O momento exigiu que o trabalho, mesmo sem as formalidades determinadas pelo já muito flexibilizado artigo 75A da Consolidação das Leis Trabalhista (CLT), com redação dada pela Lei 13.467/2017, respeitando-se um prazo de transição mínimo de 15 dias entre um regime de trabalho e outro, e aditivo contratual, se transformasse rapidamente em teletrabalho.
Assim, independentemente de serem dadas as devidas condições para tal aos trabalhadores, a despeito de terem equipamentos para o exercício da atividade em teletrabalho, sem considerar a existência de espaço adequado para essa tarefa, as despesas assumidas por esse regime de trabalho com os equipamentos próprios, o aumento no consumo da luz, internet, enfim - encargos que, em tese, deveriam ser suportados pelos empregadores ou pelo Estado, se servidores públicos - fomos todos conduzidos compulsoriamente ao regime de teletrabalho.
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O trabalhador vive de sua força de trabalho, razão pela qual jamais deveria ser ele a suportar essas despesas. É preciso lembrar que teletrabalho não é só a mudança do lugar de prestação de serviços mas, acima de tudo, é necessário combater a falácia que o teletrabalho é uma ‘generosidade’ do empregador que tem o trabalhador como único beneficiado.
Lançando luz sobre os fatos, a verdade é que o teletrabalho é um meio de impor jornadas de trabalho ainda mais exaustivas, sem uma regulamentação que proteja a pessoa trabalhadora minimamente, e sem fiscalização das condições de trabalho, aproveitando-se o empregador da desordem entre o espaço de labor e o lar.
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Nem todos tem espaço adequado para essa forma de prestação de serviços, em especial num momento de confinamento social, onde seu espaço e tempo precisam ser divididos com as crianças, com as tarefas domésticas, e atenção a idosos.
A divisão dessas tarefas dedicadas à mulher então, associadas ao teletrabalho, num país onde culturalmente não há divisão social do trabalho doméstico, é matéria que merece reflexão à parte.
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Porém, em uma certa medida, tendo sido uma boa parte da sociedade alçada a essa forma obrigatória de prestação de serviços, o teletrabalho, pela primeira vez, está sendo desmascarado.
Passa a ser visto pelo que realmente é, uma falta de alternativa, um modelo muito aquém do desejável e inadequado para boa parte dos trabalhadores, que agora enfrentam as dificuldades da violação de seu espaço e tempo privado sendo absorvidos pelo trabalho, além de toda a desproteção jurídica desse regime.
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Esse confinamento súbito, além de desmistificar o teletrabalho, também veio desconstruir alguns temas que parte dessas categorias sociais, agora elevadas à categoria de teletrabalhadoras, se deixavam seduzir por determinados discursos.
Um desses temas se refere à ilusão do homeschooling como modelo educacional, com a transferência da responsabilidade da educação formal também para a família.
A família que agora se vê nessa obrigação enfrenta a mais difícil das tarefas e empresta mais importância do que nunca ao profissional e à escola capacitada para esse compromisso educacional.
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Também o momento revive a valorização sem precedentes da importância do investimento na ciência, e voltada ao interesse público; da necessidade do fortalecimento e autonomia de um sistema público de saúde; na importância da universidade pública; e a importância da previdência social pública, universal e solidária, para amparo dos cidadãos na terceira idade.
Nunca antes essas questões, sempre tratadas de forma conceitual, foram transformadas tão concretamente em necessidades como agora, de uma forma que a sua revalorização apareça com tanta clareza e obviedade na nossa sociedade.
*Lara Lorena Ferreira, advogada trabalhista e sindical, integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD)
Edição: Leandro Melito