O pedido de demissão de Sérgio Moro foi o gatilho para novas denúncias que envolvem a família Bolsonaro em atuações com a milícia, tentativa de controle de forças policiais e de influência em processos judiciais. Ao sair do comando do Ministério da Justiça, Moro relatou que Jair Bolsonaro (sem partido) tentava obter informações e interferir em investigações da Polícia Federal.
De lá para cá, denúncias sobre apurações que envolvem os filhos do capitão reformado começaram a ser divulgadas. Um exemplo são as investigações da PF, conduzidas pelo Supremo Tribunal Federal, que envolvem o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) em um esquema criminoso de propagação de notícias falsas. Segundo o jornal Folha de São Paulo, o inquérito sigiloso aponta o vereador como um dos líderes do grupo que age para intimidar e ameaçar autoridades públicas na internet. A PF também investiga a participação do deputado federal Eduardo Bolsonaro no esquema.
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Além disso, o site Intercept divulgou informações de que o senador Flávio Bolsonaro (sem partido) financiou a construção de empreendimentos imobiliários da milícia com dinheiro público. Segundo o veículo, uma investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro aponta que o senador recebe lucros pelos projetos. Ambas as denúncias fariam parte das motivações para as tentativas de controle da Polícia Federal e de interferência em processos judiciários por parte de Jair Bolsonaro.
O sociólogo e cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paulo Baía lembra que a atuação parlamentar da família Bolsonaro sempre teve como característica a defesa acrítica de corporações como a Polícia Militar, principal foco de formação das milícias. Baía ressalta que as práticas da família têm origem em uma característica comum da criminalidade no Rio de Janeiro, que hoje é presente também em outros estados como Bahia e Espírito Santo.
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O professor cita estudos realizados por colegas de UFRJ que ajudam a caracterizar a penetração desses grupos criminosos no Rio de Janeiro, como a tese do professor Michel Misse, do programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, sobre a atuação dos bicheiros, que demonstrou a existência de uma estrutura que perpassava as polícias, o poder municipal, o poder estadual e o judiciário.
Outro estudo destacado por Baia, do professor do departamento de Ciências Sociais José Cláudio Souza, trata mais especificamente sobre os desdobramentos dessas relações criminosas na ação, sobretudo, da Polícia Militar.
"Fica tênue e divisão entre lícito e ilícito. Os agentes públicos dão cobertura ao ilícito e essa cobertura, mediante o recebimento de favores e de dinheiro, se desdobra da ação direta dos agentes das forças oficiais. O agente público tem uma mercadoria política, tomando a denominação do Michel Misse, para vender. Ele tem a proteção e vai além: tem a autoridade de controlar o território das posturas municipais, das regras estaduais e das leis constitucionais. A partir daí ele faz o controle de tudo o que pode virar mercadoria política, seja lícito ou ilícito.”
Os agentes públicos dão cobertura ao ilícito e essa cobertura, mediante o recebimento de favores e de dinheiro, se desdobra da ação direta dos agentes das forças oficiais.
Milícias e a política
O professor ressalta que a partir do início dos anos 2000 esses grupos começam a conseguir eleger candidatos para câmaras municipais e assembleias legislativas. A partir daí, passam a influenciar também as nomeações de comandantes da Polícia Militar. O risco agora, na opinião de Baía, é de que esse tipo controle do poder de estado esteja sendo levado para a esfera federal.
“Você começa a perceber exportação desse modelo por contaminação para o Nordeste, para estados da região Sul, para o Centro – Oeste. O Governo Federal sempre foi uma peça que se tornava antagônica a essa dinâmica. A partir de Michel Temer, você tem uma flexibilização disso.”
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O sociólogo José Claudio Souza, especialista em violência urbana e que também atua na UFRJ, ressalta que a relação entre política e crime organizado sempre existiu no Brasil. Ele explica que os grupos de extermínio como operam hoje foram instituídos no Brasil ainda durante a ditadura militar e sempre operaram dentro do estado. As milícias são a face mais atual deste modelo.
“O projeto do Jair Bolsonaro já é um projeto que sinaliza discursivamente esse ponto. Ele sempre sinalizou dentro da sua plataforma. Você pode ir aos discursos dele enquanto deputado federal. Ele faz declarações públicas de apoio à lógica do extermínio, à lógica do bandido bom é bandido morto. Esse é um discurso que fundou a prática ilegal, assassina e criminosa da extrema direita no país desde a ditadura. Esse grupos não foram debelados. Mesmo em governos do PT não foram colocadas medidas que colocassem limites. Esses grupos nunca se sentiram realmente ameaçados.”
Ele [Jair Bolsonaro] faz declarações públicas de apoio à lógica do extermínio, à lógica do bandido bom é bandido morto. Esse é um discurso que fundou a prática ilegal, assassina e criminosa da extrema direita no país desde a ditadura.
PF no caminho
Ainda de acordo com o professor, um eventual controle sobre investigações da Polícia Federal intensifica as pretensões de um projeto político intimamente ligado à violência urbana, a grupos de extermínio e ao crime organizado.
“Nessa conjuntura, o vínculo com o governo federal que altera a configuração da estrutura da Polícia Federal - que teria um papel importante nesse combate - é decisivo. Agora você tem como aplacar qualquer tipo de esforço que limite essa estrutura criminosa de funcionamento. Esse passo dado na direção do maior controle sobre a atuação da Polícia Federal é uma senha para as polícias estaduais, onde essa relação com grupos de extermínio existe a cinco décadas. A senha é: pessoal, está liberado.”
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Sérgio Moro deixou o ministério após a demissão do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. Segundo o ex-ministro, a intenção de Bolsonaro seria colocar no lugar dele alguém que facilitasse o acesso a informações internas da Polícia Federal. O nome mais cotado até o momento para substituir Valeixo é o de Alexandre Ramagem, atual diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e ex-chefe da segurança de Bolsonaro em 2018, durante a campanha eleitoral. Ramagem é próximo da família Bolsonaro e amigo do vereador Carlos Bolsonaro.
Edição: Rodrigo Chagas