A pandemia da covid-19 revelou ao mundo a completa debilidade do capitalismo como forma de organização econômica da sociedade pós-moderna. Mesmo diante de toda a riqueza acumulada pela exploração da força do trabalho por séculos (e, neste século XXI, com mais intensidade, por meio da precarização e desmonte das estruturas sociais, antes oferecidas como forma de proteção ao cidadão), o capitalismo não apresenta à humanidade saídas para controlar o vírus, que circula livre pelo mundo matando milhares de pessoas.
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Além disso, mesmo com o suporte político conferido pelo liberalismo, o sistema capitalista mostra-se incapaz de proporcionar a necessária segurança à maioria esmagadora das pessoas, que sofrem violência e opressão diárias e não encontram condições justas de trabalho nem de vida digna, que lhes proporcione um mínimo de felicidade.
A situação é a mesma, seja nos países que se denominam ricos e desenvolvidos ou nos que são forçados ao eterno subdesenvolvimento, apesar de geográfica e culturalmente muito ricos, como, por exemplo, o Brasil e diversos países africanos, possuidores de riquezas minerais em abundância.
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O que se vê pelo mundo é a crise de representatividade das instituições liberais, cujos titulares dos cargos públicos não atendem às demandas sociais; some-se a isso a total desordem humanitária e a ampliação da violência estatal, imposta para manter os mais pobres sob controle estrito, de forma a não se rebelarem contra os pouquíssimos ricos.
Estes, que constituem menos de 1% da população, mantêm intactas as suas riquezas, acumuladas mediante o sacrifício de 99% das pessoas, que trabalham e pagam tributos regressivos sobre produtos e serviços consumidos no seu dia-a-dia, sem que nada seja revertido em seu benefício.
Tudo isso ocorre porque o capitalismo forjou os mecanismos estatais que nos dirigem, de tal forma que diversos órgãos são constituídos para assegurar a estrutura de poder em favor de uma minoria.
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Sem trabalhar, esse pequeno grupo de indivíduos detém em suas mãos o controle dos meios de produção, que não existiriam sem a criação efetiva pelas mãos e pelo suor de milhões de trabalhadores(as) que, cada vez mais, nada recebem na partilha das riquezas geradas pela exploração do seu trabalho, criando-se, assim, um cenário de brutal injustiça global.
Neste contexto, o capitalismo necessita criar, dentro da organização estatal, estruturas que impeçam quaisquer “rebeliões das massas”, que se tornam hostis e tomadas pelo ódio, mas seguem sem a percepção crítica e emancipadora do poder de sua força quantitativa, por ausência de organização e lideranças para conduzi-las.
Assim, principalmente nos países periféricos (cujas populações são as mais exploradas), a estrutura estatal é conduzida pela classe dominante, que não é necessariamente formada por burgueses, sendo integrada também por descendentes de senhores feudais, donos de grandes extensões de terras e aristocratas, que controlam a burocracia e empregam a utilização de forças militares para reprimir e manter a população sob controle.
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Sendo assim, o regime autoritário é comum nestes estados de organização econômica capitalista; e não se furta de utilizar – sempre que considera necessário – a suspensão dos direitos civis e a imposição de restrições, seja por meio de intervenções nas entidades estatais federativas e administrativas ou pela decretação de estado de sítio ou estado de defesa.
Mas o capitalismo também se utiliza, fundamentalmente, de ditaduras “preventivas”, que aparentemente coexistem com o funcionamento das frágeis instituições liberais de governo e da organização social e política, como o parlamento e o judiciário, autorizando até mesmo a existência de partidos políticos e sindicatos.
Essas estruturas, porém, mostram-se fracas e desarticuladas para o enfrentamento ao estado de exceção, que se constrói, inclusive, mediante o apoio espiritual dos meios de comunicação social, que transmitem para a população uma falsa impressão de normalidade em relação aos métodos de violência física e moral empregados contra indivíduos e grupos.
Geralmente, nestas “ditaduras preventivas” capitalistas os militares assumem os papeis e atividades que, numa ordem democrática de fato seriam conduzidas por civis; desviam-se, assim, de suas funções preponderantes, apresentando-se sempre prontos para garantir a ordem repressiva, se necessário, em favor dos donos do capital.
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A eleição de Bolsonaro para presidente do Brasil foi a grande oportunidade que os militares encontraram de se unirem e chegarem ao poder por meio do voto, sem precisarem dar um clássico golpe de estado, custoso às instituições políticas liberais.
Cumpre não esquecer que, para atingir esse objetivo, contaram com o apoio de forças imperialistas e monopolistas estrangeiras, banqueiros e empresários sem compromisso nacional, latifundiários herdeiros de senhores de escravos, pastores neopentecostais e reacionários de classe média tomados de ódio, sem mencionar as instituições que, supostamente, deveriam defender a soberania, a Constituição e o estado democrático de direito.
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Enquanto Bolsonaro diverte a sua claque e permite que um palhaço desfile no picadeiro do seu circo dos horrores, os militares da caserna transferem seus pares (da ativa e da reserva) para a ocupação do governo, assumindo diversos cargos estratégicos na administração pública, como recentemente fizeram no Ministério da Saúde, em plena crise sanitária da covid-19.
Quando a sociedade civil finalmente se der conta (o que poderá ser em breve, inclusive para o impedimento ou renúncia de Bolsonaro, se necessário), não serão mais precisos “um cabo e um soldado”, porque os militares já são os senhores do governo, num governo até aqui administrado em condomínio com os fascistas.
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Ver-se-á então que o embaixador norte-americano e o representante da União Europeia já estarão conversando diretamente com eles, decerto orientando como devem agir para manterem o golpe, iniciado em 2016, contra o Brasil e seu povo.
Tudo isto mantendo-se abertas as instituições políticas, que farão (como já vêm fazendo e referendando há muito tempo) todas as reformas que eles consideram necessárias contra o país e os trabalhadores; e construindo uma nova constituição, por meio das interpretações “evolutivas” do Supremo Tribunal Federal (STF), que vem demolindo, uma a uma, as cláusula pétreas da Carta Política de 1988.
Portanto, já estamos numa ditadura preventiva há muito tempo. E só não vê quem não quer que a ordem política da Nova República, que originou a Constituição de 1988, não existe mais desde o golpe de abril de 2016, que impediu Dilma Rousseff de continuar exercendo a Presidência da República, sem que ela tivesse cometido um único delito de natureza política ou jurídica; e que está sendo construída, passo-a-passo, uma nova ordem política e jurídica ditatorial, com forte viés fascista, neste momento, pelas mãos de Bolsonaro, que, diante das milhares de mortes decorrentes do covid-19, limita-se a dar de ombros e perguntar: “e daí? “
Vale lembrar que a ditadura civil-militar de 1964-1985 utilizou e interpretou ao seu bel prazer a Constituição liberal de 1946 até 1967, por meio do STF. Assim, para que haja a implantação de uma ditadura, não é preciso uma nova constituição outorgada de imediato, pois os novos donos do poder costumam valer-se das instituições políticas e jurídicas anteriores, que já foram testadas e até revelaram sua incapacidade de garantir a ordem democrática.
Como exemplo, recordemos o que ocorreu entre 1964 e 1966, quando vigorava a Constituição de 1946, reconhecida pelo Ato Institucional número 1, de 09 de abril de 1964. “Decidimos manter a Constituição de 1946, limitando-nos a modificá-la, apenas, na parte relativa aos poderes do Presidente da República", assim foi manifestado pelos usurpadores na exposição de motivos do AI -1, formalmente revogado pela Constituição de 1967, outorgada em 24 de janeiro daquele ano.
Mesmo assim, o STF permitiu abusos e perseguições políticas em favor do regime que se instalara, que expediu diversos atos institucionais (AI’s) sem respaldo do Poder Legislativo, transferiu parte da competência do Tribunal para a Justiça Militar (artigo 8º do Ato Institucional nº 02, de 27/10/1965) e afastou, por aposentadoria compulsória, alguns dos seus juízes (Evandro Lins e Silva, Vitor Nunes Leal e Hermes Lima), por consequência do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968.
"A pressão sobre os congressos se exerce em várias partes do mundo, mas, sobretudo na fase de exceção, o normal é que quando os congressos são mantidos, o são, sobretudo, para dissimular a instituição da ditadura. Os congressos permanecem destituídos da soberania de decidir, de que se investe pelos atos arbitrários o Poder Executivo, tal como no Brasil a partir de março de 1964. Aliás, em matéria de soberania, o governo é contra todas porque só admite a dele", argumentou na ocasião o então senador pelo MDB da Bahia, Josaphat Marinho.
Nesse ponto, verificamos que o atual governo vem legislando sistematicamente por meio de Medidas Provisórias e decretos, ou seja, por atos que deveriam ser adotados apenas em situações excepcionais; e tudo isso se dá com a anuência do Congresso Nacional e do STF.
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As próximas semanas no Brasil serão decisivas, uma vez que está clara a existência de um confronto aberto entre o Supremo Tribunal Federal e o atual ocupante da cadeira da chefia do Poder Executivo, que parece não contar mais com o apoio dos meios de comunicação nem do seu amigo do Norte, que já diz em alto e bom som que o Brasil é um péssimo exemplo de administração da crise sanitária da covid-19.
Diante disso, os militares podem tentar aproveitar-se da ocasião para assumirem o poder por meio do vice-presidente ou outro componente da caserna, dentro de uma ditadura preventiva construída num longo percurso, durante o qual ameaças militares dirigidas contra o STF foram utilizadas para impedir o presidente Luís Inácio Lula da Silva de disputar a eleição presidencial de 2018, na qual seria o vencedor e, assim, interromperia o curso golpe dado em 2016.
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Por tudo o que foi demonstrado, é necessário que as forças populares, progressistas e nacionalistas se organizem e busquem o apoio da sociedade para restabelecer a democracia, exigindo novas eleições para reconstruir as instituições políticas, a fim de que defendam a soberania popular e a retomada do desenvolvimento do país.
*Jorge Folena é advogado e cientista político
Edição: Leandro Melito