O ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, extinguiu os recursos para o serviço de atendimento a pessoas com transtornos mentais que infringiram leis. Parte dessas pessoas estão detidas em desacordo com a lei, seja em presídios ou em hospitais de custódia. O programa encerrado pelo Ministério, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), é justamente o que mantém as equipes especializadas que fazem as avaliações psiquiátricas e ajudam na reinserção dessas pessoas na sociedade.
O “Serviço de Avaliação e Acompanhamento de Medidas Aplicáveis a Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei” existe desde 2014 e prevê o acompanhamento profissional por equipes de avaliação chamadas “EAP”. Cada EAP conta com assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, médicos psiquiatras e terapeutas ocupacionais.
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A portaria assinada pelo ministro informa que os estados e municípios que já possuem essa equipe só continuarão recebendo o repasse de verba federal pelos próximos 180 dias (seis meses), ao fim dos quais as EAPs serão extintas ou terão de ser mantidas com recursos próprios do estado ou município.
Apesar de o tema só ter vindo à tona agora, a portaria foi assinada pelo ministro ainda no dia 18 de maio, justamente o Dia da Luta Antimanicomial, data nacional de debate por uma “reforma psiquiátrica” visando o fim dos manicômios, para que pessoas com transtornos mentais sejam integradas à sociedade, não excluídas.
Funcionamento
A assistente social Shirley Santos integra a única equipe EAP atuando no estado de Pernambuco. Ela explica como se dá o tratamento das pessoas atendidas pelo serviço. “Quando essas pessoas têm algum surto ou instabilidade a polícia sempre chega primeiro. Essas pessoas são julgadas e, se a perícia identificar que possuem um transtorno mental, essas pessoas em vez de cumprirem a reclusão normal, elas ‘pagam’ através de medidas terapêuticas, porque são considerados inimputáveis”, conta Santos
Em Pernambuco as medidas terapêuticas são cumpridas no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), em Itamaracá. “Deveria ser um hospital, mas na verdade acaba sendo uma unidade prisional”, diz Shirley. “No quesito saúde, as outras unidades prisionais recebem visita apenas da equipe de atenção básica. Mas no HCTP tem, além da atenção básica, uma equipe de plantonistas com psiquiátricas e enfermeiros prestando assistência diurna e noturna”, conta a assistente social. O hospital é o único equipamento do tipo em todo o estado. As pessoas com transtornos mentais que violam a lei em qualquer região do estado são trazidas para o litoral.
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Além das equipes de saúde mencionadas por Shirley Santos, há uma equipe de "desinternação", que tem o papel de pensar e articular projetos de tratamento terapêutico para pacientes que já receberam o alvará de soltura, contribuindo para reinserção deles na sociedade. “É essa a principal tarefa da EAP: fazer a articulação para fora dos muros do hospital, dialogando com os territórios de origem dessas pessoas, no sentido de contribuir com a ‘desinternação’”, diz ela.
“Encontramos pessoas com alvará de soltura emitido havia mais de 10 anos, mas que continuavam lá internadas porque não havia um plano para tratamento articulado com o lado de fora do HCTP”, completa. A assistente social destaca que o objetivo prioritário do grupo é possibilitar a transição dos hospitais terapêuticos para a rede de saúde mental, formada pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS e CAPS-AD).
Encontramos pessoas com alvará de soltura emitido havia mais de 10 anos, mas que continuavam lá internadas.
Apesar de haver uma portaria do Ministério da Saúde, datada de janeiro 2014, instituindo a criação das equipes EAP, o estado de Pernambuco montou sua equipe apenas em agosto de 2019, há menos de um ano, quando também foram contratados profissionais para equipes de atenção básica de saúde para todo o sistema prisional. “A gente ainda está implantando as ações, ainda conhecendo o sistema prisional e de Justiça”, afirma Shirley, mencionando ainda os estados do Maranhão, Piauí e Pará, que têm EAP desde 2014. “Alguns estados nem possuem mais manicômios, apenas o EAP fazendo o acompanhamento dessas pessoas”, diz a assistente social.
Alguns estados nem possuem mais manicômios, apenas o EAP fazendo o acompanhamento dessas pessoas.
Santos destaca que nos dez meses de atividades da EAP no estado, o grupo também tem dialogado com o sistema Judiciário, contribuindo com laudos e orientando sobre os tipos de medidas aplicáveis às pessoas com transtornos mentais, evitando um sofrimento extra para elas; e possui um grupo de trabalho voltado para corrigir casos em que pessoas com transtornos mentais são enviadas para penitenciárias comuns.
“Se já é difícil garantir os Direitos Humanos de uma pessoa com transtornos mentais, mesmo sem ela ter cometido infrações, imagine essas com as quais trabalhamos. São pessoas invisíveis”, diz ela. “Eles são ‘indesejados’ pela sociedade. Mesmo sem terem cometido delitos, são pessoas consideradas sem função. E quando cometem infrações, eles acabam pagando o dobro do tempo que as demais pessoas”, lamenta a assistente social. Na avaliação dela, a extinção das EAPs favorece que as pessoas passem incontáveis anos em “manicômios judiciários” como o HCTP. “Dificulta que essas pessoas voltem a ter liberdade”, alerta.
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Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Marcos Barbosa