Uma notícia percorreu o mundo nos últimos dias. Angela Merkel faz um chamado à reconstrução verde após a crise do coronavírus. Esta foi a declaração da ministra alemã no Diálogo de Petersberg, um encontro sobre a crise climática que, desde 2010, é realizado anualmente e reúne ministros do meio ambiente de 30 países, assim como líderes diplomáticos, empresariais e de organizações civis. Merkel reiterou o compromisso da Alemanha com o Acordo de Paris e aplaudiu o plano verde da Comissão Europeia para neutralizar as emissões que contaminam a atmosfera até a metade do século. Durante o evento, Kristalina Georgieva, diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), declarou: “Se queremos que esta recuperação seja sustentável, se nosso mundo deve ser transformado para ser mais resiliente, temos que fazer tudo para que possamos promover uma recuperação verde”. Por que estas declarações? Porque as instituições de poder sabem que esta pandemia (e as seguintes) provém dos desequilíbrios ecológicos e biológicos da civilização industrial. No entanto, não é o "verde que te quero verde" originado a partir dos governos neoliberais e dos poderosos organismos internacionais, como o FMI o que marcará uma normalidade alternativa. Após a covid-19 serão necessárias mudanças radicais que superem a visão neoliberal de mundo e, cada vez mais, os cidadãos tomam consciência disso.
É neste contexto que um governo antineoliberal, como o do México, tem a magnífica oportunidade de desenhar e colocar em ação uma recuperação econômica e social diferente, fundamentada na transição ecológica, porque, como demonstramos, a saúde humana depende da saúde do planeta. A recuperação pós-neoliberal do país deve contemplar pelo menos seis transições vinculadas a alimentos, água, energia, preservação, indústrias, cidades e educação.
As pandemias são sinais de alerta sobre os desequilíbrios causados pela expansão dos sistemas industriais de produção de alimentos baseados em monoculturas, agrotóxicos e granjas (de porcos, bois e frangos) que utilizam antibióticos, hormônios e outros estimulantes químicos. Todo agrotóxico é uma arma química que, mais cedo ou mais tarde, retornará em forma de doenças. Por isso, é urgente eliminar dezenas de pesticidas, começando pelo glifosato, o veneno mais perigoso do mundo, e criar uma lei que declare o país como zona livre de cultivos transgênicos, não só de milho, mas também de soja e algodão, criar mercados locais, orgânicos e solidários de alimentos que fomentem a autossuficiência local, municipal e regional (o México já tem mais de 100 tianguis [feiras livres] ecológicos) e o fomento a cooperativas que façam chegar alimentos alimentos saudáveis aos consumidores urbanos, além de certificação rigorosa. Os problemas de obesidade, câncer, doenças cardíacas e diabetes procedem de uma indústria alimentar que domina toda a cadeia produtiva e inclui os maiores cartéis produtores de farinha de trigo e de milho (Gruma, Bimbo, Kellogg's), de carne, frango e ovos (Sukarne, Granjas Carroll, Kekén, Bachoco e Pilgrim’s), e de sementes, agrotóxicos, pesticidas e transgênicos (Bayer, Syngenta, Corteva, a fusão de Dow, Dupont e Pioneer). Já passou da hora do Estado tomar nas suas próprias mãos a alimentação dos mexicanos!
:: Artigo | Os latifundiários da pandemia, por Silvia Ribeiro ::
Um segundo tema é a transição de energias fósseis a energias renováveis. Uma coisa é atravessá-la de acordo com o modelo público-privado, baseado em empresas estatais e corporações privadas, o que reforça o controle centralizado e vertical, e outra é a via estatal, com controle societário, onde a mudança energética estaria nas mãos da sociedade e de suas redes: manejo de energia solar, eólica, hidráulica em pequena escala e com dispositivos acessíveis e baratos para casas, quadras, bairros, comunidades, municípios. Isso se chama democracia energética. Apagado pelo petróleo, ainda que este se esgotará em seus anos, até o momento não há nenhum processo ativo de transição para energias renováveis no México. O anterior fará com que o país não cumpra seus compromissos no Acordo de Paris em relação à mudança climática. Durante a transição, a Pemex [Petróleos Mexicanos] deve ser convertida em Solmex e os postos de gasolina em estações elétricas. Será preciso criar uma empresa estatal ou público-privada de veículos elétricos, aproveitando a abundância de lítio, que deve ser considerado um recurso estratégico. Da mesma forma, será necessário criar milhares de cooperativas rurais de produção de energia renovável, criando o mesmo número de empregos verdes. Assim, será criada uma rede de energia descentralizada de “prosumidor”, isto é, de consumidores que produzem sua própria energia.
*Víctor M. Toledo é pesquisador e biólogo mexicano. Atualmente, é Ministro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais do México.
Edição: La Jornada