Dados levantados pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas (Conaq) e o Instituto Socioambiental (ISA) revelam que houve, até o momento, 46 óbitos e 197 casos de contaminados por coronavírus nos quilombos do Brasil. Isto significa que, desde a primeira morte, dia 11 de abril, morreu um quilombola por dia.
Os números fazem parte do “Observatório da Covid-19 nos Quilombos”, uma plataforma online que será lançada nesta quinta-feira (28) pela Conaq e o ISA. As entidades farão o acompanhamento diário dos casos de pessoas monitoradas, contaminadas e mortas por coronavírus nos territórios quilombolas.
De acordo com o levantamento, o Pará é o estado que mais óbitos registrou entre os quilombolas. Foram 15 mortes no estado. Em seguida, vem o Amapá (9), Pernambuco (7) e Rio de Janeiro (6). Os números comoveram Sandra Maria, coordenadora executiva da Conaq. “Recebi esses dados com muita tristeza e desolação, pois nosso povo está morrendo e ninguém, ninguém liga.”
Estamos desolados com este governo, que não nos reconhece como sujeitos de direitos, nem como seres humanos e que acha que nossas vidas são descartáveis.
De acordo com a Conaq, há 16 milhões de quilombolas em todo o Brasil e o Pará é o estado com a maior concentração dessa população, com cerca de 70 mil famílias divididas em 62 comunidades. Sandra Maria afirma que o governo federal não tem se preocupado com a saúde das pessoas que vivem em quilombos e eles “estão por conta própria.”
“Neste momento, no qual as comunidades quilombolas precisariam ser assistidas pelo governo federal, ele nada está fazendo para ajudar e proteger as comunidades. Estamos desolados com este governo, que não nos reconhece como sujeitos de direitos, nem como seres humanos e que acha que nossas vidas são descartáveis”, assevera a dirigente da Conaq.
Saiba mais.: Artigo | Desprezo a milhares de mortes, ódio aos índios e quilombolas e pobres
Ausência
Milene Maia, assessora do Instituto Socioambiental (ISA), criticou a condução da pandemia feita pelo Estado brasileiro. “O que temos visto é que não há uma ação do governo federal que dê um aporte às comunidades. A Fundação Cultural Palmares disponibilizou cestas básicas, mas elas não chegaram nas comunidades. Em relação ao auxílio emergencial, é algo que não está circulando nas comunidades, até porque eles têm dificuldade para acessar celulares e internet.”
Para o Conaq e o ISA, a contaminação tende a se agravar com o deslocamento das famílias em busca de ajuda, quando apresentam os sintomas que identificam o coronavírus.
Saiba mais.: Indígenas, quilombolas e camponeses denunciam aumento de ataques durante a pandemia
“Uma outra situação grave é o acesso das comunidades aos serviços de saúde, uma vez que os territórios não possuem nenhum tipo de atendimento médico e precisam acessar as capitais para serem atendidos. Muitas vezes, o atendimento não é satisfatório, mas não há testagem dessas pessoas, que voltam para casa sem orientação ou medicação, o que tem levado alguns ao óbito. Isso ressalta e escancara o racismo estrutural do nosso país”, explica Maia.
Não há testagem dessas pessoas, que voltam para casa sem orientação ou medicação, o que tem levado alguns ao óbito.
Segundo Sandra Maria, sem o apoio do Estado, as comunidades recorrem aos conhecimentos tradicionais. “Estamos fazendo nossa própria proteção, como nossos ancestrais faziam antigamente. Mas, se não obtivermos ajuda, vai morrer muito quilombola. Precisamos dos testes para saber quem está contaminado e ajudar a prevenir essa pandemia. Continuaremos resistindo, com nossos chás, ervas e benzeções. Continuaremos lutando e revelando ao mundo a falta de apoio que as comunidades quilombolas tem nesse país.”
Edição: Rodrigo Chagas