Em pleno pico de contaminações por covid-19 em todo o Brasil, grupos de empresários de Pernambuco continuam pressionando o governo estadual pela reabertura do comércio, em especial na Região Metropolitana de Recife. Na contramão da tentativa de reabertura, o governo de Pernambuco, acompanhando a decisão de estados como o Ceará e Maranhão, anunciou, nessa segunda (11), o "isolamento social rígido" em Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe, e São Lourenço da Mata.
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A pressão dos empresários pernambucanos se estende desde março, quando as medidas de isolamento social foram adotadas no estado.
No dia 12 de março, uma quinta-feira, o Governo de Pernambuco confirmou os primeiros casos de pacientes com coronavírus no estado. Cinco dias depois, na terça (17), já estavam confirmados os primeiros casos de contaminação comunitária, fazendo o número total de casos confirmados chegar a 19 no estado. Naquela mesma semana, o governador Paulo Câmara (PSB) determinaria, para todo o estado, o fechamento de todo o comércio não essencial. A medida tinha validade até 17 de abril, mas já era previsível sua prorrogação — e desta vez sem prazo para reabertura.
Após sete semanas de lojas fechadas e um número crescente de demissões e violações do decreto estadual, o presidente da Fecomércio-PE, Bernardo Peixoto, em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco, classificou o quadro atual como “desesperador para a grande maioria dos pequenos empresários do Brasil, especialmente no Nordeste”. A entrevista foi concedida no dia 27 de abril.
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Bernardo elogia a disposição do Governo Federal ao anunciar medidas de crédito, mas alerta que elas não têm sido efetivas para quem mais precisa. “Tem crédito através da Caixa, Banco do Brasil, BNB, mas o difícil é chegar na ponta. O levantamento do Sebrae informa que 60% das empresas estão tendo seus pedidos de crédito negado”, alerta Peixoto. “E olha que isso são as empresas que ainda não fecharam, porque esse estudo mostra que mais de 600 mil empresas já quebraram nessa pandemia”, lamenta. Por isso, os empresários do comércio local têm aumentado as cobranças sobre o Governo de Pernambuco para que se estabeleça um cronograma de reabertura gradual das lojas. “Temos que preservar a saúde e o emprego. Só não acho que o retorno será imediato”, diz o empresário.
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Ainda no fim de março, a Fecomércio apresentou propostas já visando a reabertura, como o funcionamento em dias alternados e com 50% dos funcionários.Tentando não soar insensível ao quadro de pandemia, Peixoto pontuou que sua demanda não é por reabertura imediata, mas que haja um calendário passível de modificação. Ele considera que quando se aponta um horizonte para a retomada, com normas, as aberturas ilegais e as violações do decreto podem diminuir. Ele diz, ainda, que os comércios das periferias, em sua maioria, são o que garante o alimento nas mesas de seus proprietários. A situação é similar para grande parte dos comércios em municípios do Agreste e Sertão. “São dezenas de milhares de pequenas empresas. Elas não aguentam passar muito tempo sem produzir”, pontua o empresário.
Reabrir agora "seria um absurdo"
A médica sanitarista Tereza Lyra, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professora da Universidade de Pernambuco (UPE), discorda frontalmente da proposta do empresário. “Reabrir o comércio nesse momento seria absurdo. E com a rede de saúde sobrecarregada, significa ampliar a disseminação nessas comunidades e aumentar a mortalidade”, diz ela, lembrando o número de mortes diárias no estado e o momento de chegada do vírus nas periferias. “Propondo abrir o comércio onde a população é mais vulnerável”, afirma, incrédula.
Na opinião da pesquisadora Tereza Lyra, a Fecomércio deveria usar sua influência e articulações nacionais para cobrar Brasília por medidas efetivas. “Poderiam pressionar o Governo Federal para liberar crédito para os pequenos comerciantes. A postura deveria ser a de repúdio a essa dificuldade de acessar o auxílio, situação que tem exposto a população a uma profunda humilhação de ficar em filas, se contaminando, porque precisam do auxílio”, critica Tereza Lyra. Ela concorda com a proposta da entidade empresarial apenas num ponto: a necessidade de regulamentação daquilo que é serviço essencial. “Uma feira pública é essencial? Se sim, eu tenho que estabelecer regras de funcionamento dessa feira, se na entrada vai haver higienização, quantidade de clientes por barraca. O mesmo deve haver para supermercados, farmácias”, destacou.
A Fecomércio-PE enviou à imprensa, nesta segunda (11), um documento produzido pela Confederação Nacional do Comércio tratando da flexibilização das atividades do comércio e uma sugestão de cronograma para a retomada. O cronograma não possui propostas de datas, mas diz ser “baseado em modelos já implementados no Brasil”. Ele sugere uma retomada em quatro etapas – e só a última etapa da retomada inclui serviços como academias de ginástica (“com 50% de sua capacidade”) e salões de beleza, ambos inseridos pelo presidente Jair Bolsonaro na lista de “serviços essenciais” nesta segunda.
Negociações
Desde o início de março o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDEC) e da agência AD Diper, tem mantido reuniões semanais com representantes de setores empresariais da agricultura, indústria, comércio e serviços. Às reuniões se somou — de maneira não remunerada — a consultoria corporativa internacional Deloitte, que tem escritório no Recife. O grupo tem somado dados e contribuído para a análise e tomada de decisão.
Em entrevista à Rádio Jornal no fim de abril, o secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, Bruno Schwambach afirmou que “não dá para achar que vamos girar a chave do dia para a noite e tudo voltar a ser como era”. Ele afirmou que a retomada tende a ser pela construção civil. “Provavelmente não conseguiremos retomar todo o comércio de uma só vez. Vamos estudar para ver o que podemos começar a flexibilizar para ter alguma atividade econômica”, pontuou.
Mesmo apontando a necessidade de cuidados, Schwambach afirma que alguns pontos já estão acordados para essa retomada. “É preciso uma programação para essa retomada gradual, com uma série de cuidados, para evitar picos de aglomeração e contaminação. Já estamos avançados em alguns protocolos sobre como será esse retorno em alguns setores”, disse o secretário. “Mas o 'quando' vai depender de outros dados, da confirmação de casos, óbitos, leitos disponíveis”, informou.
Normalidade em 2021?
Questionado sobre as expectativas para o próximo período, o presidente da Fecomércio diz não esperar a volta à normalidade este ano. “Talvez em 2021 voltemos a ter 80% do que tínhamos antes da pandemia. A não ser que surja uma vacina, o que é difícil”, lamenta o empresário. “É importante entender que mudou tudo. É o 'antes do coronavírus' e o 'depois do coronavírus'. Muitas empresas adotaram serviços de entrega por internet, delivery. A pandemia vai acelerar isso no Brasil. Até supermercado e hortifruti terá vendas online”, aposta.
Os trabalhadores
Se os empresários do comércio estão se queixando, a sorte dos funcionários é ainda pior. Muitos foram demitidos. E os que estão trabalhando, estão submetidos a um nível alto de estresse e exposição à doença. Boa parte sequer recebe equipamentos básicos de proteção como máscaras ou álcool em gel, em desacordo com o decreto estadual do último dia 23 de abril.
Além disso, o Sindicato dos Empregados do Comércio do Recife (SECRecife) usou suas redes sociais para criticar a postura de seus patrões, os Dirigentes Lojistas (organizados no Sindlojas Recife, filiado à Fecomércio). Segundo os trabalhadores, o Sindlojas tem orientado os empresários do comércio celebrarem termos aditivos e convenções coletivas de trabalho em vigor através do sindicato patronal.
A postura estaria em desobediência à liminar do Supremo Tribunal Federal em resposta à ADI nº 6363, na qual o ministro Ricardo Lewandowski indica que acordos de redução salarial ou de jornada de trabalho, assim como de suspensão contratual, todas previstas na Medida Provisória 936, só têm validade após manifestação do sindicato profissional (o sindicato dos trabalhadores), que é o SECRecife. “Lamentável que tenham essa conduta num momento de dificuldades para empresários e empregados. Promovem ações que tumultuam e causam instabilidade na relação de trabalho”, se queixa o sindicato dos empregados.
O lockdown (fechamento total)
Chegou-se a especular que o governador poderia decretar lockdown – ou fechamento total – ainda esta semana para algumas regiões do estado, o que não ocorreu. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) também moveu uma ação civil pública pedindo na Justiça de Pernambuco (TJPE) que desse início a um lockdown, implantando regras rígidas para circulação de pessoas e veículos, além de multas para quem violasse a medida. Mas o pedido foi negado pelo TJPE. A decisão caberá ao governador ou a prefeitos. Estados como Maranhão e Pará já adotaram o dispositivo nas suas regiões metropolitanas.
O Ceará adotou medidas mais rígidas de isolamento social na região metropolitana de Fortaleza. E nesta segunda-feira (11) foi a vez do Governo de Pernambuco endurecer o isolamento social, que passa a valer a partir desse sábado (16) em cinco municípios da Região Metropolitana do Recife. A medida prevê uso obrigatório de máscara para todas as pessoas em vias públicas, rodízio de carros e 34 pontos de fiscalização espalhados por Recife, Olinda, Jaboatão, Camaragibe e São Lourenço da Mata.
Medidas adotadas ainda não configuram um lockdown, mas este parece ser inevitável, ao menos na avaliação de Tereza Lyra. “Não existe vacina, não foi descoberto um medicamento eficaz. A única forma que o mundo inteiro tem adotado é o isolamento: quanto mais radical, mais efetivo”, afirma a médica, que também sugere medidas. “Deveria haver bloqueio de acessos intermunicipais e interestaduais, para evitar que o interior seja ainda mais contaminado pelo Recife”, diz ela, sugerindo ainda o reforço nas medidas sanitárias em ônibus e terminais integrados de passageiros.
A principal sugestão é sobre a garantia do isolamento nas periferias. “Seria importante a realização de testes para identificar as pessoas com poucos sintomas e levá-las para ficar isoladas em leitos que fossem instalados em equipamentos públicos já existentes, como escolas”, propõe. “Evitaria que essas pessoas ficassem em seus domicílios, onde normalmente não podem ficar isoladas. E caso ficassem em estado grave, seriam direcionadas para os leitos hospitalares. Seria uma quarentena intermediária para os assintomáticos”, completa.
Esta proposta e as anteriores são do grupo Rede Solidária em Defesa da Vida, integrado pela pesquisadora e outros profissionais de saúde, além de defensores públicos e de Direitos Humanos, comunicadores e assistentes sociais que têm se dedicado a pensar caminhos para reduzir o impacto da pandemia em Pernambuco. Para Tereza Lyra, só é possível um “lockdown” se este for acompanhado de ações direcionadas para a população das periferias. “É a única forma de impactarmos o crescimento em ritmo tão rápido dessa epidemia. Precisamos retirar as pessoas das ruas, nunca uma flexibilização. Não é o momento de fazer isso. E tenho certeza que o Governo do Estado não vai tomar essa atitude”, conclui, confiante.
O prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), em pronunciamento divulgado na última sexta-feira (8), mencionou de maneira elogiosa a medida adotada noutros estados. “Já proporcionaram resultados importantíssimos. (...) O fechamento total salva vidas”, disse. “A questão é como operar esse fechamento com eficiência num país dividido e desigual. Só um decreto não será suficiente. Além da fiscalização, é essencial um engajamento maciço da população, (...) mesmo com um presidente que prega todos os dias que as pessoas devem sair”, afirmou, fustigando o Governo Federal.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vivian Fernandes e Marcos Barbosa