Descoberta em 1934, a cloroquina, ou sua variante hidroxicloroquina, são utilizadas hoje para diversas doenças autoimunes e também como tratamento para malária, que, de acordo com o Ministério da Saúde, teve 194.271 casos registrados no Brasil em 2018, podendo evoluir para formas graves e levar à morte. Desde março deste ano, quando a pandemia de coronavírus se espalhou pelo Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) anunciou que o Laboratório Químico Farmacêutico do Exército (LQFEx) intensificaria a produção do medicamento, que chegou a 1,25 milhão de comprimidos no começo de abril e que a produção nacional não será vendida a outros países. Além disso, a partir de uma pressão do presidente, o Ministério da Saúde lançou um protocolo que libera o uso do medicamento para pacientes com sintomas leves.
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Em outros países e mesmo no Brasil, havia se levantado a possibilidade de o remédio trazer benefícios no tratamento de pacientes graves, mas nenhum dos estudos feitos no Brasil ou no mundo comprovam que o remédio é eficaz para combater ou prevenir o contágio do coronavírus, como explica o médico infectologista Thiago Maciel.
“Mesmo os estudos concluídos e os que ainda estão em andamento não mostraram nenhum benefício na melhora clínica dos pacientes. No caso de pacientes internados em UTIs, alguns hospitais vinham administrando o medicamento apenas em pacientes graves, que poderiam ser monitorados, porque nós fazíamos eletrocardiograma todos os dias para monitorar uma possível arritmia. Mas a partir da conclusão de alguns estudos de que a cloroquina não traria benefício, nós deixamos de usar” explica.
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Reações adversas comprovadas
Se não há comprovação de benefícios, as reações adversas são comprovadas. Um estudo feito com 96.032 pacientes dos cinco continentes aponta que não há diferença significativa na melhora entre pessoas que usam a cloroquina ou hidroxicloroquina em relação às que não fizeram uso do remédio. Além disso, o índice de mortalidade é maior entre as pessoas que fizeram o uso do medicamento de maneira isolada ou junto a outros antibióticos. A pesquisa foi divulgada na revista The Lancet e contou com a colaboração de mais de 600 hospitais de todo o mundo.
Além da comprovação científica de quem o medicamento não é responsável pela cura de pacientes com covid-19, o remédio pode trazer efeitos colaterais que vão de diarreia até acidente vascular cerebral (AVC) caso seja tomado sem necessidade e sem acompanhamento.
Atuando na atenção primária, a médica de família e comunidade Marianne Sabino explica que os efeitos são diversos. “Eles vão desde dor de cabeça, diarreia, dor de barriga até a depressão, hepatite, arritmia cardíaca, visão borrada, irritabilidade. São vários os efeitos. Se fosse dentro da Atenção Primária em Saúde, nós sabemos quais pacientes tem problema cardíaco, diabetes, problemas renais. Mas distribuir um medicamento com tantos efeitos colaterais afirmando que ele combate sintomas leves é colocar as pessoas em risco”, considera.
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Efeitos na zona rural
No campo, os efeitos podem ser ainda mais graves. A pandemia de coronavírus que vem chegando à zona rural se junta a outros problemas já existentes com o uso indiscriminado da cloroquina e tende a sobrecarregar o sistema de saúde. “Imagine nas zonas rurais, onde o acesso já é difícil por causa da distância, onde não tem serviços especializados ou nem mesmo uma UPA, a gente já está com o sistema sobrecarregado”, aponta Joelson Santos, médico que atua na Vila de Peladas, zona rural de Caruaru, município localizado no agreste pernambucano.
Joelson explica que, mesmo antes da pandemia, a desinformação já era um grande desafio a ser vencido para promover saúde para as populações do campo. "A informação para as zonas rurais e para o campo chegam de forma tardia, as notícias falsas têm mais força aqui pela falta de educação, que é um problema antigo. De forma geral, nós temos uma diminuição de profissionais, especialmente nas comunidades que ficam distante das cidades. A pandemia agora está chegando no campo e nossa população do campo pode ser muito afetada por falta de profissionais, porque eles estão sendo deslocados daqui pra fazer plantões, e assim a população vai sendo prejudicada por essa falta de estrutura no campo”, explica o médico.
A falta de informação pode ser um motivador do uso da cloroquina de forma indiscriminada, que tem um pano de fundo do medo causado pelo contágio do coronavírus, como explica Thiago.
“Ninguém garante que essa pessoa vá tomar mais do que a dose estabelecida, o que agrava ainda mais o quadro nesse momento em que as pessoas estão com muito medo, com dúvidas e é uma situação desesperadora, porque as pessoas buscam encontrar uma saída e talvez essa não seja a melhor agora”, analisa.
Contra o uso indiscriminado da cloroquina ou hidroxicloroquina, os profissionais indicam o tratamento dos sintomas. “Nós já estamos fazendo o acompanhamento de pessoas com sintomas leves. O que a gente tem visto é que repouso, hidratação, medicações sintomáticas para febre e dores têm sido suficientes. Em alguns casos de pessoas mais cansadas, ou de pessoas que já têm problemas respiratórios, são outros medicamentos”, explica Marianne.
Joelson explica que, no campo, para além do acompanhamento médico e monitoramento dos sintomas, há uma preocupação complementar em relação a cuidados básicos, como a garantia de uma alimentação saudável e de medicamentos naturais.
“Uma das coisas, especialmente para a população mais pobre, é garantir que essas pessoas se alimentem com alimentos saudáveis, porque isso ajuda o sistema imunológico. A gente vem também recomendando o uso de alimentos com propriedades medicinais e estamos estudando os alimentos que podem nos fortalecer, já que não há um protocolo único e específico para o coronavírus, mas há alimentos que podem nos fortalecer e diminuir os impactos e sintomas da doença com as potencialidades do campo”, aponta.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Monyse Ravena e Camila Maciel