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Peruanos no Brasil e brasileiros no Peru têm dificuldades para voltar ao país natal

Cidadãos denunciam dificuldade de comunicação com consulados e embaixadas de ambos países em meio à pandemia

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Manifestantes reivindicam um voo humanitário de repatriação - Arquivo pessoal

Um grupo de peruanos, impedido de voltar a seu país por conta da pandemia do novo coronavírus, realizou uma nova manifestação na manhã da última sexta-feira (15), em frente ao edifício que abriga o consulado do Peru em São Paulo, na Avenida Paulista. Eles reivindicam um voo humanitário de repatriação, além do apoio necessário por parte das autoridades peruanas que, segundo os manifestantes, têm negligenciado esse apoio.

O fechamento das fronteiras peruanas foi declarado no dia 16 de março deste ano, quando o presidente Martín Vizcarra decretou estado de emergência como medida para conter os contágios no país.

A decisão pegou de surpresa tanto brasileiros quanto peruanos que se encontravam fora de suas fronteiras natais e que, desde então, se mobilizam para voltar a seus respectivos países. No caso dos peruanos e peruanas no Brasil, a situação parece ainda mais complicada, já que a comunicação oficial entre cidadãos e consulado não acontece de forma adequada e transparente.

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Naysha Alcántara, 25 anos, está no Brasil desde janeiro, quando chegou ao país para cumprir um tempo de intercâmbio profissional pela empresa para a qual trabalha, uma consultora de processos.

“Meu voo de retorno estava marcado para 27 de março. Não consegui voltar e tive que pedir para uma amiga brasileira para ficar em sua casa (na cidade de São Paulo). Agora estou hospedada na casa da tia desta amiga, ela está me ajudando com a comida e a hospedagem”, conta Naysha, que diz estar sem recursos financeiros por todas circunstâncias causadas pela pandemia, mas também por sua bolsa ter sido furtada com todos seus documentos e cartões durante uma viagem realizada para conhecer o Rio de Janeiro.

Naysha faz parte de um grupo de aproximadamente 150 peruanos que estão “parados” aqui no Brasil. Eles estão organizados em um grupo de WhatsApp, onde compartilham informações e se organizam para reivindicar atitudes por parte das autoridades peruanas. Um dos problemas que afetam a comunicação com o consulado é o fato da então consuleza geral do Peru no Brasil, Maria Lourdes Hilbck Nalvartede Arróspide, ter por encerrada suas funções consulares no dia 28 de abril, de acordo com publicação do Diário Oficial El Peruano.

De lá para cá, o grupo de peruanos alega uma comunicação precária com o consulado, que disponibilizou canais de comunicação emergenciais que não funcionam. “É mais fácil ganhar na loteria do que obter uma resposta”, diz o advogado peruano Victor Bautista Rubio. Há mais de 25 anos residindo no Brasil, Victor diz integrar um conselho de caráter civil que serve como ponte entre os membros da comunidade peruana e o consulado do Peru em São Paulo. “Por conta da minha profissão, tenho muito contato direto com as autoridades diplomáticas do Peru. Mas até mesmo eu estou sem conhecimento, não tenho informações a respeito”, disse o advogado.

Sobre a situação dos peruanos parados em São Paulo, o advogado peruano relata situações diversas. “Já fui visitar os peruanos que estão em situação de rua aqui. Graças aos nossos compatriotas que moram aqui, estamos dando apoio a essas pessoas”. Além dos casos mencionados, há também um grupo que está alojado em um hostel perto da Av. Paulista, com hospedagem, almoço e janta pagas pelo governo peruano. Apesar das diferentes circunstâncias, “todos querem voltar para seu país, já não conseguem mais viajar, estudar ou trabalhar aqui com essa situação”, destacou Victor.

As incertezas advindas da falta de apoio e de informações oficiais acabam desencadeando reações arriscadas, como o caso do grupo de 22 peruanos que, cansados de esperar, decidiram por arriscar-se em uma viagem de ônibus até a fronteira do Brasil com o Peru, localizada no estado do Acre. Após três dias viajando, chegaram ao destino no dia 25 de abril. Depois de pernoitarem em uma ponte que liga os países, período que incluiu a negociação com autoridades, conseguiram entrar no Peru. Após seguirem os protocolos de segurança sanitária, quatro integrantes do grupo foram diagnosticados com covid-19.

Segundo Naysha, foram sete voos que repatriaram peruanos: três do governo peruano, dois do governo brasileiro, 1 fretado e 1 realizado pela La Iglezia de Jesuscristo de Los Santos de Los Últimos Días – este último o mais recente, no dia 12 de maio, que além de levar missionários mormons, repatriou alguns cidadãos entre os dois países.

As reclamações sobre informações destes voos por parte dos peruanos são variadas, entre elas: falta de caráter público das informações, falta de tempo hábil para participar dos voos; cobranças indevidas – 480 dólares para participar de um voo; e solicitação de informações pessoais por mensagem de WhatsApp por empresas terceiras – no caso destacado pelas fontes, a imagem de frente e verso do cartão de crédito.

Tanto Naysha quanto Victor apontam incertezas diante das informações prestadas pelo consulado. “Eu cobrei eles [funcionários do Consulado peruano) sobre informações dos voos de repatriação, eles falaram que isso é um trabalho interno. Obviamente que isso é errado, visto que se trata de uma instituição pública e que esta tem compromisso com a transparência. Não se sabe o que eles estão fazendo para sermos repatriados”, desabafou Naysha.

O consulado foi procurado pela reportagem no número de WhatsApp informado pelos entrevistados. A mensagem foi lida, mas não respondida até o momento da publicação desta nota. Ainda segundo os peruanos, o responsável no momento pela Embaixada do Peru em São Paulo é o cônsul adjunto Carlos Ortiz, que não recebeu seus compatriotas para prestar esclarecimentos durante a manifestação do dia 15.

Após a manifestação, no mesmo dia, o consulado Peruano publicou uma mensagem no Facebook na qual informa “que o conacional Victor Bautista Rubio não mantém nenhuma ligação de trabalho nem de outra natureza com o consulado geral do Peru em São Paulo”, lembrando na mesma postagem que “a usurpação de função pública constitui um crime passível de pena privativa de liberdade não inferior a 4 nem superior a 7 anos”.

Os comentários da postagem do consulado depõe que o apoio prestado por Victor Bautista é reconhecido, e atestam o entendimento de que o advogado não representa o Consulado. “Nesses anos todos eu vejo como o ser humano pode ser indiferente à dor de outro ser humano. Quando alguém quer reividicar seus direitos, esse é chamado de qualquer coisa, até de terrorista”, disse a esta reportagem Victor Bautista, em entrevista realizada cerca de uma semana antes da referida publicação oficial que cita seu nome em tom de ameaça.

Brasileiros vivem estado de emergência no Peru

Ao mesmo tempo, no Peru, o drama de não poder voltar para casa também afeta brasileiros. Porém, a situação é um tanto diferente. Com o estado de emergência decretado desde o dia 16 de março, é proibido transitar pelas ruas e pelas estradas peruanas, condição que é garantida pelo próprio exército peruano. Assim, apesar dos 1.610 brasileiros já repatriado segundo o Itamaraty, há ainda outros que estão isolados em outras províncias peruanas afastadas da capital Lima.

É o caso de Lucelia Barros, brasileira natural de Belém (PA) que está com seu filho e com seu marido na cidade de Huánuco, localizado no centro do Peru, oito horas distante de carro de Lima. Sem recursos e com restrições de saúde causada por uma hipertensão, Lucelia conta sobre as dificuldades até mesmo de fazer parte dos voos humanitários que saem de Lima. “Não tenho o dinheiro para a viagem até Lima, os motoristas estão cobrando entre mil e mil e quinhentos soles por pessoa – cerca de R$ 1.700,00 a R$2.500,00”.

Lucelia lembra que, mesmo que seja repatriada em um voo humanitário para os arredores da cidade de São Paulo, precisará de ajuda também para voltar para sua cidade, Belém. “Eu vejo que a embaixada está tentando fazer alguma coisa por nós. Acho que eles poderiam tentar arranjar uma forma de ajudar as pessoas que não tem condições de chegar até Lima, uma ajuda de custo, até mesmo para quem não tem condições de passar esse tempo de pandemia no local em que está”, cogitou Lucelia.

A conjuntura provoca o medo em Lucelia, que confessa o temor de expôr seu filho nessa jornada para o Brasil. “Se eu tivesse condições, sinceramente, de me manter aqui, eu esperaria essa crise passar para eu poder voltar. Infelizmente minha família não pode me ajudar. Aqui nos sentimos um pouco mais seguros, porque o isolamento é obrigatório. Então de alguma forma você está mais protegido. Só que aí você está longe do seu país, da sua família. Você fica imaginando se seus familiares estão bem”, disse a brasileira.

Lucelia e seu filho não embarcaram no mais recente voo para o Brasil, que aconteceu no último dia 12 de maio, com cerca de 210 passageiros entre brasileiros e missionários mormons. O Itamaraty confirmou o voo em entrevista respondida por e-mail ao Brasil de Fato Paraná. Sobre a perspectiva de novos voos de repatriação, o Itamaraty informou que “a repatriação de migrantes brasileiros está sendo estudada caso a caso e será realizada em caso de absoluto desvalimento financeiro. Temos conhecimento do momento econômico difícil pelo que passam muitos nacionais no exterior”.

O órgão federal de relações exteriores do Brasil informou ainda que por esse motivo - do “estudo caso a caso” -, não existe um cronograma para tais voos. Sobre o apoio da Embaixada do Brasil em Lima aos compatriotas que enfrentam problemas financeiros, informou que “brasileiros que comprovarem carência de recursos também podem solicitar ajuda ao consulado ou à embaixada em sua região, os quais buscarão, de acordo com as limitações legais existentes, dar apoio aos nacionais em situação de hipossuficiência financeira”.

Segundo informações apuradas com brasileiros residentes no Peru que acompanham o drama de quem quer voltar para o Brasil, há brasileiros sobrevivendo em situações precárias, principalmente nas províncias afastadas da capital Lima, que aguardam notícias e ajuda.

Edição: Luiza Mançano e Pedro Carrano