Agricultores familiares ainda esperam que medidas emergenciais anunciadas pelo governo federal para enfrentar a crise do novo coronavírus saiam do papel e cheguem ao campo, afirmam movimentos agrários do país.
Promessas como investimentos nos programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) – para compras de produtos dos agricultores –, além da criação de linhas de créditos especiais, esbarram na falta de regulamentação e de condições para execução.
“Mesmo agora em um momento de pandemia, de crise, você vê muito anúncio de medidas por parte do governo, mas medidas vazias. Vazias no aspecto de não ter indicação de fontes reais, de recursos. Ou seja, o governo não está mexendo, efetivamente, no cofre”, pontua Marcos Rochinski, coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Familiar no Brasil (Contraf).
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Um dos anúncios foi o de investimentos imediatos de R$ 500 milhões para o PAA, feito pela ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em 8 de abril. A medida, porém, ainda não tomou forma. Só em 15 de abril o ministério oficializou a criação de um comitê gestor para organizar as compras. A regulamentação para a execução, no entanto, ainda não foi publicada.
Sem a publicação das regras, os agricultores não sabem como o investimento pode beneficiá-los. “Só a regulamentação vai nos dar a condição de avaliar melhor. Esse recurso vai ser tratado pelos governos estaduais e prefeituras, outra parte para o cooperativismo e outra parte para a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento]. Tem que aguardar a regulamentação para ver como a gente entra nessa história”, afirma Aristides dos Santos, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
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O PNAE também tem problemas de execução. Em 7 de abril, o governo assinou uma lei que autoriza a distribuição de alimentos adquiridos com recursos do programa para pais ou responsáveis dos estudantes das escolas públicas de educação básica. O problema é que a gestão desses recursos é feita por estados e municípios, que não têm conseguido operacionalizar as compras e a distribuição.
Segundo o presidente da Contag, estados como Bahia, Pernambuco e Piauí relataram que não têm conseguido fazer as compras e a distribuição em meio à pandemia. “Eles estão no confinamento e, agora, vão ter que montar toda a operação para fazer a logística. Uma coisa é o governo passar no cartão, R$ 50, R$ 70, R$ 100 para a família dos estudantes. Outra coisa é ele levar toda semana, todo mês, uma cesta básica. Ele tem que ter uma logística para aquisição e outra para distribuição”, explica Santos.
Créditos especiais
Outro anúncio do governo que poderia ajudar os agricultores familiares é a criação de uma linha de crédito emergencial para custear a produção de hortigranjeiros, floricultura, aquicultura, pesca e leite diante da pandemia.
O valor disponibilizado é de até R$ 20 mil por pessoa, mas a taxa de juros é de 4.6%, maior do que os juros da taxa Selic, atualmente de 3.75%. Além disso, não há participação do Tesouro Direto nos riscos – ou seja, bancos teriam que assumir os riscos em caso de inadimplência. Para o presidente da Contag, o crédito é inviável para a maioria dos agricultores.
“Você está dizendo que lançou o crédito, mas o trabalhador não vai acessar. Por dois motivos: um que o banco não vai fazer e, no que o banco topar fazer, o trabalhador vai ter dificuldade de pagar o juro maior. Se acessar, não parece tão emergencial assim, porque isso não é juro emergencial. Juro emergencial é juro zero, é rebate para incentivar o pagamento com adimplência. Isso é emergencial”, define Santos.
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Para Alexandre Conceição, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o atraso do governo em operacionalizar as medidas pode levar a população à fome. “É um governo que fica fazendo medidas vazias, sem levar em consideração que a barriga do povo também está vazia”, afirma o sem-terra.
“A roça tem seu tempo de produção. Você tem que arar terra, botar semente, aguar, esperar crescer. Se você passa do tempo da safra, só esperar daqui a quatro, cinco, seis meses. A agricultura não pode esperar. Como também a fome não pode esperar por um governo incompetente que só faz anúncios fictícios’, reclama Conceição.
Edição: Vivian Fernandes