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“Leitos para Todos” pede que UTI particular faça parte da gestão SUS durante pandemia

Objetivo é fazer com que o poder público faça a gestão de toda a rede hospitalar do Brasil

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Campanha tem embasamento jurídico legal para realizar o pedido. Em outras países, medidas semelhantes foram feitas - Para cada leito per capita disponível para o SUS, existem cerca de 4 disponíveis para os planos de saúde
Objetivo é fazer com que o poder público faça a gestão de toda a rede hospitalar do Brasil

Diante do avanço da pandemia de covid-19 pelo Brasil, o sistema de saúde pública de Manaus, Macapá, São Paulo, Fortaleza e Palmas está próximo do colapso, de acordo com estudo feito por pesquisadores da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo (EESC/USP), Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Universidade Estadual Paulista (Unesp-Bauru) e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

A fotografia do colapso se revela na falta de leitos de Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs). No Hospital Emílio Ribas, referência em infectologia, uma pessoa só pode ser internada em UTI caso alguém que já está internado tenha alta ou venha a falecer.

Nesse cenário, para diminuir a pressão sobre o sistema público de saúde, nasceu a campanha Leitos para Todos, cujo objetivo é fazer com que o poder público passe a fazer a gestão de toda a rede hospitalar do Brasil, incluindo a rede privada, durante a pandemia do novo coronavírus.

No manifesto, as organizações afirmam que pedem “utilização, controle e gerenciamento pelo poder público de toda a capacidade hospitalar existente no país de forma emergencial, especialmente leitos de internação e UTI de hospitais privados e planos de saúde, para o tratamento universal e igualitário dos casos graves da covid-19″.

Leonardo Mattos, um dos coordenadores da campanha, afirma que apesar do Direito à Saúde estar assegurado pela Constituição Federal como um direito universal, há uma “segmentação na população entre aqueles que têm plano de saúde e aqueles que usam o SUS”. 

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De acordo com levantamento realizado pela Agência Estado no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do portal Datasus, o SUS oferece somente 44% dos leitos de UTIs existentes em todo o país. Essa parcela é utilizada por 75% da população.

O restante, cerca de 25% dos indivíduos brasileiros, tem acesso aos leitos da rede privada de saúde, que somam 56% do total de leitos. O estudo considerou os leitos de UTI adultos e pediátricos, excluindo os neonatais.

Como afirma Mattos,“essa estrutura de desigualdade faz com que haja uma concentração muito maior de recursos na parcela da população que tem plano de saúde do que naquela que usa exclusivamente o SUS, que é a maioria da população”, afirma Mattos.  

Os números indicam que para cada leito per capita disponível para o SUS, existem cerca de 4 disponíveis para os planos de saúde. No contexto da pandemia, esse cenário se torna “muito mais alarmante, perigoso e dramático”. “Isso quer dizer que as pessoas que têm plano de saúde terão uma chance quatro vezes maior de ter o leito de UTI caso venham a ter um caso grave de covid-19", afirma.

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Diante da situação “dramática”, Mattos destaca que o objetivo da campanha é justamente ampliar a capacidade de resposta do sistema de saúde. "Que o poder público requisite os leitos privados e faça uma gestão única desses leitos para atender a toda a população, que não haja discriminação segundo a capacidade de pagamento, afinal de contas a saúde é um direito de todos e é um dever do Estado", pontua.  

O que a legislação diz?

A campanha parte da premissa constitucional de que os governos federal, estaduais e municipais possuem o direito e o dever de requererem equipamentos, serviços e profissionais da rede privada de saúde para serem alocados no SUS, em momentos de calamidade pública, a exemplo da pandemia do novo coronavírus. Caso isso ocorra, o Estado deve indenizar o setor privado posteriormente.

No artigo 5º e inciso 25 da Constituição Federal, cujo conteúdo estabelece que, “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”. O mesmo é estabelecido pela Lei nº 8.080, de 1990.

Segundo o texto da ação, o inciso 2 do artigo 23 da Constituição determina que “compete a todos os entes da federação, nas suas respectivas esferas administrativas, intervir na propriedade privada, de maneira razoável e proporcional, a fim de concretizar o direito fundamental à saúde, à vida e à igualdade”. 

A Lei 13.979, de fevereiro deste ano, que estabelece medidas no combate ao coronavírus, também diz que “para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas: requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa”.

No dia 31 de março, representantes do Psol entraram com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para determinar que o poder público passe a administrar, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), os bens e serviços do setor privado de saúde durante a pandemia de coronavírus no Brasil. No dia 3 de abril, no entanto, em decisão monocrática, o ministro Ricardo Lewandowski negou o pedido. 

Iniciativas semelhantes foram adotadas em outros países, como Itália, Espanha e Estados Unidos. No primeiro, houve a estatização provisória de fábricas de remédios. Na Espanha, dos hospitais. Nos EUA, o presidente Donald Trump recorreu ao Ato de Produção de Defesa para obrigar que as empresas Ford e GM produzam imediatamente respiradores artificiais. “Isso não é nada absurdo”, defende Leonardo Mattos.

Edição: Leandro Melito