessar o auxílio. Um levantamento feito pelos próprios atingidos aponta que mais de 54% dos cadastros sequer foram registrados e ainda estão em análise.
Na família de Natália Marvila Wander, são quatro pessoas. O primeiro auxílio caiu apenas no dia 22. Com as contas atrasadas, ela espera conseguir manter a casa até receber os demais benefícios, que ainda não têm previsão para serem liberados.
"Esse mês eu contei com a ajuda da minha mãe porque, senão, eu teria passado muita dificuldade. A gente ficou entregue ao deus-dará, sem ajuda e sem satisfação. A gente liga e as respostas são sempre as mesmas, mas não resolvem", desabafa.
Questionada pela reportagem, a mineradora não se posicionou até o fechamento desta matéria.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Joana Tavares