Durante uma live, que foi ao ar na última segunda-feira (25), o atual presidente da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) do Rio de Janeiro, Renato Espírito Santo, deu informações ainda não divulgadas oficialmente sobre o chamado “modelo de concessão” da estatal para a iniciativa privada. Em sua fala, o executivo deixa claro que cerca de 80% do corpo de funcionários da companhia deverão ser dispensados quando a empresa for leiloada ainda neste ano. A porcentagem corresponde a aproximadamente 4 mil trabalhadores.
“Estamos vivendo aqui no Rio uma realidade que os outros estados não estão vivendo. Temos o leilão que já está marcado para novembro, que nos causa uma série de problemas no dia a dia. A empresa vai sofrer uma cisão, vai diminuir o seu tamanho, vamos sair de 5,6 mil empregados diretos para um número bem menor, cerca de 20% disso, por aí. Tem todo um ajuste que tem que ser feito. Uma empresa nova que tem que ser montada”, disse durante o debate organizado pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES).
Procurada pelo Brasil de Fato, a assessoria de imprensa da Cedae confirmou as demissões, mas não a porcentagem de trabalhadores que serão desligados. Por meio de nota, disse que o tema foi abordado na live no contexto de perspectivas para o futuro das empresas de saneamento após a pandemia de covid-19.
“Na ocasião, o presidente da Cedae lembrou que, além da pandemia, há o leilão da empresa — agendado a princípio para novembro deste ano —, que influenciará nas atividades futuras da empresa. Como após a concessão a Cedae será uma empresa menor, é provável que o corpo funcional seja adaptado à nova realidade. O que deve ser feito por meio de ações de remanejamentos; ampliação de Programa de Demissão Voluntária [PDV], tendo em vista que a média de idade dos empregados é de 54 anos; readequações do quadro; entre outras”, disse em nota.
Segundo o funcionário da Cedae e presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos de Niterói e Região (Sindágua-RJ), Ary Girota, os trabalhadores sabiam de rumores dos cortes, mas ainda não tinham a confirmação de como estavam sendo planejados.
“Não tínhamos a dimensão do que estava sendo tramado pelo governo estadual. Isso foi revelado de uma maneira muito irresponsável. No meio de uma pandemia você anuncia para uma categoria que trata da água do Rio de Janeiro que vai ser demitida, isso é brincar com a vida das pessoas. Para não dizer que nós sofremos com a perda de 17 servidores, 14 do quadro efetivo e três terceirizados. Pessoas que morreram trabalhando pela população e foram contagiadas com covid-19”, disse.
Modelo de concessão
Em fevereiro, o Conselho Deliberativo da Região Metropolitana do Rio de Janeiro aprovou o “modelo de concessão” da Cedae, elaborado em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Com isso, a previsão é de que a empresa deverá ser repartida e depois leiloada até o final deste ano.
A aprovação aconteceu logo depois da crise de abastecimento de água, deflagrada no estado em janeiro, quando foi detectada a geosmina, tipo de alga que estava provocando alterações de cor, odor e sabor na água. A crise teve repercussão negativa sobre a imagem da companhia para a população fluminense e contribuiu para que a votação fosse antecipada.
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Lucro para o mercado, prejuízo para o Estado
Pelo modelo, a Cedae continuará responsável pela captação e produção de água na região metropolitana do Rio. Já a distribuição de água será concedida à iniciativa privada, assim como os serviços de esgotamento sanitário. O contrato de concessão está programado por 20 anos.
Além disso, o governo do estado do Rio também pretende se desfazer de parte da companhia em uma operação de venda de ações chamadas IPO, na sigla em inglês, na Bolsa de Valores já em 2021.
“O presidente da Cedae, que é um ex-funcionário aposentado, está assumindo essa tragédia, que é esse processo de ‘concessão’. O plano é entregar as quatro áreas mais rentáveis da companhia e o estado vai ficar com a produção da água, processo em que se gasta o maior volume de dinheiro”, acrescenta Ary Girotta.
Já o ecologista Sérgio Ricardo, membro-fundador do movimento Baía Viva, alerta que além do impacto para os cofres públicos e para os trabalhadores, a concessão da empresa para a iniciativa privada prejudicará ainda mais a qualidade de vida, principalmente, dos mais pobres.
“Atualmente, cerca de 2 milhões de pessoas de baixa renda só tem o direito de acesso à água potável porque a Cedae é uma empresa pública. Nenhuma corporação privada terá interesse em investir nos territórios pobres, já que tecnicamente estas regiões desassistidas de infraestrutura de saneamento básico são classificadas como ‘deficitárias’ ou ‘não lucrativas’”, completa.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Eduardo Miranda e Vivian Fernandes