Existe a expressão dentro dos estudos da comunicação chamada agenda-setting. Versa sobre os temas que, em boa parte, são determinados pela mídia e que caem na boca do povo. Ou seja, o que você discute no bar, na quitanda, no Facebook e no Twitter tem muito a ver com a influência de como os meios de comunicação age. Não apenas isso. Além de o tema que a mídia define para você sair comentando por aí, define também como você vai dizer, numa espécie de colonização sutil da consciência. Por esta razão, na qualidade de pesquisador da área, sou a favor da necessidade de uma pedagogia crítica dos meios de comunicação (mas, aí é outra história).
O que está precisamos saber, além disso, é que a agenda-setting é determinada por um grupo elitista que detém as maiores redes do país e que este grupo é tão pequeno que pode ser contado em apenas uma mão. É claro que a agenda que querem imprimir, significa fazer você reproduzir o que eles querem que seja reproduzido, permeado de todos interesse que eles carregam e que não compartilham para seus receptores.
Desta forma, um dos maiores esportes da mídia, como diz o sociólogo Marcelo Zero em seu artigo, é praticar o antipetismo. Para isso, bastou o ex-presidente Lula recorrer a uma frase mal formulada e avaliada fora do contexto para a mídia trazer à tona a principal figura da esquerda brasileira, capaz de desequilibrar as intenções centro-direita de retomada do poder, alguém que estava silenciado desde 7 de abril.
Silenciar o Lula é o objetivo desta mídia. A sua voz é poderosa e paralisa multidões por horas. O coronelismo eletrônico tem ciência disso. É preciso escondê-lo, nunca ouvir sua opinião (atribuição estrategicamente dada ao FHC, mesmo ante outros quatro ex-presidentes vivos) Exceto se for para gerar efeito hipérbole ao deslize. Sabemos que qualquer pessoa entendeu (se não foi motivada pela mídia, diga-se de passagem) ao que Lula quis dizer sobre a epidemia do coronavírus, que expôs a necessidade do Estado e derruba a tese dos neoliberais, pela qual o mercado se autorregula.
Lula reconheceu a falha e pediu desculpas no mesmo dia. Mas, até para noticiar o reparo a mídia não deixa o seu antipetismo de lado. “Lula pede desculpas após ter enaltecido a natureza pela criação do ‘monstro do coronavírus'”, foi o título recheado de ranço da Folha de S. Paulo a retratação do ex-presidente. Quem escreveu esta matéria sabe que estava agindo de forma canalha. A análise do texto e do discurso não nega.
Após o estardalhaço do deslize, Lula é novamente posto em silêncio, mesmo concedendo entrevistas variadas e cotidianas, mantendo canal no Youtube não repercutido pelos barões da mídia, ou sugerindo políticas e soluções para o país em todas as conversas que mantém. Você nunca debateu sobre isso na mesa do bar ou no Facebook. Afinal, a mídia não te mostra isso e nem que o que mostrarei a seguir.
Um dia depois da alta promoção do deslize para celebrar o antipetismo e manter o ódio em evidência que foi capaz de colocar o Bolsonaro no poder, Lula recebeu o seu 36º título de doutor honoris causa nesta quinta-feira (21). Desta vez, pela Universidade Nacional de Rosário (UNR), na Argentina, pela sua contribuição pela educação no país.
Você não soube. Nem saberá. Você não vai falar sobre isso no Facebook. Por uma simples razão: a mídia não quer que você fale. Quando ela sentir esta necessidade, vai te acionar e você prestará os serviços com ênfase, entusiasmo, ódio até, acreditando que tudo que estará escrevendo é opinião pessoal.
Você vai reproduzir o que a mídia exigirá que seja falado. Vigie-se para não ser dominado por algo tão poderoso que é o discurso hegemônico da elite, que adentra corações e mentes sem que se dê conta. O processo de se desvencilhar desta ação midiática constante e recorrente é difícil, mas é possível.