O tema da desigualdade, sobretudo no Brasil, não é algo novo. O tema é, inclusive, uma característica estrutural do nosso país, alternando em alguns momentos mais aprofundado e, em outros, mais “apaziguado”. A concentração de renda é abissal em nosso país, e vem se agudizando a galopes em função das medidas econômicas de austeridade adotadas a partir de 2015. A crise desencadeada pelo novo coronavírus escacara essa nossa ferida, mas, também mostra que é possível vivenciarmos um cenário no qual os níveis de desigualdade chegarão a patamares nunca antes assistidos.
::Desigualdade no Brasil registra pior índice desde 2012::
Em primeiro lugar pela própria proporção da recessão econômica que se avizinha, as estimativas das pesquisas dos mais diversos órgãos, desde o Fundo Monetário internacional (FMI) até projeções dos economistas de centros de pesquisa brasileiro apontam a contração do Produto Interno Bruto (PIB) do nosso país pode chegar em média a menos 6%, no nosso melhor cenário. Ou seja, se o governo atuar ativamente no sentido de promover um plano de intervenção ativa, com aumento real do gasto público e ampliação efetiva das politicas sociais. Contudo, no pior dos cenários, o PIB pode retrair até – 11%, estimativas nunca vivenciadas na história deste país.
O pior dos cenários é cada vez mais uma realidade no Brasil. O ministro da Economia vem anunciando cada vez mais posturas governamentais que vão na contramão do que é prescrito e adotado pelo mundo todo para minimizar os danos sociais da crise. Paulo Guedes na última semana anunciou mais retiradas de direitos, mais enxugamentos dos gastos e a extinção da renda emergencial, tudo isso com a desculpa que é desproporcional com a capacidade orçamentária do Estado. Essa premissa já foi refutada por diversos especialistas, do mais liberal ao mais intervencionista, que afirmam que o Estado dispõe de inúmeros meios de se financiar, e que é uma falsa polêmica colocada pela equipe econômica do governo atual.
O gasto público direcionado em áreas com efeitos multiplicadores, que mantenham a demanda agregada da sociedade, como a manutenção da renda das camadas que mais consomem e a manutenção mínima do fluxo de caixa das pequenas e médias empresas, é uma das nossas, se não a única, forma de manter a economia com o mínimo de dinamismo econômico.
Bom, a consequência real destas escolhas já podiam ser sentidas antes mesmo da chegada do novo coronavírus no Brasil, com altas taxas de informalidade (41,1% do total da população ocupada), queda do rendimento do trabalho que vem acontecendo desde meados de 2019, bem como O aumento do número de pessoas em situação de extrema pobreza que já somavam 15 milhões de pessoas ao final de 2019.
Os dados do primeiro trimestre (jan/fev/mar) da Pesquisa Nacional Amostras de Domicilio (Pnad/IBGE), ainda que não apresentem um período significativo do inicio do isolamento e da propagação do vírus no país, já trazem elementos de suma importância para pensar o cenário que virá. O primeiro deles é o aumento da taxa de desemprego para 12,2% ou 12,9 milhões de pessoas, de acordo com as projeções a estimativa é que cheguemos ao final deste ano com uma taxa de desocupação que deve variar entre 17% e 20% de desempregados no país.
::Medidas "tímidas" do governo podem fazer desemprego dobrar no Brasil, diz economista::
Um segundo aspecto é o aumento expressivo do número de pessoas fora da força de trabalho, ou seja, que estão sem emprego, mas que desistiram de procurar emprego, isto porque, houve uma diminuição da criação de novos postos de trabalho frente aos períodos anteriores. Foram reduzidas 2,3 milhões de postos de trabalho em relação ao trimestre anterior, nesta situação temos cerca de 67 milhões de pessoas fora da força de trabalho, uma estimativa assustadora de pessoas sem perspectiva para conseguir uma oportunidade de trabalho.
Bom, de tudo isso, as consequências imediatas se apresentam no agravamento das condições de pobreza da população brasileira. Segundo os dados do IBGE, no inicio do ano havia uma taxa de 23% do total de domicílios do país que não possuíam renda nenhuma do trabalho, ou seja, se mantinham, exclusivamente, com benefícios da previdência e da assistência social. Número muito mais elevado quando comparado aos anos anteriores, onde essa taxa residia em 13%.
Esse cenário é oriundo exclusivamente da deterioração das oportunidades de trabalho e não se localiza na célebre prerrogativa de que as pessoas não gostam de trabalhar, sobretudo, quando olhamos que a renda per capita das famílias que sobrevivem de auxílios assistências.
Nos domicílios que recebiam o Programa Bolsa Família a renda per capta foi de R$ 352 e naqueles que não recebiam o rendimento foi de R$ 1.641. Já para os domicílios que recebiam o BPC-LOAS o rendimento médio domiciliar per capita foi de R$ 755 e, para os que não recebiam, R$ 1.433, ou seja, a renda familiar dos que vivem de assistência é visivelmente inferior aos que estão no mercado de trabalho. E em termos gerais, 10% das camadas mais ricas concentram 43% do total da renda nacional, enquanto os 20% da população mais pobre vive com menos de 1 salário mínimo por mês.
::Condições precárias de moradia dificultam isolamento vertical nas periferias::
E todos esses cenários nem chegaram, de fato, a apreender o real aprofundamento dos desdobramentos da pandemia do Brasil. As estimativas para as próximas divulgações são as mais desalentadoras possíveis, tudo isso tendo como grande parcela de culpa a forma como o atual governo vem conduzindo todo esse processo.
Bom, que a desigualdade é um cenário que estampa cartões postais do Rio de Janeiro não é novidade para ninguém, ela é uma realidade histórica deste país, consequência da forma como nos desenvolvemos economicamente ao longo da história. Mas a novidade são os níveis que isso aparentemente irá chegar, como consequência de uma opção deliberada por esse cenário, uma escolha consciente por essa realidade. Ou seja, um plano de governo que tem como premissa lançar um contingente enorme de pessoas a sua própria sorte.
E sob esta árida conjuntura é que a ministra da cultura, demonstrando a irrelevância que o atual momento parece ter na agenda governamental, pede ao povo brasileiro que cante “Pra frente Brasil”, num momento em que o país parece caminhar para trás com o fardo pesado do desalento. Sob esta perspectiva seria mais adequado que cantássemos bem forte, “É”, do Gonzaguinha, para que chegue bem forte ao atual chefe de estado deste país, que o povo quer viver pleno direito, quer viver todo respeito, quer viver uma nação.
*Iriana Cadó é economista, especialista em economia social e do trabalho. Militante da Consulta Popular.
Edição: Rodrigo Chagas