O impedimento do presidente deixou de ser uma opção discutível e se impõe como uma necessidade
“Se eu não for por mim mesmo, quem será por mim?
Se eu for apenas por mim, que serei eu?
Se não agora – quando?”
(Hilel, o Ancião)
No modelo brasileiro de democracia representativa, similar ao de diversos países, em que a soberania popular é exercida principalmente por meio da representação, obtida mediante eleições para os poderes Executivo e Legislativo, existe uma centena de motivos para uma posição contrária a processos de impeachment.
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Em um sistema presidencialista o impedimento tem como consequência a substituição do Chefe do Executivo, eleito pela via direta. Por outro lado, a lei federal que rege o processo é de 1950. Possui um amplo rol de atos tipificáveis como crimes de responsabilidade que, em um sistema partidário fragmentado pode ser usado por uma maioria parlamentar de forma distorcida e golpista, como foi o caso do impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Do ponto de vista das forças progressistas, tampouco são irrelevantes, do ponto de vista político, os motivos para contestar um pedido de impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido).
Ele possui, até onde se conta, número suficiente na Câmara dos Deputados para barrar a iniciativa. Uma das hipóteses que autoriza contrapor a tese é de que uma rejeição do pedido pode fortalecer Bolsonaro no cargo. A outra seria que um aceite, por outro lado, significaria que, após a crise da pandemia de covid-19 o país ficaria por, pelo menos nove meses discutindo pauta única no Congresso Nacional, o que tem o potencial de aprofundar os problemas.
E se, por hipótese, tudo der certo teremos um general 5 estrelas na presidência da República, já que no impedimento do presidente, o vice assume. Um dirigente militar após 26 anos de dirigentes civis, que poderá conduzir o país sob os mesmos enfoques de Bolsonaro, aprovando as reformas neoliberais e cerceando a participação da sociedade civil organizada. Mas com muito mais “equilíbrio emocional”.
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A questão é que Jair Bolsonaro já extrapolou todos os limites e sua corda parece possuir um tamanho que não somos capazes de mensurar. Comete, dia após dia, uma quantidade de atos desviantes e passíveis de enquadramento como crime de responsabilidade. Não permite que haja um só dia para que se respire um ambiente de paz política no país. Impõe um tensionamento interminável, uma crise permanente, ora com os demais poderes, atacando os presidentes das Casas legislativas e ministros do Supremo Tribunal Federal, ora com os entes federativos, hostilizando os governadores ou, ainda, com a oposição em enfrentamento direto com qualquer um que exercite o direito de crítica. Isso tudo fora o relacionamento agressivo e autoritário com a imprensa.
Em paralelo, Bolsonaro governa para os seus e usa como nenhum outro político, as redes sociais, sobretudo o Twitter. Insufla seus seguidores a atacar adversários políticos, reais ou imaginários. Compartilha fake news em suas redes sociais, quando não as cria.
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A democracia representativa tem como bases, entre outras, a soberania popular, o sufrágio universal, a observância à Constituição, a separação dos Poderes, a igualdade de todos perante a lei, a adesão ao princípio da fraternidade social, a limitação das atribuições dos governantes garantidas pelos controles que um poder exerce sobre os outros, a temporariedade dos mandatos eletivos. Bolsonaro já descumpriu boa parte desses princípios em vários momentos desde que assumiu a presidência da República.
No período mais recente, os ataques ao isolamento social como medida para conter o avanço da pandemia, tratando a doença covid-19 de forma irresponsável como “gripezinha” ou “resfriadinho”, Bolsonaro criou novos focos de conflitos, inclusive internos, acarretando a troca do ministro da saúde e gestando seu maior isolamento político desde a posse. De pronunciamentos oficiais desastrados, desqualificando as medidas de contenção do vírus, a passeios de final de semana em Brasília e participação em atos com pautas antidemocráticas, ele foi perdendo aliados e se afastando de outros. Mesmo diante desta situação, segue fazendo deboche, como convocar um churrasco para 30 pessoas no Palácio da Alvorada, que depois diria ser fake news da imprensa, no dia em que o Brasil ultrapassava os 10 mil mortos pela doença pandêmica.
Por derradeiro, e super relevante, caso haja comprovação dos fatos alegados por Sérgio Moro, ao pedir demissão do cargo de ministro da pasta da Justiça e Segurança Pública, nos autos do inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal, de que teria indevidamente tentado interferir na Polícia Federal para proteger interesses particulares, Bolsonaro também será acusado de crime comum.
Com o agravamento da crise, já são mais de trinta pedidos de impeachment apresentados na Câmara dos Deputados, por partidos, coletivos, indivíduos.
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Para as forças democráticas da esquerda brasileira, partidos, entidades, movimentos, a despeito de todas as questões acima pontuadas que mostram razões sensíveis contrárias ao impedimento, o pedido de impeachment deixou de ser uma opção discutível e se impõe como uma necessidade. O parlamento, onde estão os outros representantes do povo legitimamente eleitos, precisa tomar posição acerca da conduta do dirigente da nação. As condições jurídicas, essas estão dadas há algum tempo. As condições políticas, essas precisam ser construídas. O passo primeiro é apresentar o pedido. O momento é agora.
Edição: Rodrigo Chagas