Coluna

A urgência em se pensar no futuro das populações ciganas, sem estereótipos

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Desde 2006 se celebra o 24 de Maio como o Dia Nacional dos Povos Ciganos no Brasil - IPDMS
A crise sanitária da covid-19 escancarou as rachaduras existentes em nossa sociedade

Desde 2006 se celebra o 24 de Maio como o Dia Nacional dos Povos Ciganos no Brasil. Nesta data, estabelecida tardiamente se comparada à chegada das comunidades romani ao país, se comemora não só a existência destas populações, mas também se reivindica direitos e políticas afirmativas que revertam a perseguição e o racismo histórico que esses povos enfrentam até os nossos dias. Além disto, esta comemoração também é marcada por debates cujo objetivo é refletir sobre as culturas, modos de vida e narrativas construídos por estes povos.

Este ano, no entanto, a data nos leva a fazer outras reflexões. A crise sanitária da covid-19 escancarou as rachaduras existentes em nossa sociedade e as desigualdades que atingem uma imensa parte da nossa população. O contexto em que vivemos evidenciou também não ser mais possível deixar para depois a tomada de algumas decisões políticas e sociais, em especial em relação às populações romanis.

A pandemia também fez vir à tona o racismo e os discursos de ódio contra as comunidades ciganas, que atualmente somam em torno de 500 mil pessoas no Brasil. A expulsão de famílias romanis nômades em três cidades no estado do Paraná - denunciada em nota pública por ativistas e pesquisadores - sob a alegação de que elas eram vetores da covid-19, nos mostra como a discussão sobre o anticiganismo é urgente e necessária.

Num cenário em que uma das principais prevenções ao coronavírus são as medidas de higiene, como a limpeza das mãos e demais objetos com água e sabão; a quantidade de acampamentos ciganos sem acesso à água encanada e saneamento básico nos mostra a extrema necessidade de se garantir infraestrutura básica para estas famílias itinerantes.

Os municípios que são rotas de passagem de grupos ciganos nômades ou semi-itinerantes devem, por exemplo, disponibilizar espaços próprios com toda essa infraestrutura para receber as caravanas. Além disso, devem oferecer atendimentos e serviços de assistência social, saúde, educação e outras formas de integração social cidadã.

Considerando que um grande número de ciganas e ciganos trabalham no mercado informal, sendo diretamente atingidos pelas medidas de distanciamento social para prevenção da covid-19; a vulnerabilidade econômica destas famílias nos mostra a urgência em se pensar políticas públicas específicas para estes grupos sociais no que se refere, especialmente, ao acesso à educação.

Os decretos existentes direcionados a esta população não são suficientes para resolver os desafios aqui citados. Por isso é urgente pensar no futuro destas comunidades a partir de ações efetivas realizadas no presente. Políticas que reconheçam a diversidade étnica cigana, que se divide em três grandes troncos, os Rom, os Sinti e os Kalon, que por sua vez, se subdividem em inúmeros grupos e famílias e possuem culturas, tradições e saberes milenares.

Aliás, a sociedade brasileira tem muito a aprender com as comunidades ciganas, que estão no Brasil desde o século XVI. Um pequeno exemplo é o modo como tratam os seus idosos. Ao contrário das sociedades ocidentais, em que os anciãos são desvalorizados, ao ponto de serem deixados sozinhos em asilos; os grupos romani possuem modos de organização sociocultural estruturados em torno da família, em que os idosos ocupam lugares de interlocução centrais.

Nas comunidades ciganas, os idosos atuam como conselheiros, apaziguadores e reguladores das comunidades ciganas. Neste momento de pandemia eles estão nos grupos de risco, mas continuam sendo uma fonte importante de sabedoria, inclusive no que se refere à saúde, pois também dominam a medicina tradicional cigana e os modos de compreensão da saúde, do adoecimento e da morte. São assim, o vínculo necessário entre o passado e o futuro das comunidades.

 

Gabriela Marques é jornalista e pesquisadora, doutora em Comunicação com estudo sobre populações ciganas.

Aluízio de Azevedo é cigano Kalon, jornalista, cineasta, mestre em educação e mitologias ciganas, doutor em comunicação e saúde cigana.

Aline Miklos é cigana Romi, doutoranda em História da Arte (EHESS/USP), cantora e produtora cultural.

#Orgulhoromani é um coletivo internacional que nasceu há cerca de três meses e tem buscado atuar na militância política, acadêmica e cultural com foco na América Latina e Península Ibérica.

Edição: Douglas Matos