Resultados preliminares de pesquisa realizada pela Internacional de Serviços Públicos (ISP) indicam que a maioria dos profissionais de saúde que estão na linha de frente no combate à pandemia de coronavírus não está recebendo as condições adequadas para se prevenir do contágio da doença.
Além da falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), médicos, pessoal de enfermagem e demais integrantes das equipes de atendimento ainda enfrentam longas jornadas de trabalho e não recebem hospedagem adequada para cumprir o distanciamento devido, expondo também suas famílias ao risco de contaminação.
Com cerca de 2,280 milhões de trabalhadores em todo o Brasil, profissionais de enfermagem são o maior grupo profissional a lidar com a doença. A categoria é composta por 85% de mulheres, e três em cada quatro são técnicos ou auxiliares de enfermagem, segundo dados do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen).
Em debate realizado pela TVPT, no Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho, celebrado nesta terça-feira (28), o médico René Mendes, presidente da Associação Brasileira de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Abrastt), destacou que essas mulheres do setor de enfermagem estão submetidas a uma “superposição de riscos”.
“São as mesmas que moram na periferia e têm de tomar duas ou três conduções até chegaram aos hospitais. Na volta para casa, enfrentam ainda dupla ou tripla jornada. São geralmente pobres, (grande parte são) afrodescendentes”, destacou. Não é só a questão da falta de EPIs, que é dramática. Essa é uma expressão da forma como a classe trabalhadora é tratada”, afirma.
Mendes defendeu uma “mudança de referencial” que possibilite a valorização desses profissionais, não apenas durante o combate à pandemia, mas após o retorno à normalidade.
Além de melhores salários, ele pregou uma “inversão na pirâmide de prestígio social” para que o trabalho de mulheres como as que compõem a categoria dos enfermeiros receba o devido reconhecimento.
Dados
Segundo o levantamento da ISP, 45% dos profissionais de saúde afirmam não ter máscara de proteção fornecida pela unidade onde trabalha.
Dos que receberam, 62% dizem não ter vindo uma quantidade suficiente, sendo obrigados a reutilizar o mesmo equipamento por longos períodos. A maioria (64%) também diz não ter recebido treinamento sobre o uso adequado dos EPIs.
Ampla maioria (93%) afirma reflete a ausência de oferta de hospedagem pelo empregador, seja da rede pública ou privada. Obrigados a retornarem a suas casas, elevam o risco de contaminação dos próprios familiares. Pouco mais de um terço (36%) disse ainda estar trabalhando 12 horas ou mais por dia. Dos pouco mais de 2 mil trabalhadores que responderam à pesquisa, 87% trabalham diretamente na área da saúde, sendo 78% mulheres.
Notificação
A médica Jandira Maciel, professora de Medicina Preventiva e Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também destacou que o impacto da pandemia sobre as classes sociais e profissionais “não é democrático”.
“Os trabalhadores da enfermagem no Brasil, assim como em países como China e Itália, são a categoria ocupacional mais atingida pela doença e pelos óbitos. Em segundo lugar, vem os médicos, principalmente os intensivistas e anestesistas, aqueles que estão na lida com pacientes graves, com maior carga viral”, afirmou a médica.
Ela cobrou que o Ministério da Saúde passe a considerar que a covid-19, quando detectada em um profissional do setor, passe a ser tratada como uma doença relacionada ao trabalho – ou seja, que a contaminação tenha tido relação com a sua atividade profissional – incluindo a ocupação e o ramo de atividade da pessoa acometida pela doença.
Atualmente, o formulário pergunta apenas se a pessoa trabalha no setor de saúde ou segurança.
“No entanto, se observarmos os boletins periódicos divulgados pelo Ministério da Saúde, essas variáveis nem são apresentadas. Podemos ler como a pouca importância sanitária que o MS está dando para a questão do trabalho e da ocupação como elo importantíssimo na manutenção da transmissibilidade dessa gravíssima doença”, criticou.
MP 927
O presidente da CUT-RJ e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS-CUT), Sandro Cezar, reagiu com indignação à Medida Provisória (MP) 937, editada pelo presidente Jair Bolsonaro no mês passado, que estabelece que trabalhadores dos setores de saúde e segurança terão que comprovar “nexo causal”, no caso de serem contaminados pelo coronavírus, para que a infecção seja considerada doença ocupacional. Projetos de Lei (PLs) apresentados pelos deputados Benedita da Silva (PT-RJ) e Alexandre Padilha (PT-SP) pretendem corrigir essa e outras “injustiças”.
Cezar destacou a pesquisa da ISF como uma oportunidade para ouvir os trabalhadores da saúde que estão diante do atual desafio. Além das variáveis materiais, relativas aos EPIs, por exemplo, o questionário virtual também aborda questões sobre o sofrimento psíquico a que estão expostos os profissionais.
“Hoje é possível inferir que quase 80% das pessoas que trabalham na saúde são mulheres. Ao fim do dia de trabalho, precisam voltar para a casa, podendo ser agentes de transmissão do vírus. É um fator de desassossego muito grande. Muitas vezes essas mulheres são as únicas mantenedoras dos seus lares. Têm que cuidar da família e do trabalho”.