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"São crimes de guerra", definem especialistas sobre sanções contra Cuba e Venezuela

A guerra pode ser feita de vários meios. As sanções econômicas têm matado muita gente

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No enfrentamento à covid-19, Cuba já enviou equipes de profissionais de saúde para 23 países - AFP
A guerra pode ser feita de vários meios. As sanções econômicas têm matado muita gente

Segundo a Convenção de Genebra de 1949, qualquer política que cause danos coletivos a uma população devem ser classificadas como crimes de guerra. 

É dessa forma que muitos especialistas da geopolítica mundial classificam as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos a países como Coreia do Norte, Irã e Síria, que se acentuaram a partir da Lei de Combate a Adversários Americanos por Sanções (CAATSA), de 2017, causando violações e desumanidades.

Na América Latina, as sanções econômicas têm dois focos centrais: Cuba e Venezuela, países historicamente antagônicos aos interesses imperialistas dos Estados Unidos na região.  

Confira o BdF Entrevista dessa semana com os especialistas dos dois países, que compõem o Especial Sanções e Pandemia, organizado pelo Brasil de Fato em meio à cobertura do coronavírus

Na Venezuela são 145 medidas unilaterais desde 2015 -  quando o país foi declarado uma ameaça pelo então presidente Barack Obama.

A partir de 2018, com Donald Trump, as restrições se tornaram mais drásticas. Bens do governo venezuelano nos Estados Unidos foram confiscados e qualquer empresa que realizasse transações com o setor público venezuelano passaria a sofrer represálias. 

Estima-se perdas de aproximadamente US$ 114 bilhões de dólares, segundo levantamento da organização não governamental venezuelana Sures.

“Quando a gente fala guerra, a gente está acostumado a imaginar um avião soltando bomba, mísseis, ou exércitos contra exércitos se confrontando, nossa imagem de guerra é essa. Agora a guerra pode ser feita de vários meios, por vários mecanismos. As sanções econômicas tem matado muita gente”, define Edson Bagnara, do Comitê Brasileiro pela Paz na Venezuela. 

Já no caso cubano, a ilha sofre um bloqueio total desde 1962, que até março do ano passado, segundo o Ministério de Relações Exteriores de Cuba, causaram danos de 138,8 bilhões de dólares. Em novembro do ano passado, a Assembleia Geral da ONU condenou pela 27ª vez consecutiva, o bloqueio a Cuba.

Com Jair Bolsonaro (sem partido), o Brasil, pela primeira vez na história, se juntou a Israel e Estados Unidos nos votos contrários a condenação. Foram duas abstenções.

“São crimes de guerra, deveriam ser tratados dessa forma. Existe uma certa banalização sobre a questão do bloqueio. Ainda que todos os anos Cuba leve para a ONU aquele documento e os países aprovem, ainda que você tenha a maioria dos países se posicionando contra, do ponto de vista prático e efetivo, não existe nenhum movimento dos países capitalistas em romper de fato com o bloqueio”, analisa Vivian Mendes, do Movimento Paulista de Solidariedade a Cuba

O ataque à economia e à soberania dos dois países se torna ainda mais perigoso em tempos de pandemia, especialmente pelos sistemas de saúde das duas nações dependerem da administração exclusiva do Estado: há uma dificuldade desproporcional no acesso a testes, respiradores e medicamentos, pois as regras do bloqueio americano impedem as transações.

No caso cubano, para Mendes, o impacto humanitário das sanções econômicas não afetam apenas o país socialista, mas toda a classe trabalhadora do mundo. Na opinião dela, se não fosse a organização popular e do próprio socialismo na ilha caribenha, existiriam problemas muito maiores. 

“As pessoas participam do combate à pandemia. É tarefa das pessoas. Elas são educadas e criadas e existem mecanismos de participação efetivos. Todo esse legado que a revolução deixou e que o socialismo constrói todos os dias, ele é indispensável. Cuba só faz o que faz, com as dificuldades que tem, porque é um país socialista”, afirma a jornalista. 

Mesmo diante do cenário desfavorável, Cuba e Venezuela estão hoje na vanguarda do combate à pandemia que já matou mais de 270 mil pessoas no mundo - não só pelo número reduzido de mortes e infectados, mas pelas ações de solidariedade expressivas em outros países.

Enquanto isso, países como os Estados Unidos, líder de mortes no planeta, demonstram a ineficiência de sistemas de saúde privados e falidos. 

“Cuba tem uma quantidade de médicos e estrutura muito grande para enfrentar esse problema internamente. E ainda que não tivesse, a solidariedade a outros países sempre foi o farol da revolução cubana. Essas brigadas de solidariedade são a expressão viva de que a revolução cubana é o desenvolvimento superior da sociedade e não o contrário”, afirma Mendes sobre o envio de profissionais de saúde para mais de 20 países e das brigadas de cooperação médica mantidas em  60 nações.  

Segundo a universidade americana Johns Hopkins, Cuba registra aproximadamente 20 casos diários da doença e soma 79 mortes. Já o país governado por Nicolás Maduro apresenta  a menor taxa de contágio da América Latina e apenas dez óbitos.

Para Bagnara, que é dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no país governado por Nicolás Maduro, e viveu as “guarimbas”, em 2014, e todas as tentativas recentes e fracassadas de invasão e golpe no país chavista, “ninguém consegue calcular ou estimar a resistência que está impregnada nesse povo”.  

“Não é um empoderamento só do estado. O estado coordena as ações, mas a sociedade assume as orientações e ajuda a construí-las. Através de processo organizativo onde  as pessoas se envolvem para discutir o problema do bairro, as condições de trabalho no campo da fábrica, nas escolas. É uma interação permanente entre as pessoas e o Estado. O Estado são as pessoas, e as pessoas são o Estado. É uma outra maneira de inserir os indivíduos no processo político do país”, define.

 

 

Edição: Leandro Melito e Douglas Matos