Experiência exige olhar crítico entre o saber de quem participa da manifestação e quem é de fora
Você conhece o Cavalo Marinho? — não pense no animal. Naturalmente, se você não for da Zona da Mata, da região que Pernambuco se encontra com a Paraíba, você pode não conhecer. Isso porque o Cavalo Marinho é uma expressão mantida entre gerações. É algo que surgiu de um encontro de culturas iniciado no período colonial, e hoje representa um patrimônio local.
O Cavalo Marinho conta com 76 personagens e um enredo que dura uma noite inteira. É um teatro mas é muito mais que isso. É uma história que traz personagens e animais reais e fantásticos também. E tudo isso se encontra para representar o universo canavieiro. As passagens contam com música, teatro, dança e poesia para retratar a realidade histórica da zona da mata.
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Fabio Soares, hoje com 37 anos, é artesão e figureiro de Cavalo Marinho. Quando criança, ele buscava alguma brecha para participar de Cavalo Marinho, isso driblando a vontade do próprio pai, que proibia o filho de brincar Cavalo Marinho antes dos 18 anos.
“Eu não sei explicar o que era que me chamava tanto para aquilo. É uma coisa que eu sempre tentei buscar entender, mas não só de participar. De ficar ‘o que é isso?’ Quando eu entro, eu percebo um outro mundo onde você começa a discutir quando adolescente, como sobre realidade, sociedade, machismo, preconceito, racismo, e em casa que se começa a tratar sobre esses temas, mas não com esses termos, e se deparar com isso na brincadeira”, lembra.
Apesar de chamar de “brincadeira”, Fábio questiona este termo. Isso porque, por um lado, participar da uma “brincadeira” pode soar como algo convidativo, por ser simples. Por outro, a simplicidade tem um tom crítico oriundo da colonialidade no Brasil, que tende a desmerecer culturas que não sejam europeias, explica Fábio.
A educadora e parteira Helena Tenderini pesquisou sobre Cavalo Marinho e identificou como esta expressão sofreu uma forte influência das pessoas externas a essa experiência. O que foi tão forte capaz de dar uma definição para algo que não nasceu para se enquadrar.
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"Como os termos que são colocados pela grande mídia e por pessoas alheias à brincadeira interfere internamente. E assim muitos termos acabaram sendo assimilados pela brincadeira porque a grande mídia falava. Então se falava de ‘brincante’, mas as pessoas que são de Cavalo Marinho e brincam não se chamavam de ‘brincantes’. Depois as pessoas passaram a assumir esse termo, mas é um termo externo, uma categoria estrangeira. É só um exemplo de como o que está fora não só interfere, mas modifica o que está dentro. E como essa relação também se dá de mão dupla" explica.
A professora doutora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Auxiliadora Martins, coordena atividades de extensão com Cavalo Marinho. Ela explica que esse espaço é muito importante por criar um local de discussão de tudo que Fábio e Helena comentaram. A professora defende que falar sobre o Cavalo Marinho é não se limitar a dizer que é uma cultura, mas sim um encontro de culturas, vindas dos povos originários do Brasil e de outros trazidos para cá
eu não chamo de popular, mas de afro-brasileira, por perceber que a capoeira, o afoxé, o maracatu e o cavalo de marinho se constituem num conjunto de manifestações que foram influenciadas e constituídas desde o período do Brasil Colônia até os dias de hoje, com forte presença e contribuição dos povos africanos na diáspora
“Atividades que são culturais, e culturais científicas, porque nesses projetos temos orientado inúmeros trabalhos de conclusão de curso discutindo a educação das relações étnico-raciais. Então estar aqui e participar de uma cultura que eu não chamo de popular, mas de afro-brasileira, por perceber que a capoeira, o afoxé, o maracatu e o cavalo de marinho se constituem num conjunto de manifestações que foram influenciadas e constituídas desde o período do Brasil Colônia até os dias de hoje, com forte presença e contribuição dos povos africanos na diáspora” defende a professora.
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Além da questão de negritude, a proposta da professora Auxiliadora Martins é inserir a presença das mulheres no Cavalo Marinho. As atividades do projeto de extensão citado prevêem uma apresentação de Cavalo Marinho com protagonismo de mulheres.
Edição: Lucas Weber