O governo de Pernambuco em parceria com organizações populares estão distribuindo, desde segunda-feira (4), 2 mil marmitas para a população em situação de rua na Região Metropolitana de Recife, sendo mil refeições no almoço e outras mil no jantar. O projeto, que a princípio tem duração de 90 dias, envolve ainda o restaurante-escola do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e os voluntários de ONGs e movimentos que compõem o coletivo Unificados pela População em Situação de Rua (Unificados PSR).
:: Conheça o coletivo Unificados Pela População em Situação de Rua, do Recife ::
Em conversa com o Brasil de Fato Pernambuco, o secretário executivo de Assistência Social de Pernambuco, Joélson Rodrigues, conta que o estado não estava dando conta da demanda crescente. “Muitos grupos de voluntários, ONGs, movimentos que fazem atendimento à populações em situação de rua precisaram pausar suas atividades devido às restrições sanitárias”, lamenta. “Por isso foi importante que diversos coletivos da sociedade civil tenham reunido suas iniciativas no Armazém do Campo, fornecendo alimento e banhos. Ajudou bastante, porque a demanda cotidiana é crescente e não estávamos dando conta”, afirma o secretário.
O Governo do Estado tem fornecido serviços de assistência social nos Pontos de Cuidado — em funcionamento no Recife (Armazém 14, Marco Zero) e Paulista, além de Olinda e Jaboatão a serem inaugurados —, onde há distribuição de kits de higiene, acesso a banhos e alimentação. E a Prefeitura do Recife, por meio de seus restaurantes populares nos bairros de Santo Amaro e São José, tem fornecido mais de 1,5 mil refeições diárias. Nos serviços ofertados pelo poder público estão se somando voluntários do coletivo Unificados pela População em Situação de Rua (Unificados PSR), grupo que desde 2016 reúne 31 iniciativas — projetos, organizações não governamentais (ONGs), movimentos — voltados para pessoas sem teto.
:: Organizações populares fazem campanha de solidariedade com população de rua do Recife ::
Mãos Solidárias
No mencionado ponto de assistência no Armazém do Campo está o Marmitas Solidárias, composta pelo Unificados PSR, pela Arquidiocese de Olinda e Recife, Frente Brasil Popular, Novo Jeito, pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e outras organizações. Juntos, os grupos têm fornecido diariamente, há mais de um mês, cerca de mil marmitas por dia, divididas entre café da manhã e jantar, além de banhos. Os serviços são fornecidos no Armazém do Campo, estabelecimento que comercializa produtos orgânicos e agroecológicos no centro do Recife. O Marmitas Solidárias integra a campanha Mãos Solidárias, um guarda-chuva que compreende ainda iniciativas de produção e distribuição de máscaras faciais e de cestas básicas.
Um dos grupos que integra o Unificados PSR é a ONG Samaritanos, da qual faz parte Rafael Araújo. “Neste momento, nos colocamos à disposição de colaborar com as soluções que o estado estava apresentando, mas também cobramos ajuda no que estávamos ofertando”, conta Araújo. “E mesmo com essa parceria, nós enquanto sociedade civil continuamos com nossa posição e seguimos pressionando o Governo para fazer mais por essa população, principalmente em relação ao abrigamento”, garante o militante. A Prefeitura do Recife dispõe de abrigos para a população em situação de rua, mas o Governo do Estado não possui equipamentos do tipo.
Rafael Araújo conta que, das 2 mil marmitas adquiridas pelo governo, os voluntários do Unificados PSR serão responsáveis pela distribuição de mais da metade: 400 no almoço e 700 no jantar. “Não estávamos com serviço de almoço, porque no centro da cidade já há os almoços fornecidos pela prefeitura. Mas agora abrimos um novo turno nosso. Vamos distribuir noutras localidades que não o centro do Recife. Vamos de Olinda até Boa Viagem e Prazeres”, informa. O projeto envolve as secretarias estaduais de Desenvolvimento Social, Criança e juventude, a de Prevenção à Violência e às Drogas e a de Desenvolvimento Econômico.
Nos pontos de distribuição, seja os governamentais ou os voluntários, os trabalhadores da assistência social têm percebido uma demanda cada vez maior de refeições por parte de pessoas que não vivem em situação de rua. “É muito comum que no dia a dia algumas famílias de comunidades do entorno do centro busquem receber as quentinhas. Mas agora estamos vendo muita gente de bairros mais distantes, como Caxangá, Bode e até de São Lourenço [município na Região Metropolitana]”, conta Rafael. “Mas atendemos a todos. Estamos lá para as pessoas em vulnerabilidade. O foco é a população de rua, mas se alguém sai de casa, enfrenta o risco da rua, para poder se alimentar, é porque a situação está grave”, avalia.
Agravamento da crise
Com o crescimento da demanda por alimento, conta o secretário Joélson Rodrigues, o Governo contratou o restaurante-escola do Senac, cujos profissionais produzirão mais de uma tonelada de alimentos diariamente para serem distribuídos no almoço e jantar. “Os alimentos são adquiridos pelo Governo do Estado através da compra direta junto à agricultura familiar, se transformam em refeições no Senac e serão distribuídas nos serviços do governo e também pelos coletivos nos pontos onde atuam”, diz o secretário. Como são muitas refeições, a Prefeitura do Recife também destacou alguns novos pontos para haver distribuição das quentinhas. “Mesmo com vários pontos, infelizmente só vai acontecer no Recife, em Olinda e Jaboatão”, diz Rodrigues. Segundo o secretário, o deslocamento longo para outros municípios poderia comprometer as refeições. As refeições serão distribuídas de domingo a domingo e estão garantidas por 90 dias, até o início de agosto
O secretário de Assistência Social se diz ciente do crescimento repentino da pobreza. “São os impactos econômicos e sociais das medidas restritivas, que são necessárias para conter a pandemia de covid-19. Há anos temo crescido o número de pessoas sem emprego formal, que 'se viravam' prestando serviços ou no comércio, mas tudo isso está fechado. Essa população está em situação de insegurança alimentar e não vamos vetar que recebam refeições e nem criar qualquer constrangimento”, garante o secretário. Ele afirma ainda que a Prefeitura do Recife tem distribuído cestas básicas para famílias cadastradas no Bolsa Família, mas que muitas famílias que viviam do trabalho informal não recebem o benefício e agora estão sem renda.
Joélson Rodrigues lembra ainda que o atendimento à população em situação de rua sempre foi uma dificuldade pela histórica falta de atenção do poder público com a assistência social. “As políticas sociais já tem histórico de desinvestimento. O Serviço Único de Assistência Social (SUAS) já estava perto de morrer quando chegou a pandemia”, pontua, mencionando ainda os seguidos cortes e a Emenda Constitucional “do Teto de Gastos” (EC 95, ou “do Congelamento”). “Começamos 2020 sem recurso. Imagine só: sem recurso. Estávamos lutando para recompor o orçamento e não fecharmos os serviços”, admite o secretário. “E até o presente momento, maio de 2020, o Governo Federal não fez nada. Não entrou um centavo sequer para a assistência social”, reclama.
Rodrigues afirma ainda que a oferta de recursos apresentada pelo Governo Federal na última sexta-feira (1 de maio) não garante recursos para os serviços. “Os recursos são destinados a três serviços: acolhida para pessoas com deficiência, acolhida para população de rua e equipamentos de proteção (EPIs) para os trabalhadores da assistência. Sabe quanto custa para garantir cada acolhimento? Entre R$2 mil e R$2.500 por mês. Mas o Governo Federal só deu R$400 por pessoa”, reclama o secretário estadual. “Então, se o município aceitar esse recurso, vai ter que bancar do bolso o recurso restante. Mas que município tem condições?”, questiona.
:: Profissionais da saúde representam 36% dos casos de covid-19 em Pernambuco ::
O secretário executivo de Assistência Social destaca a necessidade de uma renda básica universal, um “salário” mensal mesmo para pessoas desempregadas, para que não passem necessidades. O direito já existe noutras nações. “Sei que é um tabu. Mas a partir de uma reforma tributária adequada e taxação de grandes fortunas, poderíamos garantir essa renda para a população. Esse deveria ser o foco do Congresso Nacional nesse momento, garantir uma renda básica de cidadania a todo cidadão brasileiro”, opina.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Monyse Ravena e Camila Maciel