A relação das sementes crioulas é inseparável do manejo das roças quilombolas
Não é por acaso que a maior concentração de Mata Atlântica do Brasil está localizada entre os 31 municípios que formam o Vale do Ribeira nos estados de São Paulo e Paraná. A região concentra também comunidades quilombolas que há mais de 200 anos produzem alimentos em harmonia com o bioma. O Vale do Ribeira possui ainda a diversidade cultural de povos caiçaras, indígenas Guarani, pescadores tradicionais e agricultores familiares.
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Ao todo são 24 unidades de conservação no Vale do Ribeira, que junto aos cuidados de quem mora no local, garante a vida de espécies raras da nossa flora como cedro, palmito, canela, araucária e caxeta. Na fauna podemos destacar o monocarvoeiro, onça-pintada, jaguatirica, veado campeiro, jacutinga, jacaré de papo amarelo e papagaio de cor roxa.
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Mas entre essa riqueza cultural e ambiental vale ressaltar também o histórico de lutas populares. O direito à terra para as comunidades do Vale do Ribeira é condição de libertação. A história no local está marcada pela escravização no período aurífero e de produção de arroz entre os séculos 16 e 18. Agora as famílias se deparam com ameaças como a falta de regularização fundiária em algumas comunidades, avanços de monoculturas, aumento na pulverização aérea e redução no acesso a mercados institucionais.
A resistência quilombola é feita de muitas formas. Uma delas é pela preservação de saberes ancestrais guardados através de sementes, tantos para produção de alimentos como para o plantio de espécies da flora. Valni Dias é do quilombo São Pedro, localizado no município paulista de Eldorado. Ela explica a importância da preservação das sementes crioulas não serem contaminadas por espécies feitas em laboratórios. Ou seja, evitar um tipo de erosão genética das espécies das comunidades.
“São todas sementes crioulas, nossas. As sementes que não temos pegamos com outras comunidades quilombolas, porque não podemos pegar uma semente de fora porque pode não ser crioula e pode dar problema na nossa plantação. Então procuramos dessa plantação que fizemos agora guardar um pouquinho para na hora de plantar termos um pouquinho, para aumentar aquela plantação, para não ficarmos sem nossas sementes crioulas”, explica.
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A legislação ambiental para as famílias do Vale do Ribeira nem sempre ajudou a preservação e multiplicação das sementes crioulas. Ivy Wiens é assessora técnica do Instituto Socioambiental (ISA) e explica que em alguns momentos a roça tradicional - ou de coivara - foi proibida na região, dificultando o processo de preservação das sementes. Foi nesse contexto que o ISA apoiou a realização das Feiras de Trocas de Sementes e Mudas Tradicionais do Vale do Ribeira.
“As comunidades daqui do Vale têm uma variedade enorme de sementes, ramas e mudas, e essa variedade estava se perdendo. Estão a feira começou com essa intenção de fortalecer a troca. Porque trocar, eles sempre trocaram. Isso é ancestral tanto dos próprio quilombolas quanto dos próprios indígenas, as variedades se mantiveram através dessas trocas”.
A edição de 2020 da feira ainda não está confirmada por causa do novo coronavírus. Mas ao longo do últimos 13 anos, as feiras contribuíram para fortalecer a diversificação das espécies de sementes da fauna da Mata Atlântica e da produção de alimentos. Maria Tereza é do quilombo Nhunguara, localizado no município de Iporanga (SP). Ela ressalta a segurança e soberania alimentar a partir das sementes crioulas na adaptadas ao bioma da região.
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“Nenhum veneno. Ela segura e guarda. No outro ano a gente tem a semente de novo para poder plantar. Ela é uma semente bem resistente, pode chover que ela não sofre com os danos como as que são compradas nas casas de lavouras”, compara.
A relação das sementes crioulas é inseparável do manejo das roças quilombolas, que faz um desmatamento e queimada controlada, em espaços reduzidos e respeitando o tempo de regeneração da mata. Com as roças quilombolas em funcionamento no momento, as comunidades locais estão garantindo segurança alimentar e garantindo alimentação para além dos quilombos, através de solidariedade e participação em políticas públicas, como afirma Aurico Dias, do quilombo São Pedro.
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“É que a gente hoje tenha o alimento para estar ajudando o outro, porque não abro mão de não ter a licença ambiental para as nossas roças porque é disso que nós sobrevivemos”
Apesar dos baixos percentuais nos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), a assessora Ivy Wiens ainda nos provoca a refletir sobre o imaginário que nossa sociedade guarda sobre o modo de vida de comunidades tradicionais. Por exemplo, o olhar para educação que não considera o saber tradicional ou a saúde que não inclui a medicina popular no Vale do Ribeira.
Edição: Douglas Matos