No dia 10 de maio de 1986, naquele ano véspera de Dia das Mães, a luta pela terra fez mais um mártir no Brasil. Com 33 anos, o padre Josimo Morais Tavares, então coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Araguaia-Tocantins – conhecida como “CPT do Bico”, foi assassinado por fazendeiros contrários ao seu trabalho junto a famílias na região. Chamado pelos agricultores de “padre negro de sandálias surradas”, ele se tornou um dos maiores mártires da luta pela terra no Brasil.
O padre que expressou sua religiosidade em defesa do povo excluído da região e enfrentou poderosos vivia sob constantes ameaças. Era perto do meio-dia de um sábado, quando Josimo subia as escadas da CPT, em Imperatriz (MA), e foi alvejado por dois tiros. O disparo saiu da arma de um pistoleiro chamado Geraldo Rodrigues da Costa, a mando de fazendeiros e empresários do campo. Geraldo foi preso cerca de um mês após a execução, os mandantes foram presos no decorrer dos anos.
A professora Maria Perpétuo Socorro Oliveira Marinho e uma amiga de Josimo, Maria do Amparo Gomes Cardoso, foram as pessoas que primeiro prestaram socorro ao padre baleado. Duas horas depois, já no hospital, ele falecia. Mas sua luta não terminou por aí. Hoje, seu nome está em acampamentos de sem-terras, assentamentos de reforma agrária, ocupações urbanas, comunidades eclesiais de base, escolas e ruas. Sua inspiração segue viva no coração de milhões que lutaram e lutam pela libertação dos pobres, pela distribuição de terra e contra o latifúndio.
“Se eu me calar, quem os defenderá?”
Algumas semanas antes do assassinato, Josimo havia sofrido um atentado à bala. Firme na luta e ciente das ameaças, pronunciou um belíssimo testamento espiritual e profético durante a Assembleia da Diocese de Tocantinópolis (MA), no dia 27 de abril de 1986.
“Pois é, gente, eu quero que vocês entendam que o que vem acontecendo não é fruto de nenhuma ideologia ou facção teológica, nem por mim mesmo, ou seja, pela minha personalidade. Acredito que o porque de tudo isso se resume em três pontos principais:
– Por Deus ter me chamado com o dom da vocação sacerdotal e eu ter correspondido.
– Pelo senhor bispo, D. Cornélio, ter me ordenado sacerdote.
– Pelo apoio do povo e do vigário de Xambioá, então Pe. João Caprioli, que me ajudaram a vencer nos estudos.
“O discípulo não é maior do que o Mestre. Se perseguirem a mim, hão de perseguir vocês também.” Tenho que assumir. Agora estou empenhado na luta pela causa dos pobres lavradores indefesos, povo oprimido nas garras dos latifúndios. Se eu me calar, quem os defenderá? Quem lutará a seu favor? Eu pelo menos nada tenho a perder. Não tenho mulher, filhos e nem riqueza sequer, ninguém chorará por mim. Só tenho pena de uma pessoa: de minha mãe, que só tem a mim e mais ninguém por ela. Pobre. Viúva. Mas vocês ficam aí e cuidarão dela. Nem o medo me detém. É hora de assumir. Morro por uma justa causa. Agora quero que vocês entendam o seguinte: tudo isso que está acontecendo é uma consequência lógica resultante do meu trabalho na luta e defesa pelos pobres, em prol do Evangelho que me levou a assumir até as últimas consequências.
A minha vida nada vale em vista da morte de tantos pais lavradores assassinados, violentados e despejados de suas terras. Deixando mulheres e filhos abandonados, sem carinho, sem pão e sem lar. É hora de se levantar e fazer a diferença! Morro por uma causa justa”.
Documentário
A história de vida e luta do Padre Josimo virou filme no documentário “Josimo – O Padre negro de sandálias surradas”, realizado pelo Instituto Cultural Padre Josimo em parceria com a Cáritas Brasil. O audiovisual foi lançado nas celebrações da Semana Social da Terra e das Águas Padre Josimo de 2016. Realizado entre os dias 9 e 15 de maio na região do Bico do Papagaio, Norte do Tocantins, o evento relembrou os 30 anos do assassinato do padre, morto em 1986 por pistoleiros, a mando de fazendeiros da região.
Assista:
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko