Depois de ter convocado imprensa e apoiadores do governo para um churrasco com “mais de mil convidados”, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), publicou mensagem neste sábado (9), por meios de suas redes sociais, em que afirma ser “fake” o convite para o evento. Na mesma publicação, o presidente da República chama jornalistas de “idiotas” por terem noticiado seu anúncio, e ironiza medida da organização Movimento Brasil Livre (MBL), que entrou com ação na Justiça pedindo o cancelamento do evento.
Com intenção irônica ou não, a fala do líder do executivo é mais uma na lista de manifestações que incentivam o fim do isolamento social, prerrogativa recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), para todos os países durante a pandemia. Anteriormente ele já havia chamado a pandemia de “gripezinha”, de “fantasia da imprensa”, e chegou a defender a volta à normalidade em pronunciamento oficial e em visita ao Supremo Tribunal Federal (STF), na companhia de ministros empresários, no última quinta-feira (7).
Além de proferida no mesmo dia em que o Brasil bateu recorde no número de vítimas de covid-19, entrando na lista dos 6 países que ultrapassaram a barreira dos 10 mil mortos, a fala de Bolsonaro acontece no momento em que crescem os números de casos de festas particulares sendo organizadas para propagar a infecção para, supostamente, gerar imunização, nos Estados Unidos. As chamadas de “festas covid-19”, tem sido alvo de preocupação de autoridades do Departamento de Saúde no estado de Washington, que afirmou que alguns dos 100 casos registrados na região são resultado de contaminações ocorridas nessas festas.
A ideia de imunização em grupo, ou imunização de rebanho, defende que expondo parte da população à infecção, em determinado momento alcança-se uma porcentagem de pessoas imunizadas, o que barraria a disseminação da infecção para não infectados. Também chamada de isolamento vertical, essa foi a estratégia adotada pelo Reino Unido no início da pandemia e até hoje aplicado também pela Suécia. Os resultados das estratégias não foram muito positivas em ambos os casos: o primeiro país voltou atrás na escolha da medida após o número de casos crescer exponencialmente, e o segundo possui hoje a taxa de mortalidade mais alta da Escandinávia.
Para o médico sanitarista e pneumologista, Alberto Araújo, a imunidade de rebanho só faz sentido quando inserida em uma lógica de tratamento com vacinas, como, por exemplo, nas campanhas de vacinação contra o sarampo, caxumba e poliomielite. “Sem vacina, a imunização por rebanho não é, por definição, uma medida preventiva. Não vai trazer nenhum benefício, pelo contrário, vai agravar a situação que nós já estamos vivendo. Do nosso ponto de vista é uma calamidade isso, um absurdo disseminar que as pessoas devem ter contato com o vírus.”
Outro argumento para a não utilização da estratégia é o fato de que não existe confirmação de que o contato com o vírus gere imunização. Não há comprovação científica de que uma pessoa, uma vez curada do coronavírus, não possa vir a se infectar novamente. “Em uma pandemia, ainda mais de um vírus debutante como o da covid-19, é difícil se prever o curso da evolução da epidemia. Muito do que avaliamos ontem já não é válido hoje. Veja por exemplo a cloroquina, que hoje não está sendo mais utilizada porque pode trazer mais gravidade no cenário, inclusive levar à morte. Então, é difícil prever exatamente o que vai acontecer até a gente ter um conhecimento maior sobre o comportamento do vírus”, afirma Araújo.
Para o especialista, mesmo a ideia de que os mais jovens não sofreriam tanto os efeitos do coronavírus, está se mostrando equivocada. Ele lembra que no Brasil, pessoas entre 30 a 49 anos estão se infectando e tendo uma frequência de complicações maior do que esperado. “Propor que as pessoas combinem pela internet para se encontrarem em suas casas e condomínios, com a suposta intenção de adquirir imunidade, na verdade não é uma imunidade de rebanho, é uma contaminação de rebanho. Uma atividade inconsequente, desumana e suicida”, alerta o médico.
Para ele, as medidas que estão sendo preconizadas pela OMS, até o momento, são as mais adequadas. “O distanciamento social, horizontal, é que fez achatar um pouco essa curva da epidemia onde foi adotado. Quanto menos gente tiver circulando, estiver exposta para se contaminar, será menor [o contágio]. Aí teremos condições de o sistema de saúde responder a uma demanda cada vez mais crescente das vítimas dessa doença. Não temos que buscar a imunidade através dessa experiência suicida catastrófica e leviana de se expor ao vírus”, conclui Araújo.
Edição: Mauro Ramos