O Departamento de Polícia Federal, não é demais lembrar, veio ao mundo entre as virilhas da ditadura
Troca-se o ministro da Justiça, em seguida, o diretor geral da Polícia Federal, mais o superintendente e imediatamente é desfechada a Operação Placebo contra Wilson Witzel, aquele que, na insólita reunião do dia 22 de março, é chamado de “estrume” por Jair Bolsonaro.
Ganha um autógrafo do “Japonês da Federal” quem adivinhar a real motivação atrás da arremetida contra o governador carioca.
Independentemente do que se apurou ou que se venha a apurar contra Witzel – que parece ter muito o que explicar – é de uma obviedade escandalosa o fato de que está sendo fustigado menos por eventuais delitos do que pela circunstância de ser inimigo político do pequeno César que acomoda suas nádegas no trono palaciano.
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O procedimento policial exala um fedor facilmente reconhecível. É o bodum do arbítrio, que emana daquele período que empestou o Brasil durante 21 anos. Aquela mesma catinga que os ventos de 2014 voltaram a soprar nos nossos rostos, degradaram a democracia e nos entregaram a podridão atual.
O Departamento de Polícia Federal, não é demais lembrar, veio ao mundo entre as virilhas da ditadura militar, que o pariu, aconchegou e amamentou. Aconteceu em 1967, sob o mandato do marechal Arthur da Costa e Silva. Pelos episódios dos últimos anos, o DNA materno continua intacto, ativo e determinante.
Na tirania, a Polícia Federal cumpriu laboriosamente a função de órgão auxiliar nas ações de repressão. Nomes de seus agentes, delegados e chefias ornamentam a longa lista da Comissão Nacional da Verdade, investigados e denunciados por prisões arbitrárias, tortura, sequestros, desaparecimentos e assassinatos.
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Cabia a PF, além da repressão, a censura. Milhares de livros, filmes, novelas, jornais, peças de teatro, revistas e músicas foram vítimas de suas tesouras e, depois, incinerados. Entre as vítimas – além do processo civilizatório – autores como Rubem Fonseca, Ignácio de Loyola Brandão, Henry Miller e Darcy Ribeiro e cineastas como Stanley Kubrick e Bernardo Bertolucci.
Não se conhece uma palavra, sequer uma sílaba de autocrítica da Polícia Federal sobre seu vergonhoso papel no passado. Até a Rede Globo, sustentáculo midiático do regime, fez o seu mea culpa mesmo com meio século de atraso. Da PF, nem um pio.
Na democracia, a partir do mandato de Fernando Henrique Cardoso e, especialmente, das gestões Lula e Dilma, a PF recebe uma valorização nunca vista.
Ganha autonomia e melhoram substancialmente o padrão salarial, o acesso a equipamentos e os recursos financeiros para as operações. Nada disso, porém, parece significar alguma coisa para a corporação, tanto que alguns de seus delegados da ativa não tiveram nenhum pudor em usar as redes sociais para, ostensivamente, ofender um e outro dos presidentes.
Seduzida pelo estardalhaço das operações e o súbito empoderamento, politizou-se, alinhando-se à direita mais rudimentar.
A sede da PF em Brasília é chamada de “Máscara Negra”, pelos vidros escuros da fachada. Nos anos de chumbo, tinha o apelido de “Tonton Macoute”, nome da milícia parafascista de Papa Doc, o antigo ditador do Haiti, contumaz violador de direitos humanos.
Os sinais que a corporação emite indicam uma aproximação de suas raízes. Espera-se que não. Mas seus movimentos parecem subverter sua natureza de polícia mantida pelos tributos dos cidadãos e com deveres de Estado para se transformar num aparato de uso pessoal que apenas deve obediência a um personagem que humilha e afronta a nação.
Edição: Leandro Melito